Orlando Silva (à direita) discute com deputado governista.

Os ataques da extrema direita ao deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) por conta do seu Projeto de Lei sobre o “Estatuto das Famílias do Século XXI”, têm duas dimensões. A primeira, e mais relevante, refere-se à sua atuação como uma das principais lideranças da Câmara dos Deputados. Na guerra estabelecida pelo bolsonarismo para ocupar espaços nas instituições e no aparato do Estado, um deputado com o perfil de Orlando Silva não poderia passar incólume. O padrão rebaixado dos ataques mostra que a intenção da extrema direita é fugir do mérito da questão para alimentar a indústria do ódio com falsas notícias, as chamadas fake news.

Por Osvaldo Bertolino*

Como diz a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, o deputado e ex-ministro do Esporte é um dos parlamentares mais influentes do Congresso Nacional e um destacado articulador da defesa da democracia e de repúdio à escalada autoritária do governo Bolsonaro. “Repudiamos a onda criminosa de fake news contra Orlando Silva, que mente sobre o real teor de um projeto de lei apresentado por ele. É por essa razão que a extrema direita, com seu exército de robôs, o atacam pelas redes. Orlando tem todo nosso apoio e solidariedade”, afirma Luciana Santos.

Casamento civil 

A outra dimensão são as manipulações sobre o mérito da matéria, chamadas pela ex-deputada federal Manuela d’Ávila, do PCdoB-RS, de mentirosas e “canalhas” – segundo ela, movidas por uma “estrondosa fake news” financiada pela extrema direita. O vice-líder do PCdoB, deputado federal Márcio Jerry, também citou a “incrível máquina de fake news das hordas bolsonaristas”.

Como escreveu o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), relator da matéria na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em “nota à imprensa”, o Projeto “não visa a alteração do artigo 1.521 do Código Civil, que já impede o casamento entre ‘ascendentes com os descendentes’ e ‘entre irmãos’, por exemplo, como as fake news que vêm sendo veiculadas nas redes sociais”.

De acordo com a nota do deputado, quando o texto cita “união entre duas ou mais pessoas” não se refere a casamento, mas ampliação do conceito de família”. “Da mesma forma que, ao mencionar ‘independente de consanguinidade’, não sugere casamento de pais e filhos, mas de uma família formada por parentes, como avós e netos ou tios e sobrinhos, por exemplo”, complementa.

O Brasil é um país de muitos formatos de famílias, diz o deputado. “Como parte dos esforços para eliminar a discriminação, a ONU declara que é importante assegurar que outros arranjos familiares – unipessoal, casal com filhos, casal sem filhos, mulher/homem sem cônjuge e com filhos, casais homoafetivos com ou sem filhos –, além do formado por casal heteroafetivo, também sejam igualmente protegidos.

A nota prossegue: “Há tempos que a família é reconhecida não mais apenas por critérios de consanguinidade, descendência genética ou união entre pessoas de diferentes sexos, mas conformadas através do amor ou da socioafetividade. Este Projeto, portanto, pretende tornar responsabilidade do Estado o reconhecimento formal de qualquer forma digna e amorosa de reunião familiar, independentemente de critérios de gênero, orientação sexual, consanguinidade, religiosidade ou raça.”

Gadêlha lembra que o Artigo 3º da Constituição diz que entre os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Já o Artigo 5º determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

E conclui citando que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, em 2011, a união estável para parceiros do mesmo sexo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu as autoridades competentes de se recusarem a habilitar ou celebrar casamento civil ou, até mesmo, de converter união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, em 2013.

Difamação irresponsável

O jornal O Estado de S. Paulo também abordou o assunto numa matéria de Paulo Roberto Netto, intitulada “Boato falso diz que projeto de lei na Câmara quer ‘legalizar o incesto’”. A proposta visa, na verdade, a ampliação do reconhecimento de famílias pelo Estado, diz. “Um boato falso afirma que projeto de lei do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) em tramitação na Câmara dos Deputados quer ‘legalizar o incesto’ no Brasil. O boato ganhou força no início da semana após a proposta ser colocada para votação nesta quarta, 21, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias”, afirma a matéria.

O autor explica que o Projeto de Lei não menciona nem cita o Artigo 1521 do Código Civil, que proíbe o casamento entre pais e filhos. Para “legalizar” a prática, no Projeto deveria constar explicitamente a mudança, mas a proposta não faz nenhuma menção em tornar legal o incesto. E registra a nota de Orlando Silva, que classificou os boatos e ataques como “infundados e nojentos”. “Em tempos de ‘pós-verdade’, quando para se formar convicções os fatos pesam menos que as emoções e visões particulares de mundo, manipular através da pregação da mentira é uma prática cotidiana”, afirmou a nota do deputado citada na matéria.

Paulo Roberto Netto diz que o parlamentar cita artigo publicado em 2016 no Blog do Fausto Macedo, no Estado, sobre a questão do reconhecimento familiar. “As famílias hoje são conformadas através do amor, da socioafetividade, critérios verdadeiros para que pessoas se unam e se mantenham enquanto núcleo familiar. Exemplo disso, quando os filhos acabam sendo criados por tios ou tias, avós ou avôs, ou mesmo quando são adotados por outras famílias, ou, ainda, quando casais homoafetivos formam uma família”, explica.

Segundo a reportagem, nas redes sociais o parlamentar disse que o boato se tratava de uma “tentativa de difamação irresponsável”. “Texto compartilhado no site Jornal da Cidade Online atribui a autoria do projeto à ex-deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB). A informação é falsa. Manuela não é autora do PL 3369/2015, tampouco era deputada federal quando a proposta foi apresenta. Ela deixou o cargo em Brasília no dia 31 de janeiro de 2015 e a medida foi apresentada por Orlando Silva no dia 21 de outubro do mesmo ano”, conclui a matéria, citando que o boato “foi selecionado para checagem por meio da parceria entre o Estadão Verifica e o Facebook”. “O Boatos.org também desmentiu este conteúdo”, registrou.

Hordas bolsonaristas

A versão falaciosa foi amplamente difundida por deputados bolsonaristas. “A indústria de fake news do bolsonarismo não tem escrúpulos. Mentem desbragadamente para descaracterizar um projeto que nada fala sobre casamento entre pais e filhos, apenas cita que a base da família deve ser o amor”, disso Orlando Silva no Twitter. O deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), chegou ao ponto de vociferar obscenidades no plenário da Câmara dos Deputado para defender sua tese vulgarizada sobre o Projeto, municiando as hordas bolsonaristas.

Orlando Silva explica que a proposta se baseia em um dado brutal da realidade brasileira, evidenciado por pesquisas publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontando que as famílias no Brasil são cada vez mais chefiadas por mulheres e que 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento. Em artigo, ele disse que, ao contrário das profecias bolsonaristas, o casamento consanguíneo é vedado pelo Código Civil brasileiro.

O site e-farsas, especialista em desmentir a indústria de fake news nas redes sociais,  também verificou e desmentiu a versão bolsonarista. “Se o deputado do PCdoB realmente estivesse interessado em mudar o Código Civil (…), ele seria obrigado a inserir em seu texto ‘Essa Lei altera os artigos fulano e cicrano do Código Civil’”, escreve o site, complementando que o Projeto é uma resposta a outro, apresentado pelo deputado federal Anderson Ferreira, definindo “a entidade familiar como o núcleo social”.