Caberá ao Comitê Judiciário decidir se deve redigir o pedido de impeachment contra o presidente

Por 232 votos a 196, a Câmara dos Deputados dos EUA formalizou nesta quinta-feira (31) os procedimentos do inquérito de impeachment do presidente Donald Trump, declarado aberto há cerca de um mês pela presidente da casa, a democrata Nancy Pelosi.

A votação desencadeia a próxima fase da investigação, que passará a ser pública e com audiências televisionadas nacionalmente.

Na prática, a eleição de 2020 já começou, com o processo de impeachment transformado em um turno preliminar. Com a formalização, irá se esvaziando o alarde republicano sobre a ilegitimidade e o sigilo da investigação.

A principal acusação é de que Trump ameaçou em julho o novo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, com o corte da ajuda militar de quase US$ 400 milhões para que este investigasse suposta ‘interferência na eleição nos EUA de 2016’ e a corrupção de Joe Biden e seu filho Hunter. No momento do telefonema, Biden era tido como o pré-candidato democrata favorito a 2020.

Pelosi descreveu o inquérito de impeachment como um processo “solene e de oração”, não causa de “alegria ou conforto”. “Eu não sei porque os republicanos estão com medo da verdade”, alfinetou.

O apoio público ao impeachment só faz aumentar. De acordo com a FiverThirty Eight (média de pesquisas), 48,2% dos norte-americanos apoiam o impeachment, contra 43,8% que rechaçam. Há um mês atrás, o apoio era de 40,9%.

As normas aprovadas para o atual inquérito de impeachment são, segundo Pelosi, semelhantes às estabelecidas, na época, para Richard Nixon ou Bill Clinton.

Desde sua torre no Twitter, @realDonald Trump já respondeu à deliberação da Câmara, chamando-a de “a Maior Caçada às Bruxas na História Americana!” Antes, classificara o inquérito de impeachment como um “tribunal de opereta, em que os republicanos foram despojados de seus direitos e os fatos não podem sair à luz”.

Coro engrossado pela porta-voz da Casa Branca, Stephanie Grisham, que acrescentou que “a obsessão inflexível de Nancy Pelosi e dos democratas com esse processo ilegítimo de impeachment não fere o presidente Trump; fere o povo americano”.

“Os democratas tentam fazer o impeachment do presidente porque temem não poder derrotá-lo nas urnas”, afirmou o líder republicano na Câmara, Kevin McCarthy, exercendo o direito ao esperneio.

Ao tentar ganhar votos republicanos para o processo de impeachment, Pelosi conclamou cada parlamentar a “apoiar que o povo Americano veja os fatos por si mesmo”. Ela acrescentou que “não podemos ignorar e não ignoraremos quando o comportamento presidente indica que essa investigação é necessária”.

Na votação o que se viu foi a divisão da Câmara estritamente de acordo com a filiação partidária. Nenhum republicano votou a favor do inquérito de impeachment, e dois democratas (de distritos com tendência pró-republicana) votaram contra. Um independente (ex-republicano) votou a favor. Quatro deputados se ausentaram, três democratas e um republicano.

O placar da votação indica que até aqui os republicanos seguem considerando mais oportuno não se desgarrarem de Trump, a um ano das eleições, mas os fogos de artifício mal começaram a espocar em Washington.

No Senado, controlado pelos republicanos, são necessários dois terços dos votos (67) para aprovar o impeachment. A aprovação pela Câmara, controlada pelos democratas, é por maioria simples e praticamente garantida. Um senador republicano reagiu, segundo a mídia dos EUA, apostando em que o impeachment “estará morto ao chegar ao Senado”.

A resolução votada autoriza formalmente que o Comitê de Inteligência da Câmara, liderado pelo deputado democrata Adam Schiff, realize audiências públicas, libere transcrições de depoimentos realizados sob sigilo anteriormente e, finalmente, que envie relatório final ao Comitê Judiciário da Câmara.

Possivelmente, em qualquer outro país do mundo pareceria estranho que caiba a um comitê de Inteligência do parlamento conduzir um inquérito de impeachment. Mas reza a lenda que em Washington não há golpes porque lá não há embaixadas americanas.

Caberá ao Comitê Judiciário decidir se deve redigir o pedido de impeachment contra o presidente, dirigido ao Senado.

Nessa fase, a Casa Branca poderá interrogar testemunhas. Os deputados republicanos também poderão convocar testemunhas e emitir intimações, desde que haja concordância do comitê. Os democratas mais otimistas almejam ver cumprido o riscado até antes do Natal.

Desde o golpe da CIA em 2014, junto com os neonazis na Praça Maidan, a Ucrânia virou um protetorado norte-americano, em consórcio com oligarcas ladrões, e durante o governo Obama foi Biden que se portava como autêntico ‘vice-rei’.

Diante disso, não deixa de ser irônico que Trump esteja sendo incurso no “uso ilegal da presidência para solicitar interferência de um país estrangeiro nas eleições dos EUA de 2020” e “ameaça à segurança nacional” norte-americana. Aliás, foi Biden o encarregado de enrolar o presidente Yanukovich, até à vitória da revolução colorida. Quando tudo estava consumado, Yanukovich recebeu de Biden a resposta de que o que tinha sido acordado já não valia e que o ucraniano estava – uma frase muito americana – “um dia e um dólar atrasado”.

É voz corrente em Washington que irrompeu a guerra aberta entre os serviços secretos e os trumpsters, disputa para a qual os mocinhos não foram chamados. Nos lances mais recentes, o tenente-coronel Alexander Vindman, do Conselho de Segurança Nacional e especialista em Ucrânia – que emigrou criança da Ucrânia, têm vínculos com círculos reacionários de Kiev e fala o idioma – asseverou que testemunhou o telefonema de Trump para Zelensky, e que foi ele que disse ao advogado da Casa Branca John Eisenberg que a ligação era “inapropriada”, levando à transcrição para um servidor classificado tido como mais seguro.

Para Trump, Vindman não passa de um “never Trump”, “escória”. Aos seus adeptos, pediu para que parem de contratar os “never Trump”.

Tudo começara com o denunciante anônimo que tinha “ouvido falar” de outros agentes da CIA do telefonema, ficara sem dormir de tão perturbado e acabara por registrar a denúncia depois de consultar o pessoal do presidente do comitê de Inteligência da Câmara, Schiff.

Agora, o próprio ex-conselheiro nacional de Segurança, John Bolton, se mostra pronto para abrir o bico no Congresso.