Eleger bancadas negras é tarefa nacional contra o racismo estrutural
Dani Balbi, Edson França e Bruna Rodrigues refletem sobre a função do racismo estrutural na ordem capitalista atual, os desafios do combate ao racismo bolsonarista e a mudança de sensibilidade na juventude negra para avançar politicamente.
A mesa de debates que abriu o Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional, no sábado (4), trouxe contribuições conceituais, tarefas concretas e trajetória de vida que se encontraram na necessidade de organização política da população negra para o combate ao racismo estrutural que dirige a sociedade brasileira. O Painel “A luta antirracista frente ao desafio de derrotar Bolsonaro e eleger um governo democrático nucleado pelas forças populares” foi promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online.
A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA) e secretária de Combate ao Racismo do Partido, conduziu os debates entre a professora de Comunicação na UFRJ, Dani Balbi, a vereadora de Porto Alegre, Bruna Rodrigues, o historiador e dirigente da Unegro, Edson França, e demais participantes do encontro.
Olívia Santana aponta a necessidade do movimento de negros e negras dialogar com os setores evangélicos, assim como com as religiões de matriz africana. A violência que se volta contra os terreiros, é reflexo de um segmento que se conformou como uma grande força política conservadora, com a qual Bolsonaro dialoga e se alimenta.
Para ela, é preciso confrontar o bolsonarismo com o cristianismo e suas ideias mais elevadas de solidariedade e verdade. ”Como um governo que sustenta oligarquias, garante a concentração de renda, espalha miséria e fome, pode representar a concepção cristã de religião?”
Olívia observou durante o seminário, que as historias de vida das populações negras são muito parecidas e precisam se encontrar nessas semelhanças de sofrimento e luta contra o racismo. Da mesma forma, ela diz que a tarefa de reeleição de Orlando Silva, deputado federal do PCdoB, não é apenas uma tarefa de São Paulo, mas uma tarefa nacional, pelo que traduz de presença negra no Parlamento.
Dani refletiu sobre as bases marxista da compreensão de como o racismo se expressa historicamente na estrutura do capitalismo. Edson apontou os desafios de compreender e combater a estratégia racista bolsonarista. Bruna, por sua vez, mostrou como uma mudança de sensibilidade na juventude negra tem contribuído para o avanço político de suas lutas.
Marxismo e racismo
A partir de uma leitura marxiana, Dani Balbi mostra que a análise da relação entre capitalismo e racismo está presente nos escritos e Marx, assim como a luta antirracista nunca foi negligenciada pelo movimento comunista, embora tenha havido dificuldades de protagonismo.
Marx mostra como a divisão do trabalho entre intelectual e braçal define as classes sociais e privilégios nas sociedades pré-capitalistas. Depois tem a disputa por territórios que justifica a ocupação por indivíduos etnicamente determinados, o que leva a escravização de indivíduos derrotados nessas disputas territoriais.
Com o mercantilismo e o moderno imperialismo capitalista após as grandes navegações, surge a escravização de povos africanos para acumulação de valor para as potências imperialistas internacionais, forjando o surgimento do sistema bancário. Assim, Marx e Engels analisam que a escravidão e o racismo estão na base do surgimento do capitalismo como o conhecemos, hoje.
Dani explica como a forma de escravização de seres humanos se torna parte estrutural da matriz econômica brasileira, até hoje, com suas peculiaridades e violências próprias. A casa grande e a senzala, assim como o latifúndio e a monocultura permanecem como elementos estruturantes da participação econômica do Brasil na cadeia produtiva internacional, assim como da formação do estado.
É assim que essa formação econômica racializada da sociedade brasileira é definidora dos privilégios, das classes políticas dominantes, da hiperexploração do trabalho com baixa remuneração e mecanismos de controle e violência sobre as classes dominadas. Dinâmica social que se perpetua após a abolição formal da escravidão, com o reagrupamento das elites em torno da proclamação da República e a inserção do Brasil no mercado internacional contemporâneo de forma competitiva com o racismo definindo o baixo custo da mão de obra.
Tarefas imediatas
Edson França citou Clovis Moura que desenvolve o raciocínio marxista sobre o racismo, como um engenhoso mecanismo para justificar o colonialismo e imperialismo, assim como a superexploração do trabalho de grupos racialmente discriminados. Com isso, Moura associa diretamente a luta antirracista ao enfrentamento ao capitalismo. “Não é possível pensar a luta contra o racismo na quadra atual, sem ter o presidente Bolsonaro e o bolsonarismo como um fenômeno político ser enfrentado”.
Só é possível manter 388 anos de escravidão e a violência racial atual numa sociedade profundamente hierarquizada e desigual. Este é um legado das classes dominantes para o Brasil que se reflete no bolsonarismo com seu louvor constante à morte de pobres e pretos. As declarações explícitas de Bolsonaro aplaudindo o assassínio de pobres nas favelas pela polícia demonstram que a violência não é algo fortuito, uma exceção ou erro policial, mas um instrumento político de dominação pelo terror.
“A aliança de Bolsonaro com a covid não foi negacionismo, mas convicção de que aquele era o melhor caminho que coadunava com sua política”, afirmou. Edson ainda apontou como nesses anos de pandemia, o governo armou seus apoiadores em milícias ao liberar o porte de armas e o excludente de ilicitude. “Hoje vemos o ineditismo da Polícia Rodoviária Federal transformada em milícia para chacinas pelo Brasil”, mencionou citando o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe.
Este é o legado de Bolsonaro, na opinião de Edson, destampar o fascismo e o caos institucional. Ele lembrou quando da eleição de Bolsonaro, ele foi aos EUA e disse que se ele conseguisse destruir tudo, já estaria satisfeito. No entanto, a destruição visa as conquistas sociais do povo excluído, e não aquilo que o sistema tem de falho em democratizar direitos. “Nós fomos determinantes na definição de políticas públicas antirracistas, quando do Governo Lula e Dilma, e é isso que Bolsonaro tenta destruir sistematicamente”, afirmou ele, lembrando o trabalho pioneiro de Olívia Santana como Secretária de Educação, em Salvador. Benedito Cintra é outro comunista que ajudou a escrever cada letra do Estatuto da Igualdade Racial.
Ele considera importante ter claro que o bolsonarismo é racista, diferente de muitos que não compreendem ou confundem conceitos. O dirigente defende as políticas afirmativas como mecanismo de universalização de direitos. “O pacto federativo não pode ser apenas de regramento, mas de distribuição de desenvolvimento por todo o país”, disse ele, sobre a necessidade de reduzir assimetrias regionais.
Ele citou um dado do IBGE de 2019, sobre a pirâmide de renda, em que, para cada R$ 1000 pagos para homens brancos, R$ 758 vão para mulheres brancas, R$ 561 para homens negros e R$ 444 para mulheres negras. Uma pirâmide que estrutura todas as relações raciais no Brasil.
Ele também defendeu a importância de ocupar espaços políticos para combater o racismo, elegendo negros e negras. Para isso, é preciso convencer as pessoas de que a política não é ruim, mas o caminho para a solução onde se resolve o bem comum.
Ele pontuou ações de Bolsonaro no boicote a políticas voltadas para populações quilombolas, assim como o escárnio que fez com a Fundação Palmares, ao colocar Sérgio Camargo, o filho do ícone da luta do movimento negro, Osvaldo de Camargo, para falar todos os impropério contra a população negra e de forma racista.
Ele ainda denunciou a formação de milícias evangélicas no Rio de Janeiro para destruir e expulsar os terreiros de religiões de matriz africana, além de matar adeptos. Para ele, isso é um crime de lesa humanidade que precisa ser combatido. Ter a luta antirracista no orçamento da União, portanto, é uma medida fundamental de uma plataforma que pense condições materiais que hoje não estão disponíveis.
Explosão de consciência política
Bruna Rodrigues, vereadora de Porto Alegre, contou que um tema que norteou sua trajetória de vida sempre foi a análise das contradições entre raça, gênero e classe. Para ela, o Partido Comunista continua a frente no debate sobre o tema racial. O mandato coletivo que levou a maior quantidade de pessoas negras a uma Câmara Municipal do Brasil é um exemplo dessa vanguarda comunista.
Os marcos fundamentais de sua trajetória começam na sua formação na juventude comunista. Para ela, essa “explosão de beleza negra” que contagia a juventude, orgulhosa de sua condição negra, é parte desta luta. Essa “explosão” se expressa na presença negra na universidade, que começou tímida e recebida com estranheza quando Bruna foi contemplada pelas políticas afirmativas. Ela observa como isso tem se refletido em coletivização do sentimento negro na juventude.
O mesmo, segundo a vereadora, precisa se confirmar na disputa por espaços políticos e fazer a população negra e pobre sentir-se acolhida pela política. Ela apontou os desafios no Rio Grande do Sul, onde Manuela D’Ávila contribuiu para a construção da luta antirracista, mas não poderá disputar uma eleição dominada por violências de todo tipo. “Se está difícil para a Manuela, imagina para nós!”
Ela observou como a decisão de deixar de se confrontar como militantes negros, para se unir e confrontar a branquitude, foi importante para ocupar a Câmara Municipal “de galera”. “ O meu adversário político é aquele projeto, aquele pastor que disputa a eleição e também trabalha para esse cenário de caos do bolsonarismo”, diz ela, salientando que é preciso distinguir que a busca da fé das pessoas não pode ser vista como adversária.
(por Cezar Xavier)