Ruas de Cali transbordaram para denunciar política ditatorial do governo de Iván Duque, 51 lesões oculares e mais de 70 assassinatos, 14 somente na sexta-feira e 50 feridos em Cali

Dando prosseguimento aos protestos iniciados com a Paralisação Nacional de 28 de abril por “paz, salário, emprego, direitos e o fim da política de desmilitarização e privatização do governo de Iván Duque”, os colombianos ampliam o movimento por negociações reais e efetivas.

Por Leonardo Wexell Severo*

No momento em que os dados oficiais apontam que o desemprego de abril superou o de março, alcançando os 15,1%, e que o número de mortos pelo coronavírus bateu no pico, checando aos 3.558 na semana, Duque radicaliza sua política de terrorismo de Estado.

“O governo tem priorizado os discursos de ódio e declarações de confronto, dando tratamento militar contra os que exercemos o legítimo direito ao protesto. São milhares de detidos, 51 com lesões oculares e mais de 70 pessoas assassinadas, 14 delas na noite de sexta em Cali, pela polícia e por pessoas vestidas de civil que acompanham os seus efetivos”, denunciou o dirigente da Comissão Nacional de Paralisação e presidente da Central Unitária de Trabalhadores da Colômbia (CUT), Francisco Maltés Tello. Nesta entrevista, o líder colombiano alertou que “no mesmo dia em que falava em diálogo, Duque impôs o Decreto 575 conferindo ao seu governo poderes ditatoriais”. “Nós defendemos o caminho do diálogo e da negociação para construir uma política de desenvolvimento nacional. Convocamos para esta quarta-feira (2) grandiosas manifestações pacíficas em todo o país”, sublinhou.

Quais os pontos chave da agenda econômica e social apresentada pela Comissão Nacional de Paralisação ao governo de Iván Duque para o país sair da crise?

O primeiro que pedimos é a renda básica de US$ 261 por sete meses para dez milhões de pessoas, desempregados, pessoas deslocadas pela violência, idosos com mais de 65 anos que não puderam se aposentar e jovens desempregados. Isso permitirá reativar a economia e, ao mesmo tempo, combater a expansão da pandemia de coronavírus. Em segundo lugar, reivindicamos gratuidade para os estudantes nas universidades públicas, que isso passe a ficar sob a responsabilidade do governo central e não dos governos locais nem das instituições. Terceiro, estamos pedindo que se pague o salário dos trabalhadores das pequenas e médias empresas (PMEs), em vez de beneficiar as grandes corporações, como tem feito o governo. É importante lembrar que as pequenas e médias empresas, que são as que mais geram emprego, ficaram com tão somente 10% da ajuda. Sem apoio, quebraram 500 mil PMEs durante a pandemia, uma terça parte delas.

Em relação ao avanço da pandemia, que nesta semana atingiu seu pico, quais medidas são necessárias?

É importante assinalar que o governo começou tarde a negociação com as farmacêuticas e, sendo assim, a vacinação iniciou com meses de atraso em relação aos demais países, fazendo com que o vírus se propagasse mais rápido. Isso se deu pela incapacidade do governo. Agora, a vacinação segue extremamente lenta, tendo um plano muito bonito no papel, mas que na realidade marcha a passo de tartaruga.

Francisco Maltés da Comissão Nacional de Paralisação e presidente da Central Unitária de Trabalhadores de Colômbia (CUT)

Ao lado das propostas, vocês apresentaram um projeto de financiamento. De onde viriam os recursos?

As fontes de financiamento podem ser três: a primeira que uma parte das reservas internacionais se monetarize. A Colômbia tem mais de US$ 60 bilhões em reservas internacionais. A segunda pode ser um empréstimo do Banco Central, uma vez que as teorias modernas nos dizem que a emissão de dinheiro não é boa ou má em si, mas para que são utilizadas. Da mesma forma que com o orçamento familiar, podes investir ou gastar em festas. E uma terceira fonte parcial de financiamento é que os empresários ofereceram devolver o dinheiro que a reforma tributária lhes repassou, aproximadamente doze bilhões de pesos (US$ 3,24 bilhões). Diante da crise, os empresários defenderam que não se aplique essa reforma e concordaram em devolver essa dinheirama. E o governo ficou calado, não disse nada sobre isso. São medidas rápidas e concretas que poderiam contribuir no combate à crise.

Duque tem falado em negociação, mas o que se vê é uma radicalização da repressão

O governo esteve presente na reunião de segunda-feira (24) com três ministros, a ministra de Governo [chefe da Casa Civil] e mais de 50 assessores. Esta comissão consultava de forma permanente o presidente da República. Na quarta-feira (26), o governo não apareceu. Na quinta-feira (27) chegaram e disseram que tinham observações, que precisariam ser modificados alguns pontos do acordo e, no domingo, (30) nos levaram um pré-acordo completamente estilhaçado, com nenhuma garantia, zero, para exercer qualquer protesto social.

Isso está em sintonia com a expedição do decreto 575, da última sexta-feira (28), por meio do qual pretende ocupar militarmente oito Estados e 13 municípios, retirando deles as autoridades civis eleitas democraticamente. Coloca no lugar delas governos fantoches, é como um golpe de Estado para, segundo eles, manter a ordem pública. Ou seja, a autoridade civil passaria a um segundo plano, o que coloca, sem dúvida, as garantias e direitos muito longe de poderem ser exercidos.

Nesse mesmo dia, em Cali, apareceram pessoas vestidas de civil, ao lado de policiais, usando armas pesadas, apontando e disparando nos manifestantes – uma ação de milícia -, o que está inclusive documentado em vídeos. Então, evidentemente, há uma violação sistemática dos direitos humanos. Em um único dia houve 14 mortos e cerca de 50 feridos. E Duque não se pronuncia sobre esses fatos.

Diante de tais acontecimentos, estamos exigindo do governo o cumprimento do protocolo acordado e que, obviamente, derrogue esse decreto que é próprio de uma ditadura.

Insistimos na desmilitarização do protesto e no respeito aos direitos humanos.

Sinteticamente…

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*Jornalista, analista internacional, coordenador geral da Papiro Produções.

 

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