A pré-candidata a deputada estadual Dani Balbi (RJ) analisa o cenário de desgaste do governo Bolsonaro como favorável à eleição de representantes LGBT+, assim como a necessidade de adensar a pauta de enfrentamento ao conservadorismo econômico neoliberal.

Não é a primeira vez que Daniele Balbi, 33 anos, se apresenta para o combate numa eleição no Rio de Janeiro. Embora seja uma professora universitária com carreira consolidada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela novamente aceita a “provocação” do PCdoB para enfrentar o bolsonarismo, em pleno estado de Jair Bolsonaro. Nesta entrevista, ela explica as motivações desse desafio e sua visão sobre o momento eleitoral, considera por muitos uma encruzilhada para a democracia brasileira.

Ela tem plena consciência de como sua trajetória, com todas as dificuldades enfrentadas, é um ponto fora da curva para mulheres trans no Brasil. Doutorou-se em ciência da literatura e participa de projetos audiovisuais importantes como dramaturga e roteirista. Fora as militâncias na UNA LGBT, na ANPG (Associação Nacional de Pós Graduandos) e na Unegro.

Dani considera esta eleição ainda mais favorável para candidaturas LGBT+, que aquela em que conseguiu reunir mais de dez mil votos. O desgaste do bolsonarismo e o aumento da consciência desta população sobre a necessidade de aumentar a representatividade contribuem. Mas ela também avalia que, os avanços eleitorais de 2018, com várias travestis e transexuais, assim como gays e lésbicas, no parlamento e nos governos, precisa ser acompanhado de um “adensamento da pauta”, para além da representatividade em si.

Dani sabe muito bem os preconceitos e constrangimentos que toda transexual passa no cotidiano. Também passou por todas as dificuldades e preconceitos do sistema de saúde com mulheres e homens trans quando resolveu fazer sua transição de gênero. A solidão, tristeza e depressão que acompanhar o processo  foram enfrentadas com alguma ajuda, algo que muitas dessas pessoas não têm.

Além disso, Dani sabe como é viver sem documentos adequados, tendo que manter um visual andrógino, sem assumir sua feminilidade desejada, para evitar constrangimentos maiores. Na justiça, ela ainda enfrentou a luta pela mudança de gênero na documentação, sem necessariamente ter feito redesignação, uma das pautas do movimento, hoje.

Quando questionada sobre as pautas mais retrogradas a serem enfrentadas, ela não cita propostas reacionárias mais óbvias, como criminalização do aborto, das drogas, liberação das armas, por exemplo, mas cita várias pautas conservadoras da economia. Se aquelas são questões que se enfrentam no curto prazo, estas são estruturantes e demandam um esforço de toda a sociedade para enfrentar o fiscalismo, a financeirização, as privatizações e o desmonte do estado nacional.

Leia a íntegra da entrevista:

O que te levou a querer se candidatar este ano?

A candidatura é consequência da candidatura que eu apresentei em 2018, quando fui provocada pelo PCdoB do estado do Rio de Janeiro, ao qual sou filiada há 18 anos. Naquele ano, me coloquei como pré-candidata para a Assembleia Legislativa para tentar garantir uma vaga, dialogando com um segmento com o qual era importante fortalecer a relação do PCdoB e enfrentar o ascenso do conservadorismo. Como eu estava muito envolvida com minha pesquisa de doutorado na UFRJ, a ideia era que a candidatura deveria abrir um canal de diálogo e demarcar um campo. Acabei sendo uma das candidatas mais votadas do Partido, ainda que com pouquíssimo recurso, financiamento e estrutura.

Este ano, por conta dos desafios de consolidar essa interlocução e ser uma força política a serviço de um outro projeto, que precisa dar suporte à eleição de Marcelo Freixo (PSB) e Luiz Inácio da Silva (PT), decidimos recolocar essa candidatura. O Partido Comunista do Brasil entendeu que, taticamente, era importante a minha reapresentação nesse cenário como candidata a deputada estadual.

Que pautas marcam sua candidatura?

Sou professora universitária e fui aluna de graduação e pós-graduação, por isso, centralmente, defendo a educação como via para emancipação da população mais vulnerável do estado do Rio de Janeiro. Qual é essa população mais vulnerável? A classe trabalhadora e, dentro dela, recortes específicos como mulheres, população LGBTQIPA+, população negra, juventude negra das periferias. São esses segmentos sociais que compõem o conjunto da população fluminense que esta no front de ataque dos desgovernos, tanto estadual, quanto federal.

Por isso, é importante que a gente ofereça, através da estruturacao de um plano de educação robusto e fortalecido, perspectivas para essas pessoas. Pessoas trans que precisam entrar no mercado de trabalho, pessoas LGBTQIPA+ que precisam se requalificar para sair da situação de marginalidade. Juventude negra através da cultura e formação básica. Essa é a nossa linha de ação, dialogando com esse segmento, mas entendendo que a educação e o desenvolvimento social e econômico, pensando nas universidades e escolas técnicas, é a pauta e o lugar onde uma possível mandata encontrará campo fértil de atuação.

Como você tem observado a participação política de LGBTQIA+ nos últimos anos?

Houve um crescimento muito grande comparado com alguns anos atrás, mas ainda é insuficiente. Esse crescimento se deve à necessidade de combater o fascismo e conservadorismo que elegeu a população LGBTQIPA+ como bode expiatório para se contrapor ao conservadorismo, e poder, de certa maneira, criar coesão com um inimigo comum.

A gente precisa avançar mais, para além da representatividade. Pensar em políticas públicas que, de fato, melhorem as condições de vida dessa população. Políticas que passam desde uma segurança pública com uma orientação antiLGBTIfóbica, até os espaços formativos em que a gente possa acolher a população LGBTQIPA+, com suas especificidades e demandas de segmento. E pensar num mercado de trabalho, que só tem a ganhar incluindo uma parcela significativa da população e se diversificando. Então é importante ter cada vez mais pessoas LGBTQIPA+ no front da política e que a pauta precisa avançar se diversificar e adensar.

Você acha que o cenário eleitoral deste ano favorece o aumento de vagas para esta representação?

Acho que o cenário pode favorecer candidaturas LGBTQIPA+, por causa do desgaste do governo Bolsonaro e do projeto de ocupação do poder miliciano. Mais do que isso, houve o escancaramento do verniz falacioso da ideia de que as pessoas LGBTQIPA+ são um problema. Até pelo desgaste da falta de projetos, a gente começa a debater em outros marcos.

Neste sentido, candidaturas LGBTQIPA+ que dialogam com essa demanda da população por atenção, têm sim mais espaço, até porque a LGBTIfobia é uma expressão do fascismo que é a face do neoliberalismo decadente. Numa sociedade que enfrenta o neoliberalismo, é importante também enfrentar essas fantasmagorias conservadoras e retrógradas. O próprio enfrentamento a um projeto neoliberal de estado mínimo, de tentativa de cerceamento das liberdades individuais, de estabelecimento da legitimidade única e exclusivamente baseada na força, de saída, já apontam para a construção de uma sociedade mais diversa e tolerante, que inclua mais parcelas da população. Acredito que o cenário é melhor do que já foi, quatro anos atrás.

Quais são as pautas mais retrógradas que é preciso enfrentar nos novos governos?

A pauta prioritária é o desmonte do estado brasileiro, através da entrega dos nossos ativos nacionais, a política de pareamento do preço dos combustíveis com o preço oferecido no mercado internacional, o próprio desmonte das nossas áreas estratégicas, tanto para o nosso desenvolvimento, quanto para a consolidação da soberania. E eu falo das universidades, e tentativas de privatização das universidades públicas, com cobrança de mensalidades, ou mesmo através da venda e desidratação dessas instituições.

Precisamos enfrentar o teto dos gastos. Precisamos de um outro marco de responsabilidade fiscal que aponte para a necessidade de investimentos na melhoria de vida da classe trabalhadora.

Essas são as pautas mais retrógradas. É claro que todo o processo de aumento do estado e aumento da cobertura de assistência social do estado, precisa olhar como esta população é diversa, e entender que precisamos de uma segurança pública antirracista, não genocida, e pensar numa saúde que inclua essas populações mais vulneráveis, mulheres trabalhadoras, LGBTQIPA+, pobres.

O conservadorismo e as pautas retrógradas são estruturantes, antes de tudo, porque são estes pontos de diminuição do estado e entrega do estado para os interesses internacionais e para os interesses de uma elite nacional, que fazem com que o projeto conservador consiga eleger um segmento que precisa sair da cobertura para que fique mais fácil justificar o enxugamento dos gastos. Nesse sentido, existe uma correlação direta entre aumento da cobertura, enfrentamento do discurso conservador, no costumes e na economia, por que ser conservador na economia é ser neoliberal.

por Cezar Xavier

EDIÇÃO: Guiomar Prates