Coaf pegou transações suspeitas de Flávio Bolsonaro e de seu assessor Fabrício Queiroz.

Está em curso no Brasil uma ampla desestruturação no sistema de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, denuncia em carta o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).
Em documento entregue ao Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF), organização internacional, sediada em Paris, que o Brasil integra desde 1999, os auditores apontam que o país tem ido na contramão do combate à corrupção durante o governo Bolsonaro.
O Brasil conseguiu, nas últimas décadas, estruturar um “sólido sistema de enfrentamento” à corrupção, “no entanto, nos últimos meses, esse sistema vem sendo desestruturado”.
“A desestruturação é tão ampla e contundente que, hoje, o Estado Brasileiro não mais reúne condições efetivas para cumprir seus compromissos internacionais de reprimir a corrupção, a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo”, diz o texto.
O primeiro ponto apresentado pelo Sindifisco é o desmantelamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com a sua transferência do Ministério da Justiça, chefiado por Sérgio Moro, para o Ministério da Economia, chefiado por Paulo Guedes, e da mudança de sua composição.
O Coaf passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e foi colocado sob controle do Banco Central.
Jair Bolsonaro passou a restringir a ação do Coaf depois que este identificou uma movimentação de R$ 7 milhões em quatro anos nas contas de Fabrício Queiroz, assessor de seu filho Flávio Bolsonaro, o “01”, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Queiroz recolhia parte do salário dos demais assessores.
O Coaf identificou também movimentações financeiras atípicas nas contas de Flávio Bolsonaro.
Para Jair Bolsonaro, “o Coaf tem que ter suas limitações. Não pode vazar como vem… (…) O ano passado vazou muita coisa ao arrepio da lei. O Coaf é um órgão de assessoramento não é de investigação de nada”.
Além disso, passarão a compor o Coaf “‘cidadãos brasileiros com reputação ilibada e reconhecidos conhecimentos na área e nomeados pelo Presidente do Banco Central do Brasil’. “Suprimiu-se a vinculação dos integrantes do Coaf aos órgãos incumbidos da condução de políticas de estado, antes exigida, abrindo-se espaço para nomeações políticas, destituídas de requisitos objetivos”, explicam os auditores.
No documento, os auditores fiscais da Receita Federal também citam a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que paralisou todas as investigações que foram iniciadas a partir de dados obtidos pelo Coaf para atender a um pedido de Flávio Bolsonaro.
“A suspensão de tais investigações criminais atendeu ao pedido da defesa do Senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do atual Presidente da República, que era investigado em decorrência de movimentações financeiras realizadas por seus assessores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro”, afirmam.
A decisão de Dias Toffoli “reduziu expressivamente as atividades do Coaf nos últimos meses, praticamente interrompendo a produção de novos relatórios”.
Mais tarde, o ministro Gilmar Mendes, também do STF, reafirmou e ampliou a decisão de Dias Toffoli, suspendendo “todos os processos que envolvem a quebra do sigilo do senador Flávio Bolsonaro”, afirma o Sindifisco.
Essas mudanças “significam enorme retrocesso no que toca ao combate aos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo”, denunciaram os auditores.
Para o sindicato, outra medida recente que facilita a vida dos corruptos foi a decisão do ministro Alexandre de Moraes que, dentro de um inquérito sobre fake news e ameaças contra os ministros do STF, paralisou investigações financeiras sobre os ministros da Corte e seus familiares feita pela Receita Federal.
Ainda para proteger os ministros e seus familiares das investigações, Alexandre de Moraes também determinou a suspensão dos auditores Wilson Nelson da Silva e Luciano Francisco de Castro por suposta “prática de infração funcional”.
Seguindo o mesmo caminho persecutório do ministro Alexandre de Moraes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, exigiu que a Secretaria Especial da Receita Federal listasse todos os auditores que investigaram “membros de poder [Executivo, Legislativo e Judiciário] ou agentes públicos federais e seus familiares” ou que tiveram acessos aos dados obtidos nas investigações.
“Trata-se de decisão que extrapolou a competência do Tribunal de Contas da União. Não lhe são conferidas funções disciplinares ou correcionais. O poder disciplinar é atribuído à própria Administração Pública, que deve punir, após o contraditório e a ampla defesa, os agentes públicos que eventualmente tenham praticado infrações funcionais”, afirmam os auditores fiscais da Receita Federal.
“A requisição, indiscriminada, do nome e da matrícula de todos os auditores fiscais, sem a existência de indícios específicos de irregularidade, consubstancia grave violação de sua independência, funcionando como desestímulo à eventual responsabilização futura de pessoas dotadas de grande poder político e social”, continuam.
O Projeto de Lei 6.064, de 2016, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (MDB-MT), tenta impedir que auditores fiscais que tenham se deparado com indícios de corrupção, lavagem de dinheiro ou financiamento de terrorismo se dirijam ao Ministério Público Federal (MPF), que faria uma denúncia.
Com o PL, os auditores teriam primeiro que reportar ao secretário especial da Receita Federal, que analisaria a “materialidade das evidências indicadas” pelo auditor.
Uma vez que o secretário executivo da Receita Federal é indicado pelo Presidente da República, as denúncias poderiam ser menos frequentes e os casos de corrupção abafados. O próprio MPF lançou uma nota se posicionando contrariamente à proposta.