Aprovado nesta terça-feira (29) pela diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o reajuste de mais de 52% sobre a tarifa da bandeira vermelha 2 é resultado da má gestão do sistema elétrico em 2020. A constatação é de especialistas do setor consultados pelo Portal Vermelho. Segundo eles, o governo optou por usar água dos reservatórios da bacia do Paraná esperando recompor a poupança de água com as chuvas entre o fim de 2020 e início de 2021.

As chuvas, no entanto, foram escassas, colocando o país sob o atual risco de racionamento de energia. “Quando olhamos os gráficos do Operador Nacional do Sistema (ONS), vemos que eles aumentaram a geração hidráulica e reduziram a geração térmica, contando que o período de chuvas fosse recompor os reservatórios. As chuvas não vieram e a situação ficou extremamente grave. Além disso, o governo está tomando providências muito tardiamente”, afirma Vicente Andreu, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA).

Também nesta terça, o governo editou uma Medida Provisória (MP) centralizando poderes no Ministério de Minas e Energia para enfrentamento da crise hídrica. A publicação vem após pronunciamento do titular da pasta, Bento Albuquerque, em rede nacional. O ministro pediu que a população economizasse água e energia e descartou racionamento no momento.

Para o engenheiro eletricista da Eletrobras Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), Albuquerque escondeu a gravidade da crise.

“O governo operou de maneira temerária o sistema elétrico do ano passado para cá e agora não está querendo mostrar para a população a gravidade da crise”, comentou. Segundo ele, embora seja uma medida que traz “consequências graves”, o racionamento pode se tornar inevitável.

Vicente Andreu também não acredita que as medidas que o governo vem adotando na tentativa de contornar a crise serão suficientes. “Um relatório do ONS mostra que, se eles conseguirem implementar todas as medidas previstas, como importação de energia e acionamento das térmicas, os reservatórios da bacia do Paraná vão chegar a 8% em novembro”, afirma.

Andreu também criticou a MP de hoje e a estratégia do governo de transferir o ônus da crise inteiramente para o consumidor. “A MP propõe uma solução centralizadora para gestão da crise, centralizada no ministério que é responsável por termos essa crise”, destaca. Ele pontua ainda que o governo não estabeleceu qualquer meta de economia de energia.

“A única medida que estão adotando, que é o reajuste brutal para que não impacte a receita das distribuidoras, não tem comprovação nenhuma de qual é a meta a ser atingida em termos de redução. Ele transfere para a população uma conta e não tem nenhuma meta”, afirma.

Ikaro Chaves destaca que, além da gestão equivocada em 2020, faltam investimentos no setor elétrico. “A Eletrobras, que é a maior empresa do sistema elétrico, que foi a que historicamente mais investiu, está proibida de investir desde o governo Temer. É uma situação muito semelhante à de 2001, em que o governo também estava preparando a empresa para a privatização e deixou de investir. Aí, quando veio a crise hídrica, a gente não estava preparado. Nem toda crise hídrica precisa virar crise energética, mas virou”, afirma.

Segundo Chaves, a tendência é que a história se repita, com o agravante de o Congresso Nacional ter aprovado neste mês a Medida Provisória (MP) 1031/2021, que viabilizou a privatização da Eletrobras. De acordo com o engenheiro, uma das consequências é que a privatização tende a encarecer mais a energia. A outra é que inviabiliza os investimentos.

“Quem vai fazer os investimentos que o Brasil precisa? O governo acha que a gente vai superar crise elétrica contratando geração de termelétrica? A gente precisa fazer grandes investimentos em energia eólica, energia solar. Sem a Eletrobras, quem vai fazer esses investimentos? A iniciativa privada nunca fez, então a Eletrobras privatizada certamente não fará. Depois de 2001, quem fez investimentos no setor foi a Eletrobras”, afirma.

Vicente Andreu corrobora que a tendência é que a privatização da Eletrobras torne a energia elétrica ainda mais cara para a população. “A tendência é que a privatização vai transferir essa energia do mercado regulado para o mercado livre, e não vamos ter nenhum colchão de amortecimento para a tarifa no Brasil”, comenta. Para o ex-presidente da ANA, a privatização da estatal, em especial neste momento, é “um ataque à soberania nacional” e deve aumentar a frequências de crises energéticas.