Apesar do alto número de mortes e casos, festas de rua se espalham pelo país sem respeitar protocolos sanitários de uma pandemia. Foto: Prefeitura de Caruaru
Caruaru PE 11 06 2022=Fewsta de São João na Roça Pau Santo na cidade de Caruaru foto PMC

Mais uma vez, o governo de Jair Bolsonaro (PL) e o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) sabotaram todo o controle sanitário da pandemia e dificultaram enormemente o trabalho das secretarias de saúde estaduais e municipais. A decretação do fim da emergência sanitária pelo Ministério da Saúde foi o início de uma avalanche de problemas, garantindo mais algumas milhares de mortes desnecessárias no Brasil.

Em entrevista, o secretário da Saúde do Espírito Santo, sanitarista Nésio Fernandes de Medeiros Junior, revela porque a população deveria estar mais preocupada com o atual cenário da pandemia. Na opinião dele, que é especialista em administração de saúde, o fim da emergência sanitária gerou um primeiro problema, dentre outros, de comunicação com a população.

“Atrapalha a comunicação, porque a população acredita que, com o fim da emergência sanitária, a pandemia acabou. Então, caiu no país a adesão ao uso de máscara, caiu a vacinação, caiu a percepção de risco da população em procurar um teste quando tem um sintoma leve que pode estar relacionado com a covid”, lamentou Nésio.

Onda ou oscilação

Nésio acredita que estamos vivendo uma nova onda da pandemia, em vez de uma simples oscilação. Para ele, seria oscilação se o país já estivesse registrando dias sem mortes pela doença, no entanto, a média móvel é de quase 200 mortes por dia. “Vínhamos mantendo uma tendência de queda sustentada de  casos, internações e óbitos, e essa queda foi interrompida. Uma fase de recuperação da última onda foi interrompida com uma nova aceleração, que já impacta em aumento de óbitos”, salientou.

Chegamos a um patamar de menos de cem mortes diárias, há algumas semanas, mas voltamos a uma aceleração. Desde o dia 22 (média de 124 mortes diárias), a espiral de letalidade foi crescente, chegando a média de 194 mortes diárias nos últimos três dias. Considerando que em 17 de abril ao início de junho registravam-se menos de cem mortes diárias, o aumento foi de cerca de 100%, conforme observa o sanitarista.

“Não posso menosprezar o fato de morrerem 193 pessoas por dia, num país que tem vacinas, e por uma doença imunoprevenível. Não se trata de uma oscilação, mas de uma onda com impacto em internações e óbitos; claro que em proporções menores que em situações anteriores, principalmente no período pré-vacinação”, disse.

A emergência continua

Este avanço tem impacto no sistema hospitalar devido ao aumento de internações e óbitos. Mas ele considera que a situação não afeta no tratamento de outras doenças, porque, “por decisão de prefeitos e governadores”, temos uma rede que foi ampliada e expandida com melhores condições de atender essa população.

Outra condição que torna a situação emergencial é a concomitância da covid com todas as outras doenças que afetam o sistema de saúde, e que não vivem no momento uma redução como havia em outros momentos. Com a redução da atividade econômica e social em outros momentos, foi possível observar a redução de várias emergências como acidentes de trânsito e tiroteios, por exemplo, os chamados traumas e causas externas. Com isso, o sistema ficou mais folgado para atender a covid. Neste momento, há uma retomada de todas as outras condições, inclusive da chamada “covid longa” (as sequelas mais graves que permanecem em pacientes mais graves da doença) e a nova onda da covid-19.

O problema com tudo isso, diz Nésio, é que agora as secretarias estadual e municipais não contam com o mesmo financiamento federal que tinha nos anos anteriores para subsidiar o enfrentamento a pandemia. Este é outro efeito nefasto da decretação do fim da emergência sanitária pelo Ministério da Saúde.

“Isso atrapalhou, do ponto de vista normativo, os estados que tinham um conjunto grande de contratos vinculados ao estado de emergência”, disse. O sanitarista explicou que, por causa disso, os estados tiveram que decretar emergência por características epidemiológicas próprias, vinculando essa condição à emergência internacional. “Foi mais uma decisão unilateral do Ministério (da Saúde), que trouxe para o conjunto das ações de enfrentamento da pandemia, mais dificuldades de comunicação com a sociedade e nas decisões administrativas”, resumiu.

Teste e subnotificação

O gestor de saúde também explicou como a subnotificação de testes, e principalmente autotestes, acaba afetando a taxa de letalidade. O autoteste disponível nas redes privadas de farmácias, e realizado em casa, acaba não tendo seu resultado incluído nas estatísticas do governo.

Nésio defende que o autoteste é uma estratégia complementar ao acesso ao exame. No entanto, não pode ser tratado como política pública prioritária. “O poder público precisa garantir é testagem universal de livre demanda para toda a população”.

No Espírito Santo, Nésio tem garantido pontos de testagem em terminais urbanos, nas rodoviárias, no aeroporto, além de postos de testagem de livre demanda de 24 horas e agendamento online. “Compramos quase um milhão de testes de antígeno, durante a pandemia, e temos capacidade de produzir até dez mil testes por dia em nosso laboratório central”.

O teste não pode ser considerado uma opinião médica, de acordo com ele. O cidadão deve ter acesso ao teste, independente de ter tido avaliação de qualquer profissional de saúde.

A subnotificação ocorre não apenas nos autotestes, mas até mesmo com os testes. Nésio diz que sua gestão identificou serviços de saúde, até mesmo privados, que não têm realizado a notificação da totalidade de testes, principalmente quando se trata de testes negativos. “Então, você acaba tendo uma positividade e uma letalidade influenciada pela falta de notificação de resultados negativos e até mesmo positivos”.

Como resolver isso? No Espírito Santo, os laboratórios privados e as farmácias foram notificados, além de haver fiscalizações da vigilância sanitária. “Nós acompanhamos os municípios e estabelecimentos de saúde silenciosos”, acrescenta. Os municípios e estabelecimentos silenciosos são aqueles que passam sete dias sem notificar nenhum caso, o que geralmente significa que o local está tendo algum tipo de dificuldade no acesso à testagem.

(por Cezar Xavier)