Cristina defende que presidente “honre a vontade do povo argentino”
A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, publicou na noite de 5ª feira (16) uma extensa carta aos argentinos. Nela, pediu ao presidente Alberto Fernández que “honre a vontade do povo argentino” e mude os rumos da economia – que apresenta altos índices de inflação e desemprego, sem reposição salarial – após o revés nas eleições primárias de domingo passado.
“No domingo, 12 de setembro deste ano, o peronismo sofreu uma derrota eleitoral em eleições legislativas sem precedentes”, admitiu no texto publicado em suas redes sociais com o título “Como sempre…Sinceramente”.
Referindo às muitas reuniões que tiveram, Cristina sublinhou que “sempre coloquei para o Presidente o que para mim constituía uma situação social delicada e que se traduzia, entre outras coisas, em atrasos salariais, falta de controle de preços – especialmente nos alimentos e remédios – e falta de trabalho, sem ignorar, obviamente, o impacto das duas pandemias: a do Macri primeiro e a sanitária aos 99 dias de ter assumido o governo. Da mesma forma, sempre ressaltei a falta de eficácia em diferentes áreas do governo”.
“Assinalei que acreditava que estava sendo praticada uma política de ajuste fiscal equivocada que estava impactando negativamente na atividade econômica e, portanto, na sociedade como um todo e que, sem dúvida, isso teria consequências eleitorais”, acrescentou.
Lembrando que não só para o Presidente da Nação tinha expressado suas avaliações, frisou que “a resposta sempre foi que não era assim, que estava equivocada e que, de acordo com as pesquisas, íamos ganhar as eleições ‘muito bem’. Minha resposta, invariavelmente, era ‘não leio pesquisas … leio economia e política e tento ver a realidade’”.
O posicionamento da também ex-presidente (2007-2015) ocorreu um dia depois de que cinco ministros considerados próximos dela ofereceram as renúncias a Fernández, que não as aceitou.
A aliança peronista Frente de Todos obteve 31,80 por cento dos votos em todo o país, enquanto a coligação de oposição Juntos por el Cambio atingiu 41,5 por cento nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO).
“Quando tomei a decisão, e o faço na primeira pessoa do singular, de propor Alberto Fernández como candidato a Presidente de todos os argentinos e as argentinas, o fiz com a convicção de que era o melhor para a minha Pátria. Peço apenas ao Presidente que honre essa decisão… mas acima de tudo, tomando também as suas palavras e convicções, o que é mais importante que tudo: que honre a vontade do povo argentino”, concluiu Cristina a sua Carta.
Poucas horas após do texto, Alberto Fernández assegurou aos seus colaboradores mais próximos que se trata de “uma carta de Cristina com todos os seus ingredientes” e resgatou a parte do texto em que a vice-presidenta diz que sabe que com a mesma capacidade com que Fernández enfrentou a pandemia vai relançar seu governo. O presidente considerou que “não tem muito mais o que falar, porque é hora de fazer”.
“Com pressão, eles não vão me forçar”, disse o presidente a Página 12 horas antes da carta da vice-presidenta ser conhecida. “Ela (Fernández de Kirchner) me conhece, ela sabe que pelas boas me tiram tudo”, registrou.
Em recessão desde 2018, a Argentina atravessa uma crise econômica agravada pela pandemia de Covid-19. Para amortecer os efeitos da paralisação da economia por conta das restrições sanitárias, o governo fez fortes emissões de dinheiro, principalmente em 2020.
Além de suas altas taxas de pobreza (42%) e desemprego (10%), a Argentina tem uma das maiores taxas de inflação do mundo (32% de janeiro a agosto) e uma dívida pendente de 44 bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional, herdada do governo de Mauricio Macri (2015-2019).
Mostrando uma reação aos problemas, o presidente Alberto Fernández anunciou que designará um novo gabinete ainda nesta sexta-feira ou, no máximo, na manhã de sábado. O presidente considera que é necessário sair do debate com fatos concretos: de um lado, a nomeação de ministros, de outro, avançar nas medidas econômicas e sociais. Embora os nomes não tenham transcendido, a ideia é que o gabinete inclua membros dos diversos setores da Frente de Todos, informou o jornal Página 12.
Como afirmou o jornalista Mario Wainfeld, o presidente deu a entender que a substituição vai estar em linha com o que foi discutido com Cristina Fernández de Kirchner na última terça-feira, em Olivos. E a estratégia é retomar a gestão o mais rápido possível, na próxima segunda-feira.
O Movimento Evita, uma das forças populares centrais que apoiaram a eleição do governo Fernández/Cristina, destacou a necessidade de “bancar a unidade da Frente de Todos (que elegeu o novo governo)” com base no que, segundo eles, foi o tom da mensagem do presidente, um tom “autocrítico, conciliador e racional”, sem abrir mão de “escutar as demandas no nosso povo” e de apoiar “o trabalho e a produção” em meio a “um diálogo econômico e social”.
O Movimento acrescenta que “entendemos que o povo exige a correção de erros a que se honre o mandato e o programa que nos levou a ganhar as eleições de 2019” isto significa “começar pelos que estão por último”.
Alerta que a Argentina atravessa “uma das piores situações de nossa história”, enfatizando que o governo de Macri lev ou a “uma grave deterioração do tecido econômico e social, como consequência de políticas neoliberais”.
E finalizou com um chamado: “Temos a responsabilidade de devolver a esperança à sociedade argentina. De dar respostas concretas a uma Argentina que quer que se gere trabalho e produção, melhore os salários e as condições de vida de nossa gente”.