Eleger bancadas negras é tarefa nacional contra o racismo estrutural
![](https://pcdob.org.br/wp-content/uploads/2022/07/Racismo-Tomaz-Silva-Agência-Brasil-1024x613.jpeg)
Dani Balbi, Edson França e Bruna Rodrigues refletem sobre a função do racismo estrutural na ordem capitalista atual, os desafios do combate ao racismo bolsonarista e a mudança de sensibilidade na juventude negra para avançar politicamente.
A mesa de debates que abriu o Seminário Luta Antirracista, Democracia e Desenvolvimento Nacional, no sábado (4), trouxe contribuições conceituais, tarefas concretas e trajetória de vida que se encontraram na necessidade de organização política da população negra para o combate ao racismo estrutural que dirige a sociedade brasileira. O Painel “A luta antirracista frente ao desafio de derrotar Bolsonaro e eleger um governo democrático nucleado pelas forças populares” foi promovido pelo PCdoB, Fundação Maurício Grabois e Instituto Castro Alves, realizado de forma online.
A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA) e secretária de Combate ao Racismo do Partido, conduziu os debates entre a professora de Comunicação na UFRJ, Dani Balbi, a vereadora de Porto Alegre, Bruna Rodrigues, o historiador e dirigente da Unegro, Edson França, e demais participantes do encontro.
Olívia Santana aponta a necessidade do movimento de negros e negras dialogar com os setores evangélicos, assim como com as religiões de matriz africana. A violência que se volta contra os terreiros, é reflexo de um segmento que se conformou como uma grande força política conservadora, com a qual Bolsonaro dialoga e se alimenta.
Para ela, é preciso confrontar o bolsonarismo com o cristianismo e suas ideias mais elevadas de solidariedade e verdade. ”Como um governo que sustenta oligarquias, garante a concentração de renda, espalha miséria e fome, pode representar a concepção cristã de religião?”
Olívia observou durante o seminário, que as historias de vida das populações negras são muito parecidas e precisam se encontrar nessas semelhanças de sofrimento e luta contra o racismo. Da mesma forma, ela diz que a tarefa de reeleição de Orlando Silva, deputado federal do PCdoB, não é apenas uma tarefa de São Paulo, mas uma tarefa nacional, pelo que traduz de presença negra no Parlamento.
Dani refletiu sobre as bases marxista da compreensão de como o racismo se expressa historicamente na estrutura do capitalismo. Edson apontou os desafios de compreender e combater a estratégia racista bolsonarista. Bruna, por sua vez, mostrou como uma mudança de sensibilidade na juventude negra tem contribuído para o avanço político de suas lutas.
Marxismo e racismo
![](https://vermelho.org.br/wp-content/uploads/2022/06/Captura-de-Tela-2022-06-04-a%CC%80s-09.41.18-1024x576.png)
A partir de uma leitura marxiana, Dani Balbi mostra que a análise da relação entre capitalismo e racismo está presente nos escritos e Marx, assim como a luta antirracista nunca foi negligenciada pelo movimento comunista, embora tenha havido dificuldades de protagonismo.
Marx mostra como a divisão do trabalho entre intelectual e braçal define as classes sociais e privilégios nas sociedades pré-capitalistas. Depois tem a disputa por territórios que justifica a ocupação por indivíduos etnicamente determinados, o que leva a escravização de indivíduos derrotados nessas disputas territoriais.
Com o mercantilismo e o moderno imperialismo capitalista após as grandes navegações, surge a escravização de povos africanos para acumulação de valor para as potências imperialistas internacionais, forjando o surgimento do sistema bancário. Assim, Marx e Engels analisam que a escravidão e o racismo estão na base do surgimento do capitalismo como o conhecemos, hoje.
Dani explica como a forma de escravização de seres humanos se torna parte estrutural da matriz econômica brasileira, até hoje, com suas peculiaridades e violências próprias. A casa grande e a senzala, assim como o latifúndio e a monocultura permanecem como elementos estruturantes da participação econômica do Brasil na cadeia produtiva internacional, assim como da formação do estado.
É assim que essa formação econômica racializada da sociedade brasileira é definidora dos privilégios, das classes políticas dominantes, da hiperexploração do trabalho com baixa remuneração e mecanismos de controle e violência sobre as classes dominadas. Dinâmica social que se perpetua após a abolição formal da escravidão, com o reagrupamento das elites em torno da proclamação da República e a inserção do Brasil no mercado internacional contemporâneo de forma competitiva com o racismo definindo o baixo custo da mão de obra.
Tarefas imediatas
![](https://vermelho.org.br/wp-content/uploads/2019/10/edson_franca_-_unegro63957.png)
Edson França citou Clovis Moura que desenvolve o raciocínio marxista sobre o racismo, como um engenhoso mecanismo para justificar o colonialismo e imperialismo, assim como a superexploração do trabalho de grupos racialmente discriminados. Com isso, Moura associa diretamente a luta antirracista ao enfrentamento ao capitalismo. “Não é possível pensar a luta contra o racismo na quadra atual, sem ter o presidente Bolsonaro e o bolsonarismo como um fenômeno político ser enfrentado”.
Só é possível manter 388 anos de escravidão e a violência racial atual numa sociedade profundamente hierarquizada e desigual. Este é um legado das classes dominantes para o Brasil que se reflete no bolsonarismo com seu louvor constante à morte de pobres e pretos. As declarações explícitas de Bolsonaro aplaudindo o assassínio de pobres nas favelas pela polícia demonstram que a violência não é algo fortuito, uma exceção ou erro policial, mas um instrumento político de dominação pelo terror.
“A aliança de Bolsonaro com a covid não foi negacionismo, mas convicção de que aquele era o melhor caminho que coadunava com sua política”, afirmou. Edson ainda apontou como nesses anos de pandemia, o governo armou seus apoiadores em milícias ao liberar o porte de armas e o excludente de ilicitude. “Hoje vemos o ineditismo da Polícia Rodoviária Federal transformada em milícia para chacinas pelo Brasil”, mencionou citando o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe.
Este é o legado de Bolsonaro, na opinião de Edson, destampar o fascismo e o caos institucional. Ele lembrou quando da eleição de Bolsonaro, ele foi aos EUA e disse que se ele conseguisse destruir tudo, já estaria satisfeito. No entanto, a destruição visa as conquistas sociais do povo excluído, e não aquilo que o sistema tem de falho em democratizar direitos. “Nós fomos determinantes na definição de políticas públicas antirracistas, quando do Governo Lula e Dilma, e é isso que Bolsonaro tenta destruir sistematicamente”, afirmou ele, lembrando o trabalho pioneiro de Olívia Santana como Secretária de Educação, em Salvador. Benedito Cintra é outro comunista que ajudou a escrever cada letra do Estatuto da Igualdade Racial.
Ele considera importante ter claro que o bolsonarismo é racista, diferente de muitos que não compreendem ou confundem conceitos. O dirigente defende as políticas afirmativas como mecanismo de universalização de direitos. “O pacto federativo não pode ser apenas de regramento, mas de distribuição de desenvolvimento por todo o país”, disse ele, sobre a necessidade de reduzir assimetrias regionais.
Ele citou um dado do IBGE de 2019, sobre a pirâmide de renda, em que, para cada R$ 1000 pagos para homens brancos, R$ 758 vão para mulheres brancas, R$ 561 para homens negros e R$ 444 para mulheres negras. Uma pirâmide que estrutura todas as relações raciais no Brasil.
Ele também defendeu a importância de ocupar espaços políticos para combater o racismo, elegendo negros e negras. Para isso, é preciso convencer as pessoas de que a política não é ruim, mas o caminho para a solução onde se resolve o bem comum.
Ele pontuou ações de Bolsonaro no boicote a políticas voltadas para populações quilombolas, assim como o escárnio que fez com a Fundação Palmares, ao colocar Sérgio Camargo, o filho do ícone da luta do movimento negro, Osvaldo de Camargo, para falar todos os impropério contra a população negra e de forma racista.
Ele ainda denunciou a formação de milícias evangélicas no Rio de Janeiro para destruir e expulsar os terreiros de religiões de matriz africana, além de matar adeptos. Para ele, isso é um crime de lesa humanidade que precisa ser combatido. Ter a luta antirracista no orçamento da União, portanto, é uma medida fundamental de uma plataforma que pense condições materiais que hoje não estão disponíveis.
Explosão de consciência política
![](https://vermelho.org.br/wp-content/uploads/2022/06/Captura-de-Tela-2022-06-04-a%CC%80s-10.21.28-1024x576.png)
Bruna Rodrigues, vereadora de Porto Alegre, contou que um tema que norteou sua trajetória de vida sempre foi a análise das contradições entre raça, gênero e classe. Para ela, o Partido Comunista continua a frente no debate sobre o tema racial. O mandato coletivo que levou a maior quantidade de pessoas negras a uma Câmara Municipal do Brasil é um exemplo dessa vanguarda comunista.
Os marcos fundamentais de sua trajetória começam na sua formação na juventude comunista. Para ela, essa “explosão de beleza negra” que contagia a juventude, orgulhosa de sua condição negra, é parte desta luta. Essa “explosão” se expressa na presença negra na universidade, que começou tímida e recebida com estranheza quando Bruna foi contemplada pelas políticas afirmativas. Ela observa como isso tem se refletido em coletivização do sentimento negro na juventude.
O mesmo, segundo a vereadora, precisa se confirmar na disputa por espaços políticos e fazer a população negra e pobre sentir-se acolhida pela política. Ela apontou os desafios no Rio Grande do Sul, onde Manuela D’Ávila contribuiu para a construção da luta antirracista, mas não poderá disputar uma eleição dominada por violências de todo tipo. “Se está difícil para a Manuela, imagina para nós!”
Ela observou como a decisão de deixar de se confrontar como militantes negros, para se unir e confrontar a branquitude, foi importante para ocupar a Câmara Municipal “de galera”. “ O meu adversário político é aquele projeto, aquele pastor que disputa a eleição e também trabalha para esse cenário de caos do bolsonarismo”, diz ela, salientando que é preciso distinguir que a busca da fé das pessoas não pode ser vista como adversária.
(por Cezar Xavier)