Bolsonaro dificulta vacinação e favorece ressurgimento de doenças
A cada ano, milhões de bebês e crianças deixam de ser vacinados. Esta é uma novidade ameaçadora para o Brasil, que está diretamente relacionada com a postura e ações do Governo Bolsonaro no Ministério da Saúde.
Quanto mais crianças vacinadas, menos chances do vírus encontrar hospedeiro para sobreviver. Quanto menos cobertura vacinal, no país, mais chances do vírus selvagem, erradicado há décadas, encontrar oportunidades para voltar à ativa. As pessoas têm dificuldade de entender essa dinâmica coletiva da imunização, em que seu filho só não pega a doença, porque todos ao redor estão impedindo o vírus de chegar até ele.
Jair Bolsonaro não deixa de vacinar os filhos, nem a si mesmo. Para ele, colocar a dúvida em torno da ciência, das vacinas, da imprensa, dos intelectuais, e tudo que define a estabilidade das informações é fundamental para seu projeto de poder. Sua sobrevivência só é possível em meio ao caos e à desconfiança dos seus seguidores nas instituições estabelecidas.
Por isso, a diminuição no número de campanhas de vacinação, a falta de informação sobre a eficácia das vacinas e as trocas constantes do Ministério da Saúde são alguns dos fatores que se tornaram padrão em seu governo.
Agora, com as vacinas contra a covid-19 aprovadas pela Anvisa para atender bebês e crianças menores, fica evidente, mais uma vez, o esforço de Bolsonaro em impedir que elas cheguem à população. Não há prazo para início da vacinação dessa faixa etária, embora, desde o início do ano morreram de covid duas crianças menores de 5 anos por dia. A própria campanha de imunização contra covid-19 tem sofrido um refluxo, enquanto os números de casos têm aumentado em alguns estados, e a média de mortes se mantém em 60 por dia.
Desmonte do Ministério
Em entrevista à agência alemã Deutsch Welle, o ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto, testemunha como o Ministério da Saúde tem sofrido com o caos instaurado por Bolsonaro, principalmente nas gestões militares. Houve quatro troca de ministros, em que as equipes tradicionais e experientes do Ministério foram trocadas sem qualquer preocupação com o acúmulo de conhecimento que tinham.
Luiz Henrique Mandetta tinha sua equipe de trabalho, que foi mantida com Nelson Teich. A partir do general Eduardo Pazuello, o Ministério foi destruído. Ele colocou militares que não entendiam absolutamente nada de saúde e estavam em todos os níveis de gestão. “Falo isso com propriedade, porque participei de reuniões dentro da pasta no ano passado para discutir ações da pandemia. Fiquei impressionado, porque frequento o Ministério desde os anos 1980 e nunca vi nada parecido. Um desastre completo”, afirmou, embreado ainda a troca do general por Marcelo Queiroga, também bastante alinhado com o negacionismo de Bolsonaro.
Desta forma, Vecina Neto considera improvável que políticas públicas sejam bem sucedidas com tantas mudanças, sem nenhuma coerência, senão a busca pelo alinhamento ideológico anticientífico. Foi por esse motivo que Mandetta e Teich foram limados, enquanto Pazuello saiu pelo desgaste político envolvendo corrupção e uma CPI.
Território livre de doenças
A última vez que o país alcançou 100% da cobertura vacinal para a poliomielite foi em 2013, durante o governo Dilma. De lá pra cá, a queda foi gradual, chegando a 69,9%, no último ano, segundo o Ministério da Saúde. O mesmo acontece com vacinas como BCG, que previne a tuberculose, e Tríplice Viral, que impede a disseminação de sarampo, rubéola e caxumba.
O Sistema Único de Saúde (SUS) já realizou campanhas de vacinação em que imunizou 13 milhões de crianças contra poliomielite em um único dia. Este era um padrão elogiado em todo o mundo, mas que precisa de propaganda agressiva do governo para funcionar. É preciso repetir a propaganda da eficácia da vacina junto à população para gerar uma onda coletiva em torno da vacinação, para que famílias pobres e ocupadas em seus afazeres entendam a importância de ir ao posto de saúde enfrentar uma fila.
Quando surgiu em 1975, o Programa Nacional de Imunizações era baseado apenas em concentração de esforços em campanhas de um dia. Isso foi mudando nos anos 1990, com a criação do SUS e das Unidades Básicas, que fazem o acompanhamento da vacinação, especialmente das crianças.
Após o golpe de 2016, o financiamento do Ministério da Saúde foi derrubado, com consequente corte nas campanhas de vacinação. Estabeleceu-se a lógica de que vacina-se apenas quem quer, algo que não funciona, pois sem a campanha as pessoas simplesmente deixam de se vacinar. Isto é verificável na vacinação de idosos contra gripe e de grávidas contra a rubéola.
Junto com isso surgem movimentos antivacinais, com sua desinformação e fake news. Funcionam como seitas religiosas, em que os membros se sentem parte de uma comunidade que jamais vai se vacinar, mesmo diante de uma pandemia. São capazes até de radicalismos em defesa de suas crenças de que crianças precisam pegar doenças perigosas para desenvolver imunidade. Se algumas morrem, parece-lhes um mal necessário. Bolsonaro está na liderança desse tipo de movimento. Mesmo tendo se vacinado (e decretado sigilo sobre sua carteira de vacinação), ele pregou contra vacinas em plena pandemia de covid-19.
Não completou 30 anos ainda que fomos declarados território livre da poliomielite, a tragédia da paralisia infantil que atinge países da Ásia. Mas já tivemos um caso suspeito no Pará, como também em Nova York. Neste caso, a criança fez o esquema vacinal errado e teve reação de paralisia flácida, o que também revela um problema que não existia no Programa Nacional de Imunizações.
As doenças que correm risco de voltar não são tão nocivas para crianças como são para adultos. O sarampo e a rubéola, por exemplo, não afetam tanto uma criança saudável. Mas podem ter efeitos graves para adultos e mulheres grávidas. Em sociedades pobres como a brasileira, onde crianças são subnutridas e sujeitas a outras doenças, também podem ser mortais.
(por Cezar Xavier)