Nove mortos pelo coronavírus são de uma casa de repouso para idosos perto de Seattle – Foto AP

Já são 11 os mortos em menos de uma semana pela Covid-19 nos EUA, cujo presidente, Donald Trump, na véspera do primeiro óbito, acusara em comício na Carolina do Sul na sexta-feira os democratas de “politizarem o coronavírus”. Dez oriundos do estado de Washington, na costa oeste, e um da Califórnia. O surto já atinge 16 estados e há 158 casos confirmados.

Conforme o New York Times, o vírus pode estar “há semanas” se espraiando pelo país. Um estudo genético constatou que o coronavírus esteve se propagando no estado de Washington por até seis semanas. O que significa que entre 150 e mais de 1.000 pessoas provavelmente adoeceram sem serem detectadas. Entre a primeira detecção de um caso de contágio nos EUA e o primeiro óbito pelo coronavírus, transcorreram 36 dias, que ficaram marcados pela omissão e desleixo.

A “politização” do coronavírus ‘denunciada’ por Trump era como o presidente bilionário chamava as advertências de democratas e de especialistas médicos sobre o descaso de parte de seu governo diante do que a OMS já declarara “risco muito elevado”, com a China há dois meses sob quarentena e outras ações sem precedentes, e quando já ocorriam surtos na Itália, Coreia do Sul e Irã, além do navio de cruzeiro Diamond Princess.

Dos 158 casos confirmados, 45 são provenientes do navio de cruzeiro Diamond Princess e outros 3, de evacuados da China.

Nesta quarta-feira, o governador da Califórnia, Gavin Newson, decretou “estado de emergência”, após a primeira morte no Estado, de um idoso que esteve no navio de cruzeiro Princess. Na embarcação, há passageiros e tripulantes apresentando sintomas de contágio. Mais de 9.400 pessoas em 49 jurisdições do estado estão sendo monitoradas. Os casos confirmados no estado são 36.

No estado de Washington, o maior número de mortos, nove, é oriundo de uma casa de repouso para idosos em Kirkland, perto de Seattle, havendo ainda outra morte no condado de Snohomish.

Os contágios foram comprovados nos Estados da Califórnia, Washington, Texas, Nova York, Flórida, Illinois, Geórgia, Massachusetts, Nova Hampshire, Oregon, Rhode Island, Wisconsin, Nebraska, Utah e Carolina do Norte. O surto já chegou às duas maiores cidades do país, Nova Iorque e Los Angeles.

Em paralelo à omissão e incompetência, operava também o obscurantismo, cujo exemplo mais notório foi o do radialista Rush Limbaugh, de extrema direita, agraciado com condecoração pelo presidente, , que disse que o coronavírus era um “resfriado comum”, que havia sido transformado em arma [“weaponized”] por “democratas e comunistas” para impedir a reeleição de Trump.

Também na véspera da primeira morte por coronavírus, o chefe de gabinete interino da Casa Branca, Mick Mulvaney, havia culpado a mídia pelo risco de epidemia. “[Eles] acham que isso derrubará o presidente, é disso que se trata”, garantiu Mulvaney, na conferência anual de um mafuá extremista, a Ação Política Conservadora, realizada sob o tema “América vs. Socialismo”.

No coração do trumpismo, houve até quem considerasse boa a epidemia, pois iria “trazer as fábricas de volta da China”. Foi seu secretário de Comércio, Wilbur Ross.

Já Trump chegou a asseverar que a Covid-19 estava “sob controle” nos EUA e que iria desaparecer com o clima mais quente da primavera.

Aliás, Trump sequer se dava ao trabalho de saber a quantas andava a propagação do coronavírus, tendo dito a repórteres, na Casa Branca, no dia 26 de fevereiro – quatro dias antes do primeiro óbito – que os EUA só tinham “15 casos confirmados”. Foi desmentido por um cientista, que deu o número correto até ali: 59.

Logo após a declaração de Trump de que o vírus estava “sob controle”, uma mulher na Califórnia, no Condado de Solano, foi identificada como o primeiro caso em solo norte-americano de contágio sem relação com viagens ou exposição a uma pessoa infectada.

Além de não ter preparado o país para enfrentar a epidemia, ao longo de seu mandato Trump devastou os mecanismos públicos de controle de surtos, tanto cortando verbas, quanto cortando pessoal. A proposta de orçamento de Trump para 2021 reduz o financiamento do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o órgão federal de combate às epidemias, em 16%. Cortes no órgão em 2018 já tinham forçado a cortar em 80% as ações de um programa voltado a prevenir surtos globais de doenças.

Para combater a epidemia, o governo Trump solicitou ao Congresso apenas US$ 2,5 bilhões – numa situação em que uma imensidão de possíveis infectados não teria como arcar com o custo da hospitalização, sob o sistema de saúde hiperprivatizado norte-americano. Uma gota, para quem destinou quase US$ 1 trilhão para o Pentágono e o intervencionismo. Dos US$ 2,5 bilhões, metade nem são recursos novos, mas meramente transferidos de outros programas de saúde pública. A Câmara aprovou US$ 8,3 bilhões.

Já para chefiar sua força-tarefa contra o vírus, Trump designou seu vice, Mike Pence. Quando governador de Indiana, Pence conseguiu agravar o quadro do contágio por HIV, por se opor a um programa federal de troca de seringas e por cortar o financiamento às agências de saúde pública do Estado.

Mas parece que seu papel será mesmo de garantir que as notícias do coronavírus não atrapalhem Wall Street – e a tentativa de reeleição. Como lembrou o comentarista Wayne Madsen, o vice de Trump não é propriamente a pessoa mais indicada para comandar um programa que depende do conhecimento científico.

“Pence, que acredita que a Terra tem apenas 6.000 mil anos e que os dinossauros coexistiram com humanos, será o árbitro final sobre quais informações médicas sobre o coronavírus irão chegar ao público”, assinalou Madsen. É que “as notícias sobre o coronavírus devem ser todas ‘boas notícias’ e não devem afetar o mercado de ações e a economia americana já em colapso”.