O Congresso da Paz se reuniu sob a consigna de "Viver sem a Otan-Ideias para a paz"

Em contraposição à política oficial do atual governo alemão de apoiar e armar o regime de Kiev e seus neonazis, personalidades historicamente ligadas ao movimento pela Paz se reuniram no sábado (21) no Congresso da Paz em Berlim, na Universidade Humbold, sob o lema “Viver sem a Otan – ideias para a Paz”, com oradores intensamente aplaudidos ao responsabilizarem a “estratégia dos EUA e a Otan” pelo conflito em curso na Ucrânia.

Entre os oradores, a publicitária Christiana Reymann; o ex-ministro das Finanças e ex-presidente do Partido Esquerda, Oscar Lafontaine; a deputada Sevim Dagdelem; a ex-deputada Heike Hensel; o deputado Andrej Hunko; o dramaturgo e compositor Dieter Dehm; a jornalista e escritora Gabriele Crone-Schmalz; o escritor Ekkehard Sieker; o teólogo católico Eugen Drewemann; o ativista e organizador da paz Rainer Braun e o professor emérito de direito internacional Norman Paech – todos eles alemães -; mais a acadêmica e pacifista indiana Anu Chenoy, a ex-militar norte-americana Ann Wright, a ambientalista finlandesa Ulla Klötzer e o professor de direito e pacifista ucraniano Yuri Sheliazhenko. No preâmbulo da convocatória, a afirmação “Há apenas um caminho para a paz: armistício imediato, negociar em vez de atirar! Compromissos sem perda de face para nenhum dos lados!”

‘Otan é uma máquina militar dos EUA’

Quase todas as contribuições do congresso foram dedicadas à busca das causas da escalada e soluções orientadas para a paz. Para o ex-ministro das Finanças do SPD, cofundador e ex-copresidente do Partido de Esquerda, Oskar Lafontaine, a guerra na Ucrânia é resultado da estratégia dos EUA. “Em sua estrutura atual, a Otan nada mais é do que uma máquina militar dos EUA.”

Então, o veterano político de 78 anos perguntou se os europeus precisavam de uma aliança com os Estados Unidos. “Minha resposta tem sido clara há muitos anos: nenhuma aliança pacífica é possível com os EUA, com uma oligarquia que busca o oligárquico-capitalismo. Porque existe a velha fórmula: o capitalismo traz a guerra dentro de si como as nuvens carregam a chuva.”

Perante a guerra em curso na Ucrânia, são necessárias negociações imediatas de cessar-fogo, “uma zona neutra entre os blocos” e, a médio prazo, uma aliança europeia de defesa, liderada pela Alemanha e França, e “sem uma oligarquia capitalista. A Europa não deve permitir-se ser sugada pelo belicismo das superpotências”, afirmou.

“Seria do interesse de todo o mundo acabar com esta guerra o mais rápido possível”, acrescentou Lafontaine. “Não devemos nos cansar de contradizer o zeitgeist [espírito do tempo] predominante – um zeitgeist que define a quantidade certa de ‘solidariedade’ pela quantidade de tanques e desconfia de tudo que cheira a vontade de negociar”.

Lafontaine encerrou sua participação referindo-se à declaração feita pelo primeiro-ministro alemão em 26 de fevereiro em relação às sanções anti-russas da UE. Olaf Scholz disse: “Isso vai arruinar a Rússia.”

“Isso é um papo nazista”, retrucou Lafontaine, sob aplausos.

 “Quem lucra com a guerra não a impedirá”

O pacifista ucraniano Sheliazhenko pediu “uma nova conferência sobre segurança e cooperação na Europa (CSCE)”, porque, segundo ele, “quem lucra com a guerra não a impedirá”.

Em sua análise, a deputada do Partido de Esquerda Sevim Dagdelen apontou que a guerra na Ucrânia é de fato uma “guerra econômica e por procuração” da Otan contra a Rússia, com a República Popular da China sendo “o alvo real”.

O ativista e organizador da paz Rainer Braun lembrou que a grande maioria dos países do mundo se recusa a seguir a lógica de guerra da Otan.

Um “pedido de paz” de uma hora pelo teólogo Eugen Drewemann, em que combinou argumentos espirituais com uma afiada análise geopolítica, foi acolhido com muitos aplausos.

Ele identificou “a desalmação do corpo como uma mera marionete” como um componente elementar dessa incitação à guerra. O “ciclo da morte” do medo e do armamento só pode ser quebrado “se não tivermos mais medo”.

“Poderíamos ter paz se quiséssemos”, enfatizou Drewermann, referindo-se às propostas da Rússia para uma arquitetura de segurança comum. Os EUA forçaram o conflito com a Rússia na Europa por seus próprios interesses geopolíticos. E a única solução é “deixar a Otan”. “Nenhuma paz é possível com ela”.

Ekkehard Sieker e Diether Dehm se concentraram em analisar as conseqüências, na mídia e entre os trabalhadores culturais, da histeria russofóbica em curso.

Sieker denunciou as “técnicas de propaganda anti-iluminista com medo de punição” através do uso de toda uma rede de organizações para “comunicação estratégica” com tarefas de combate – financiadas pela OTAN, governos ocidentais ou ONGs como a Open Society, do bilionário norte-americano George Soros – o conjunto que domina a mídia e o espaço público das sociedades ocidentais.

Cujas narrativas pós-modernas não devem ser questionadas, ele enfatizou, alertando para uma “fascistização lenta do estado democrático burguês”.

Para Dieter Dehm, os trabalhadores culturais se vêem diante de intensa pressão para assumirem “uma posição submissa à política agressiva da OTAN”, acrescentando que a guerra na Iugoslávia foi um “ensaio geral” para essa intimidação. Ele também lembrou as “longas listas de grandes jornalistas” que foram postos de lado por terem posições críticas.

Na avaliação da RT-DE (edição em língua alemã) o congresso mostrou “de forma impressionante que muitos intelectuais e políticos alemães orientados para a paz não mudaram sua opinião crítica sobre a OTAN, o papel da mídia e a política ocidental na Europa Oriental, apesar de todas as críticas ao esforço de guerra russo na Ucrânia”.

Também houve pressões sobre a Universidade Humbold para inviabilizar o Congresso da Paz. Mas a instituição asseverou que é sua prática “oferecer espaço para o discurso social e a liberdade de opinião, desde que isso seja feito com base na Lei Básica. Em nossa opinião, é o caso”.

As declarações no Congresso da Paz contra a “Otan agressiva e imperialista” causaram urticária no presidente do comitê de Relações Exteriores do Bundestag, o deputado social-democrata Michael Roth. Passando recibo sobre o significado do evento, ele disse que a lista de oradores “parece um ‘quem é quem’ daqueles que entendem Putin e distorcem os fatos. É assustador como a propaganda de Putin é capturada e espalhada em partes da sociedade alemã”.

E tratava-se de um pequeno auditório com transmissão pelas redes sociais, mas o bastante para ser chamado de “assustador” por Roth.

Em frente à entrada principal para o Congresso, meia dúzia de adeptos do regime de Kiev exigia que a direção da universidade expulsasse a “propaganda russa”, isto é, censurasse o debate. Também homenagearam os colaboradores nazistas que se renderam em Mariupol, aos gritos – de memória colaboracionista – de ‘Glória à Ucrânia, glória aos heróis’. A quem quer que chegava, queriam imputar a pecha de ‘amigo de ditador’ e tiveram de ouvir de um participante que “se você não concorda, se inscreva no evento e discuta”.