Com a construção de Brasília, inaugurada em 1960, Oscar Niemeyer recebeu a atenção do mundo, maravilhado pelas curvas e os espaços de sua arquitetura moderna. Desde então, o brasileiro decidiu projetar seus desenhos além das fronteiras, mas tinha um complicador: seu medo de avião – uma ironia na história daquele que levantou uma cidade sobre o desenho de uma aeronave. Mas, em 1964, um golpe militar de direta no Brasil, mudaria tudo, levando o comunista a um longo autoexílio na França.

No verão de 1965, uma exposição centrada nos projetos de Niemeyer em Brasília, no Musée des Arts Decoratifs, em Paris, atraiu multidões recorde, bem como a atenção de arquitetos e políticos franceses. A exposição aconteceu em um momento oportuno. Fora do Brasil, Niemeyer estabeleceu um escritório na Avenida Champs-Elysées, em Paris. Começou a trabalhar numa série de projetos em toda a Europa, bem como em propostas não realizadas para uma estância turística em Israel e um plano diretor para a Pena Furada, Algarve em Portugal.

A França não foi escolhida por acaso: o arquiteto sabia que poderia contar com apoio para desenvolver novos projetos. As obras desse período são agora reunidas em Oscar Niemeyer en France – Un exil créatif (Oscar Niemeyer na França – Um exílio criativo, em tradução livre). Escrito por dois arquitetos – a brasileira Vanessa Grossman e o francês Benoît Pouvreau, sob encomenda para a coleção Carnet d’Architectes, da Éditions du Patrimoine –, o livro foi lançado em francês, mas com edições previstas em inglês e em português

É uma obra que mostra como o modernista brasileiro entrou para o “panteão dos arquitetos franceses e que trabalharam na França”, diz Vanessa, que é professora da Universidade de Tecnologia de Delft. Ao longo de duas décadas, Niemeyer faz prédios públicos e privados, projetos culturais e residências.

Muito requisitado, ele aceitou pedidos das mais diversas origens, encomendas de André Malraux, ministro francês da Cultura durante o governo de direita do General Charles de Gaulle, ou do prefeito comunista da cidade do Havre, André Duroméa. No de Maio de 1968, essa versatilidade tornou-se exemplar. O brasileiro projetou a sede da indústria automobilística Renault, na periferia de Paris, assim como a icônica sede social do Partido Comunista Francês (PCF), que organizava as greves dos operários da Renault.

Para Vanessa Grossman, não existe uma fase francesa de Niemeyer. “Ele aproveitou os projetos que teve na França para desenvolver uma linhagem de tipos e formas que ele tinha na sua trajetória. O que acho único nesse período é o encontro dos projetos dele com um tecido urbano consolidado e a grande rede de colaborações”, pontua.

Talvez a obra mais conhecida desse exílio seja a sede do Partido Comunista Francês, em Paris. Embora a obra tenha levado 15 anos para ser completada, seu primeiro esboço foi feito em apenas três dias por Niemeyer, que deu o projeto de presente ao PCF. “Nossas visões compartilhadas e nossa luta política foram muito mais importantes do que a arquitetura”, escreveu Niemeyer. “E nos tornamos bons amigos.”

Sua estrutura chegou em um momento crítico para os comunistas franceses e funcionou em grande parte como um gesto material de consolidação, já que o PCF enfrentou perdas significativas em cadeiras durante a eleição de 1968. Além disso, a encomenda foi feita em um momento de crise do partido, que pretendia se afastar do stalinismo e da União Soviética, modernizando sua sede ao mesmo tempo em que mudava seu discurso. O brasileiro, exilado político, apareceu como figura ideal.

“Niemeyer vinha com esta aura de perseguido político, ainda que tenha sido poupado de alguma forma pelos militares. Além disso, naquele momento, havia um interesse na França pela América Latina em geral, uma certa atração pelo que acontecia lá e por seu potencial de ser um centro da esquerda para o mundo”, lembra Vanessa, que escreveu uma outra obra dedicada a esta história: Le PCF a changé (O PCF mudou, éditions B2).

De frente para a Place du Colonel Fabien e ladeado pela avenida Mathurin Moreau e pela Boulevard de la Villette de ambos os lados, o terreno de esquina escolhido para a sede era anteriormente de propriedade de um sindicato. Antes da 2ª Guerra Mundial, o sindicato havia permitido que o Pavilhão Russo da Exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas de 1925, de Konstantin Melnikov, fosse reconstruído ali.

O princípio orientador de Niemeyer para o projeto foi cuidadosamente considerado equilíbrio entre o espaço aberto e o volume arquitetônico. Assim, ao liberar o térreo, Niemeyer pretendia evitar a ocupação excessiva do local e maximizar o espaço verde tanto para o cliente quanto para os moradores da cidade.

“Durante essa fase a ideia predominante era manifestar não apenas a liberdade plástica da minha arquitetura, mas também os avanços da engenharia no Brasil”, disse Niemeyer. “Na sede do Partido Comunista Francês, demonstrei a importância de manter a harmonia entre volumes e espaços no exterior, o que explica por que o grande salão dos trabalhadores está localizado no subsolo.”

O projeto final de Niemeyer englobava um bloco vertical de escritórios em serpentina acoplado a núcleos de serviço em duas torres separadas ao lado de uma série de espaços públicos subterrâneos abaixo da grade para preservar a abertura do terreno. A estrutura curva de seis andares é cuidadosamente suportada em cinco pares de colunas que não apenas suportam o peso das placas em balanço – mas também incorporam canais de serviço cruciais.

No interior, o arquiteto posicionou uma série de escritórios separados por divisórias desmontáveis com ricas portas azuis escuras e telhas de PVC verde-oliva para esconder dutos de serviço. Uma escada em espiral leva à ampla sala de jantar principal no sexto andar, com vista para a cidade.

O prédio em curva com linhas sóbrias e a cúpula branca, entregue apenas em 1980, traz as marcas do modernismo de Niemeyer em plena Paris haussmaniana, de fachadas tradicionais bege e telhados de zinco. A fachada é assinada pelo designer francês Jean Prouvé, em uma da série de colaborações feita pelo comunista na estadia francesa. Os desenhos estão expostos e detalhados em Oscar Niemeyer en France.

O livro de Vanessa Grossman e Benoît Pouvreau aponta uma frustração de Niemeyer no período: não ter levado a cabo a construção de seus projetos de habitação social. Os projetos foram abandonados após um período de fortes críticas à arquitetura moderna, percebido a partir dos conjuntos habitacionais modernos nas periferias de grandes cidades francesas. “Le Corbusier foi visto como um pai para Niemeyer, mas também foi um fardo”, diz Vanessa.

“Havia uma crítica nesse momento à arquitetura moderna”, explica ela. “Os arquitetos começaram a pensar que essa arquitetura não levava em conta o tecido urbano das cidades europeias, que tratava as populações que foram alocadas nesses conjuntos habitacionais de maneira massificada. Havia essa crítica muito forte nos anos 1970 e é justamente o momento que Niemeyer abre seu escritório – e os projetos não vão para frente.”

Ainda assim, a sede do PCF fez história. Por muito tempo, a arquitetura e a decoração simbolizavam o poder estatal na história francesa – do Palácio de Versalhes ao interior do escritório presidencial de Pierre Paulin em 1971. Niemeyer e seus colaboradores, preocupados com a unidade formal, entregaram uma obra que transcendeu as divisões políticas. Até mesmo um político de direita, o ex-presidente Georges Pompidou, louvou o projeto como “a única coisa boa que esses comunistas já haviam feito”.

Além da sede do Partido Comunista e da Casa de Cultura do Havre, Niemeyer projetou a antiga sede do jornal L’Humanité em Saint-Denis (1989) e a Bolsa do Trabalho de Bobigny (1980), ambos na periferia da capital francesa. Ao morrer, em 2012, o arquiteto recebeu várias homenagens.  O PCF, por exemplo, deixou sua sede parisiense aberta ao público durante vários dias, mantendo hasteadas, no prédio, as bandeiras brasileira e francesa a meio pau. A cada ano, cerca de 15 mil visitantes de escolas de arquitetura de todo o mundo visitam o local.

Com informações da RFI e do ArchDaily