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Com o feijão podendo faltar na mesa do brasileiro, para além da escassez, o Governo Bolsonaro, ao manter a política de fim dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), tampouco apresenta qualquer perspectiva de alento à carestia, que vem agravando o problema da fome dos brasileiros. Embora tenha sofrido ligeira desaceleração em maio, a inflação oficial do país, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ainda acumula alta de 11,73% em 12 meses.

Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Paulo Kliass destaca que a inflação está há muito tempo superior ao centro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e que irá ultrapassar o teto estabelecido para 2022, como já aconteceu no ano passado. Em 2021, o IPCA foi de 10,06%, quase o dobro do teto da meta, de 5,25%. “A inflação avançou para os dois dígitos neste governo, depois de muitos anos no patamar de um dígito”, apontou, em entrevista ao Portal Vermelho, na qual considera como principais componentes desta alta o fim dos estoques reguladores da Conab e a chamada política de Preço de Paridade Internacional (PPI), utilizada para o aumento dos combustíveis.

Paulo Kliass

“O governo Bolsonaro deu uma contribuição grande para a alta dos preços dos alimentos desde que Paulo Guedes começou a desmontar as políticas públicas de estoques reguladores. O setor agrícola, na maioria dos países capitalistas, é muito protegido. Vai o Brasil tentar exportar milho e laranja para os Estados Unidos: não consegue. Para os países europeus também não pode vender produtos agrícolas porque eles adotam esta política protecionista, com estoques reguladores, para impedir a oscilação extraordinária na oferta”, comparou ele, exemplificando ainda que, caso o país tentasse exportar arroz para o Japão, que é um alimento essencial na cultura japonesa, não conseguiria. “O alimento é produzido por uma rede de pequenos rizicultores. Se houver um problema de abastecimento, o governo tem estoques para garantir”, explicou.

País enfrenta risco de desabastecimento de feijão

Segundo Kliass, a perspectiva de haver desabastecimento de feijão, alimento considerado fundamental no prato do brasileiro, simboliza as políticas públicas do Governo Bolsonaro, que acabou com o financiamento dos agricultores, levando à redução da área cultivada e, portanto, da colheita esperada na safra atual. “Estamos tratando com segurança alimentar e alimento não é um bem que se resolve com oferta e demanda, tem a ver com safras, colheita, plantio, com tantas questões pelas quais os governos tem estoques reguladores. No caso de alimentos importantes para os brasileiros como trigo, milho, arroz, feijão e açúcar, o Estado brasileiro comprava porque, se houvesse uma questão mais greve de abastecimento, a solução não ficaria nas mãos dos atacadistas e produtores. Agora o governo ficou sem instrumento para equilibrar o abastecimento, porque resolveu deliberadamente acabar com os estoques reguladores”, lamentou Kliass, mencionando ainda que contribuindo para o agravamento da carestia há o fato de alimentos como o trigo serem importados, em um momento no qual o país atravessa um cenário de desvalorização cambial.

Combustíveis

O custo dos alimentos bem como o de outros produtos é ainda contaminado pela alta dos preços dos derivados de petróleo. “Temos dependência da gasolina, do óleo diesel, do querosene de aviação e do gás de cozinha. Toda família precisa do gás de cozinha quando não conta com gás natural, no caso daquelas que ainda não precisaram recorrer à lenha. Uma parte do transporte de mercadorias é por via aérea enquanto remanesce a necessidade de gasolina, mas também de diesel para caminhões e embarcações”, enumerou Kliass, para o qual a PPI é mais uma armadilha do programa e retórica neoliberal do ministro Paulo Guedes: “Você atrelou os preços internos aos preços de especulação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O governo obriga a Petrobras a exportar óleo bruto e a importar óleo diesel, gás e gasolina. Diferentemente do governo Lula, quando o Brasil alcançou a autossuficiência nesta área, hoje exportamos o bem bruto sem valor agregado e importamos manufaturados com valor agregado. Todo aquele processo de autonomia energética agora foi para o espaço”.

Kliass destacou ainda que, combinado às situações de crise conjuntural por conta do conflito na Ucrânia, o preço do petróleo sobe somando-se também à desvalorização do Real, que faz com que fique mais caro ainda. “A PPI foi uma decisão do governo Temer e Bolsonaro resiste a mudar. Por isso, em menos de um mês, o presidente da Petrobras mudou três vezes. O discurso do Bolsonaro é tirar os impostos, jogando a responsabilidade nos governadores, mas isso é mentira. O que impacta o valor dos combustíveis é a decisão do governo federal de manter a politica de preços que é criminosa, derivada da PPI. Ele precisa mudar a política de preços da Petrobras, para que seja estabelecida a partir dos custos de produção e não do petróleo bruto no mercado internacional”, defendeu.

“Para mexer na PPI basta vontade política do governo. Ela foi estabelecida em 2016, no governo Temer, depois do impeachment da presidenta Dilma, quando a Petrobras estava sendo apresentada como vilã da crise. A ideia era tirar a força da Petrobras e jogar para fora do Brasil a cotação dos preços. A alteração da lei que estabeleceu esta regra pode ser feita por medida provisória, mas Bolsonaro não o faz porque estaria afrontando interesses das grandes multinacionais do petróleo presentes no país”, disse. “Há também o problema que são os acionistas minoritários, que estão nadando em fortuna com ganhos contábeis no Brasil e na Bolsa de Nova York e que veriam seus lucros diminuídos. Mas precisamos questionar se a Petrobras existe para dar lucro para acionistas”, afirmou.

Foto: FUP

Kliass alertou que na hipótese de privatização da Petrobras, conforme defende Paulo Guedes, a tendência seria os preços dos combustíveis subirem ainda mais. “Se for privatizada a Petrobras, que foi criada pelo presidente Getúlio Vargas há quase 70 anos, ela não vai se orientar pelo interesse do país. Por isso que uma empresa dessa tem de ser estatal”, concluiu.