Detenção de imigrantes nos Estados Unidos

Entidades em defesa dos direitos humanos nos EUA rechaçaram o anúncio, pelo governo Biden, da manutenção em vigor de uma política do antecessor Trump usada para expulsar sumariamente centenas de milhares de imigrantes nos últimos meses, sob a fachada do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), ou seja, a pretexto da pandemia.

Isso significa mais uma promessa de campanha rompida por Biden – que os mais exaltados já chamam até de ‘clone de Trump’ – ao prosseguir com a manipulação da vaga definição de “sério risco de nova doença introduzida no país” do Título 42 do Código Sanitário de 1944 para expulsar imigrantes. Em junho, as detenções de imigrantes na fronteira sul atingiram um recorde para anos recentes.

A Associação Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), a associação de defesa dos imigrantes latinos, RAICES, a organização humanitária Oxfam e a Human Rights Watch enfatizaram que estão retornando aos tribunais contra o governo Biden com o processo iniciado pela primeira vez contra o governo Trump, pelo uso do Título 42 para acelerar deportações durante a pandemia de Covid-19 .

O governo Trump alegou ter autoridade sob esse artigo para expulsar imigrantes “em nome da saúde pública”.

As entidades reagiram com indignação à declaração do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês, mais conhecido como ‘Homeland’), de que, em vez de revogar essa medida, começaria a usar a remoção acelerada para deportar rapidamente famílias que as autoridades mexicanas se recusaram a aceitar.

As organizações entraram com uma moção conjunta no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia [a capital, Washington], dizendo que “buscam retomar o litígio”, pois as discussões com o governo “chegaram a um impasse”.

A ACLU, que imputara o governo Trump pela implementação do Título 42 “em violação dos antigos estatutos de imigração exigindo que os requerentes de asilo recebam um processo completo e justo para determinar seu direito à proteção nos Estados Unidos”, denunciou o governo Biden por fazer exatamente o mesmo desde que assumiu.

“Demos ao governo Biden tempo mais do que suficiente para resolver quaisquer problemas deixados pelo governo Trump, mas isso não nos deixou escolha a não ser voltar ao tribunal”, disse Lee Gelernt, o principal advogado do caso. “As vidas das famílias estão em jogo.”

“Agora está claro que não há qualquer plano imediato para fazer isso”, ele acrescentou em nota. “O governo fez declarações públicas repetidas de que só precisaria de um tempo extra para reconstruir o sistema de concessão de asilo desarticulado pelo governo Trump. Nós demos sete meses, agora o tempo se esgotou.”

De acordo com a Human Rights Watch (HRW), a Alfândega e a Proteção de Fronteiras realizaram mais de 642.700 expulsões sob o Título 42 entre março de 2020 e abril de 2021, “normalmente sem realizar as triagens exigidas”.

“As consequências de devolver os requerentes de asilo ao perigo podem ser catastróficas – resultando em agressão sexual, tortura e morte”, denunciou a HRW.

De acordo com a organização, “o Congresso especificamente manteve fora do texto da lei qualquer referência a imigrantes ou imigração por causa de preocupações de que a autoridade de saúde pública pudesse ser usada para discriminar os imigrantes”.

“É muito cruel usar uma regra obscura de saúde pública para recusar famílias que buscam segurança sem o devido processo legal e fechar funcionalmente nosso sistema de asilo – é ilegal”, disse Karla Marisol Vargas, advogada sênior do Projeto de Direitos Civis do Texas, que integra o questionamento judicial apresentado pela ACLU.

“O governo está optando por tratar os refugiados como peões políticos e, por isso, estamos ansiosos para voltar ao tribunal para que possamos encerrar o Título 42 para as famílias de uma vez por todas”, disse a dirigente da Oxfam América, Noah Gottschalk, em referência a que a decisão da Casa Branca em boa medida visa apaziguar os parlamentares republicanos.

Os setores do Partido Democrata também vinham cobrando intensamente do governo Biden a revogação da expulsão sumária sob a folha de parreira do Título 42, agora negada sob alegação da disseminação da variante delta e consequente agravamento da pandemia.

Para os progressistas, o principal objetivo ao manter essa política de Trump foi aliviar a pressão dos republicanos por mais repressão contra os imigrantes, em momento de aumento do fluxo de pessoas na fronteira sul, e se explica muito menos pela suposta necessidade de contenção da pandemia.

Cuja piora é em grande parte explicada pela campanha de desinformação, que afeta especialmente os eleitores de Trump nos estados em que ele foi mais votado, contra a vacinação, e que resulta em enorme desaceleração da imunização e consequente aumento de casos. 99% dos mortos por Covid-19, segundo o CDC, são de não vacinados.

Questão à qual Gottschalk aludiu, ao acrescentar que o uso contínuo do Título 42 “não impedirá a disseminação da Covid ou evitará que as pessoas que estão literalmente fugindo para salvar suas vidas busquem segurança nos EUA”.

Fome e violência

A maior parte dos imigrantes que tentam atravessar a fronteira são oriundos da violência e da pobreza nos países do Triângulo Norte da América Central — Guatemala, Honduras e El Salvador -, região particularmente afetada pela interferência aberta de Washington e patrocínio de ditaduras e regimes neoliberais.

Na fronteira, os abrigos-detenções de imigrantes – grande parte deles criados por Obama – estão superlotados. Há algumas diferenças na aplicação do Título 42, em relação ao governo anterior, com Biden tendo parado de aplicá-lo a crianças que cruzam sozinhas a fronteira. Também foi suspensa a medida que obrigava os solicitantes de asilo a esperarem a análise de seus casos no México. Além disso, ele diz manter sua promessa de reforma migratória que facilitaria a concessão de cidadania aos irregulares. O governo Biden assevera também enviado funcionários até os abrigos, para auxílio no processamento dos pedidos de asilo e para testagem para a Covid-19.

Sob anonimato, fontes da Casa Branca, alegaram – entre as razões para a manutenção da manobra de Trump – a “preocupação” com os imigrantes, que teriam que enfrentar as altas temperaturas do verão no Hemisfério Norte. Cujo fluxo, ao contrário do que costuma acontecer nessa época do ano, não dá sinais de esmorecer: seria para evitar uma “crise humanitária”.