China repele EUA por manipular OMS em busca da origem do vírus
A China rechaçou na quinta-feira (29) a proposta unilateral da OMS para a fase dois do estudo das origens da Covid-19 e reiterou que a responsabilidade do órgão é “facilitar a consulta e o acordo completos entre os Estados membros”, e que “não tem o direito de tomar decisões por conta própria”, como assinalou o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian.
A declaração foi em resposta ao encontro na véspera entre o secretário de Estado Antony Blinken e o diretor-geral da OMS, Tedros Adanom, com o objetivo explícito de reforçar a politização do rastreamento das origens.
Ou seja, deixando de lado a ciência e abraçando as teorias conspiratórias do antecessor de Biden sobre o “vazamento do laboratório chinês” [Trump preferia “vírus chinês” direto]. Ainda, ignorando o estudo conjunto OMS-China, ao ponto de a Casa Branca ter alardeado que em agosto estará pronto “parecer” da CIA sobre a questão.
O Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que, como um país independente e soberano, a China não aceitará e não poderá aceitar qualquer plano de trabalho que não seja um plano real para encontrar o vírus, mas um plano para desacreditar a China.
Como Zhao destacou, o plano do Secretariado da OMS é inconsistente com os requisitos da resolução da 73ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), que estipula que o plano de trabalho da próxima fase “deve ser liderado pelos estados membros da OMS”.
Desrespeito à ciência e o bom senso
Na semana passada, a autoridade de saúde chinesa, ao repelir a proposta do Secretariado da OMS, chamara-a de “arrogante à ciência” e de “falta de respeito ao bom senso”.
Zhao apontou ainda que os EUA têm insistido em ignorar pistas relevantes, como amostras de sangue [com anticorpos de Covid, como verificado na Itália, e anteriores ao início oficial da pandemia] e que precisam ser submetidas a novos testes para confirmação ou não. Para a China, o estudo da próxima fase deve ser conduzido em escala global, se concentrando na fonte zoonótica e nos reservatórios, com estudos em vários lugares.
Analistas destacam, ainda, que persistem perguntas sem resposta sobre o rastreamento das origens no lugar mais atingido no mundo – os Estados Unidos.
E, se o governo dos EUA realmente deseja apoiar os estudos de origens, deveria atender ao apelo para uma investigação no laboratório militar de Fort Detrick, que no ano em que surgiu o novo coronavírus teve de ser fechado por um não explicado problema de vazamento, como está pedindo uma petição online, já assinada por 18 milhões de internautas chineses.
O porta-voz chinês assinalou que os EUA são culpados de três pecados na resposta à epidemia e rastreamento das origens. Sempre colocaram a manobra política acima da prevenção da epidemia, tornando-se um propagador de variantes mais contagiosas após não conter o surto e ao esconder o verdadeiro número de casos confirmados de infecções e o número de mortos.
O governo de Washington tem se engajado em uma campanha terrorista quanto ao rastreamento das origens, desde usar o termo “vírus da China” até espalhar boatos e ameaçar cientistas, acrescentou Zhao.
As acusações dos EUA contra a China foram refutadas veementemente por Dai Bing, da missão permanente da China na ONU, que disse que os EUA “perderam completamente a ética científica e moral” na questão do rastreamento das origens.
“A OMS não deve cair na armadilha política do governo dos EUA, tornando-se uma ferramenta política do governo Biden na luta contra a China”, disse Li Haidong, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Relações Exteriores da China, ao Global Times.
Ciência no comando
O lado chinês enfatizou que as conclusões sólidas do estudo de primeira fase sobre o assunto devem ser respeitadas. “O relatório de pesquisa conjunta China-OMS deixou claro que um vazamento de vírus de um laboratório é ‘muito improvável’”, assinalou o porta-voz, acrescentando que o grupo de especialistas deve ser formado com base nos especialistas do trabalho da primeira fase.
Zhao revelou que a China forneceu à OMS um plano de trabalho para um estudo mais aprofundado sobre as origens do COVID-19 antes da proposta do Secretariado, a ser encabeçado pelos cientistas e realizado com base em evidências.
O porta-voz enfatizou a necessidade de respeitar o nível profissional dos especialistas, sua reputação internacional e experiência prática. Caso haja uma necessidade real de suplementar especialistas em outras áreas, eles devem ser adicionados de forma adequada com base na composição original de especialistas.
Zhao reiterou que desde o surgimento do vírus a China valorizou muito o trabalho de rastreamento de origem e participou ativa e abertamente da cooperação global no estudo da origem, e convidou por duas vezes especialistas da OMS para conduzir pesquisas conjuntas e conclusões confiáveis foram alcançadas.
Observadores da cena política norte-americana têm salientado como foi que, num passe de mágica, de deplorável “tese trumpista”, o “vazamento de laboratório” passou a ser endossado pelo governo Biden, a partir de dois artigos plantados no Washington Post e The Wall Street Journal.
Um deles assinado pelo autor do famoso artigo do New York Times que lançou a mentira das “armas de destruição em massa de Sadam”, abrindo caminho para a invasão do Iraque e a famosa cena de Colin Powell, na ONU, com o falso vidrinho de “antraz”.
Tudo o que os dois artigos apresentavam eram alegações, sem quaisquer provas, de “fontes” da inteligência “sob anonimato”, sobre o “Laboratório de Virologia de Wuhan”, ao estilo Goebbels.
Um jornalista norte-americano premiado com o Pulitzer, Michael Hiltzik, e que não aderiu à farsa, registrou em sua coluna no Los Angeles Times que “o que falta” na chamada “revisão” sobre a origem do novo coronavírus “é o fato básico”: “não há qualquer evidência” de uma suposta infecção pelo vírus em laboratórios chineses, nem para as “versões mais violentas, de que o vírus foi deliberadamente manipulado”. “Não houve e não há”.
Hiltik também destacou a tentativa de criar uma falsa equivalência em termos de ciência da probabilidade de ocorrência entre a hipótese zoonótica [transmissão animal-humano] e a hipótese ‘laboratorial’.
Uma – como apontou -, ‘repetidamente comprovada pelos virologistas’, e outra, que depende de uma “conspiração e silêncio entre muitos cientistas participantes”.
Quanto ao frenesi sobre o “rastreamento do vírus”, ele lembrou que a primeira Covid (SARS) só teve a origem identificada com precisão 14 anos depois do surto; o vírus da Ebola, detectado há 45 anos, continua sem origem conhecida.
Hiltzik registrou ainda, a recente declaração do virologista norte-americano Robert Garry, co-autor do estudo publicado na revista Nature no ano passado, que examinou e refutou a ‘hipótese laboratorial’. “Nossa conclusão de que não vazou do laboratório é mais forte hoje do que quando escrevemos o artigo.”
Para dar uma cambalhota na tese oficial sobre a origem do vírus, foi preciso pressionar os cientistas, no que o governo Biden recebeu uma mãozinha nem tão inesperada assim de parte dos congressistas trumpistas. Situação da qual nem o principal infectologista do país, Anthony Fauci, se viu poupado.
Um dos momentos principais desse enredo foi a manipulação de uma carta à revista Science, favorável a mais investigações para rastreamento da origem do vírus.
Como revelou Pamela Bjorkman, professora de biologia do California Institute of Technology, que disse que “não esperava” que a carta fosse usada para promover a hipótese “laboratorial”.
Bjorkman também explicou que seu motivo para adicionar seu nome à carta foi presumir que a carta teria o efeito de solicitar mais financiamento para a busca de vírus naturais em reservatórios animais, que ela sempre assumiu representarem as origens das infecções por Covid-19 em humanos.
Conforme a agência de notícias Xinhua, em sua autocrítica Bjorkman disse que deveria ter sido mais pró-ativa, não deveria ter assinado a carta, ou solicitado mais mudanças no texto para deixar sua posição clara.