Nesta quinta-feira (29), pelo segundo dia consecutivo, a cotação do dólar alcançou máxima de R$ 5,79 durante o pregão. A moeda norte-americana não atingia este patamar desde 18 de maio, quando superou R$ 5,80. Nas casas de câmbio, o dólar turismo chegou a ser vendido acima de R$ 6. Ao mesmo tempo, a B3, bolsa de valores de São Paulo, fechou em queda da 4,25% nesta quarta (28).

Um dos motivos para a disparada são os temores em torno da segunda onda da pandemia do novo coronavírus na Europa. O contágio também está crescendo nos Estados Unidos, que está às vésperas de uma eleição crucial.

No entanto, os números refletem também temores domésticos. O resultado da inflação de outubro medida pelo IPCA-15 – 0,94% – veio acima do esperado, as pautas econômicas caras ao mercado estão paradas no Congresso e os investimentos estrangeiros no Brasil não vão bem das pernas por questões como instabilidade política, meio ambiente e dificuldade de controle da pandemia.

É verdade que as dificuldades na economia não vêm de hoje. O governo causa ruídos e instabilidade desde que começou e a desconfiança externa com a gestão ambiental já existia em 2019. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e riquezas produzidos em um país) brasileiro cresceu 1,1%, resultado tímido, inferior aos registrados para os dois anos do governo Michel Temer.

A escalada do dólar até quebrar a barreira dos R$ 5, por sua vez, começou em fevereiro, antes mesmo da pandemia. Em 2020, o real foi a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar: 40%, a maior queda entre 30 países, segundo lista da Reuters.

Neste momento, no entanto, o ambiente instável, as políticas (ou falta de políticas) do governo e a indiferença de Paulo Guedes e Bolsonaro aos efeitos do dólar alto na economia real são particularmente cruéis. O Brasil não saiu da primeira onda da pandemia, a renda diminuiu, os preços de alimentos estão nas alturas e, quanto mais o real se desvaloriza, maior a pressão inflacionária.

Em meio a isso tudo, ainda não há programa social no horizonte para substituir o auxílio emergencial reduzido pelo governo federal para R$ 300, que termina em dezembro. Para o economista Paulo Kilass, apesar da preocupação com a questão fiscal, a realidade em breve baterá à porta e não será possível escapar de encontrar espaço no orçamento para manter alguma forma de transferência de renda à população.

“A grande questão, para esse pessoal, é o receio do teto de gastos. Achar que se o teto não for furado a economia vai bem é um contrassenso absurdo. Muito provavelmente, vai ter esse quadro recessivo e o governo, nem que seja por uma questão meramente eleitoral, vai ter que dar alguma forma de continuidade para o auxílio. É impossível não ter. Se cortar, você vai ter uma radicalização da crise social que vai se transformar em uma radicalização da crise política”, acredita.

Com relação às formas de financiamento, ele pontua que o governo de Jair Bolsonaro, e o establishment de uma maneira geral, têm se feito de surdo para recomendações do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI). “Você tem até mesmo o FMI falando em seus documentos sobre uma flexibilização da austeridade. Por um lado, sugerem aumentar o endividamento, porque a crise é grave e permite. Por outro, diz que tem que estabelecer uma taxação sobre os super ricos e sobre as aplicações financeiras”, diz Kliass. No caso da taxação dos mais ricos, ressalta, a solução é benéfica não apenas para financiar os gastos com a pandemia, mas para melhorar a dívida pública.