Desde que o ataque hacker atingiu os sistemas do Ministério da Saúde, em 10 de dezembro, o Brasil vive a pandemia sem números precisos que mostrem o real cenário da Covid-19 país, que, agora, fora agravado pela alta nos casos com a variante ômicron, a sobreposição à epidemia de influenza e as festas de fim de ano

A falta de informações se mantém há 30 dias e os números não refletem o momento em que emergências em diversos estados brasileiros estão lotadas com síndromes gripais que vão desde Covid até infecções conjuntas de coronavírus e influenza.

O apagão atinge números de casos, internações, mortes por Covid-19, gripe e inclusive os dados da vacinação contra o coronavírus.

Na prática, hoje, o país não sabe quantos doentes de Covid ou gripe têm infectados e internados pelo Brasil.

Foi em 29 de novembro, o último dia em que os dados constantes do Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe), usado para que municípios reportem casos graves, internações e mortes por Influenza ou Covid-19, conseguiu divulgar informações que refletiam a realidade do Brasil, em relação à pandemia e outras doenças respiratórias.

Um dos principais problemas é que após o ataque hacker, o e-SUS Notifica, formulário utilizado pelos municípios e também por hospitais, clínicas privadas e farmácias e laboratórios para notificar casos de Covid diretamente ao Ministério da Saúde, segue indisponível.

Para o coordenador do monitoramento, Marcelo Gomes, também não é possível medir fotograma da Covid-19 no país, sobretudo diante da ômicron.

Sem dados, o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 1º de janeiro, não traz números de internados por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). O boletim InfoGripe, produzido semanalmente pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), também não usa dados referentes à semana 48, de 28 de novembro a 4 de dezembro, prejudicando análises e projeções.

“Os dados brutos sempre têm um delay em relação à situação atual”, afirma a Fundação.

“Entre os primeiros sintomas e sua evolução até a internação, vai, pelo menos, uma semana. Depois vem a notificação, só que em preenchimento em papel. Até ser digitalizada no Sivep Gripe (usado para reportar casos de síndrome respiratória aguda grave), vão mais algumas semanas. A gente chega a ter atrasos de um mês.

A situação é grave, pois mesmo com o apagão, o Brasil notificou 27,5 mil novos casos de Covid-19 na quarta-feira (5).

Apesar da falta de dados nacionais consolidados, os Estados com as maiores populações do País têm registrado aumento de infecções e internações por Covid-19 e influenza, dentre eles: São Paulo, Rio, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em alguns locais, já há fila por vaga em UTI.

Olhos vendados

“Como não há nenhum acesso a esses dados completos, ficamos completamente de mãos atadas e olhos vendados. Dependemos muito dos sistemas locais de cada município, o que torna tudo mais difícil para avaliar o cenário nacional”, explica Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, da Fiocruz, e pesquisador em Saúde Pública.

Mesmo com o avanço da vacinação e a queda de casos e mortes alcançados com a vacina, os dados das secretarias estão com uma queda abrupta após apagão, o que indica que alguns estados dependem do sistema federal para divulgar e tabular seus dados

Para o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a falta de dados é preocupante, sobretudo no contexto atual, com a pandemia de Covid-19 somada à epidemia de gripe e outros vírus respiratórios, e aumento de procura por hospitais e testes.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que irá reestabelecer o DataSUS até 15 de janeiro. Questionado sobre o reestabelecimento do sistema, o Ministério da Saúde não detalhou as medidas tomadas e disse que o e-SUS Notifica foi restabelecido há mais de 10 dias, porém isso não é verificado por estados e municípios que seguem sem conseguir acessar o sistema.

Segundo a Fiocruz, por falta de acesso a dados, o número de transmissões, internações e mortes por Covid-19 no Brasil hoje são apenas especulativos, o que complica as tomadas de decisões relacionadas a aplicação de novas doses para crianças e adultos, organização de eventos e atividades econômicas e do ano letivo, que começa em fevereiro, carnaval e combate à pandemia.

“Estamos vivendo um apagão de dados há um mês, e a gente consegue muito mal monitorar a ocorrência da Covid no país”, disse Guimarães. “Infelizmente, tudo que se diz hoje no Brasil é mais especulativo que baseado em dados”, disse Rafael Guimarães.

“A gente tem a introdução de uma variante que seguramente já tem transmissão comunitária, tem infecção concomitante com a Influenza e a gente sabe muito pouco sobre o real número de casos de internação e morte”, complementou.

“A gente deveria ter começado a mais tempo, seguramente. A gente deveria ter começado ano passado, e precisa com muita urgência resolver esse imbróglio que se tornou a falta de acesso aos dados para fazer monitoramento adequado”, explicou.

Internações disparam

Os dados apresentados por estados e municípios comprovam que o aumento dos casos e das internações, que sobrecarregam os sistemas de saúde, estão sendo ignorados pelo governo federal. É o caso de São Paulo, que já registrou uma média móvel de hospitalizações diárias por SRAG duas vezes maior no último mês, chegando a 566 pacientes de Covid ou influenza na última terça-feira.

Já nesta quarta, outros quase 3 mil casos de coronavírus foram registrados no Estado, um indicativo de que o índice pode aumentar ainda mais nos próximos dias.

Apesar de alarmante, pela vacinação, a situação ainda é melhor do que as duas primeiras ondas de Covid que lotaram leitos de UTI pelo em 2020 e 2021.

No estado do Rio de Janeiro, enquanto ao longo de todo o mês de dezembro de 2021 foram contabilizados 8.008 casos da doença, apenas nos quatro primeiros dias deste ano já são 6.551 contaminações confirmadas. Os dados constam do painel da Secretaria de Estado da Saúde. Na média, são 1.637 infecções por dia em janeiro de 2022, frente a 258 casos diários em dezembro do ano passado.

Entretanto, ao menos até este momento, o avanço de casos não tem ocasionado um aumento considerável no número de internados em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Apesar de, na terça-feira (4), na rede estadual de Saúde, ter havido uma taxa de ocupação nas unidades de tratamento intensivas destinadas à Covid-19 de 20%, que representou o maior número desde o dia 21 de novembro do ano passado, o percentual voltou ao patamar normal dos 10% nesta quarta-feira (5).

Porém, de acordo com os dados da secretaria estadual, após três dias seguidos sem ter contabilizado nenhuma morte por Covid-19, na terça-feira (4), último registro disponível no painel, foram registrados 41 óbitos em decorrência do vírus.

No Distrito Federal a média diária de testes positivos para o coronavírus, entretanto, saltou de 65 para 365 entre dezembro e janeiro.

“A transmissão da ômicron tem provocado um crescimento exponencial nos casos, mas não repercutirá nas internações hospitalares ou óbitos, que não sofreram nenhuma mudança de padrão”, observa Fernando Erick Damasceno, secretário-adjunto de Saúde. “Já prevíamos esse aumento há mais ou menos um mês e meio. A pressão vai ser na porta de emergência e para quadros leves. Mas não é por ser gripe que seja algo banal. É fundamental estar vacinado, principalmente pela Covid.”

O Rio Grande do Sul, que passa por cenário similar e teve aumento de 740% na média diária de novos casos registrados nas duas últimas semanas, também segue a tendência de casos leves, com a maioria dos casos expressando sintomas como febre e mal estar. “Felizmente, por enquanto, não temos aumentos importantes de internação, nem em UTI e nem em leito clínico. Mas a lógica da doença é que mesmo com uma complexidade menor, ainda temos pessoas não vacinadas”, avalia Ana Costa, secretária-adjunta de Saúde do Rio Grande do Sul.

“Existe uma combinação de fatores, na qual também está o represamento de dados. Temos uma variante rápida no nível de transmissão (Ômicron), um momento de circulação muito grande pelas férias e festas de fim de ano, além de a vacina não barrar esse tipo específico da influenza”, explica.

Em Pernambuco, a preocupação vem do aumento expressivo na procura de unidades de saúde em praticamente todos os municípios. De acordo com dados oficiais divulgados na terça, 265 pessoas com doenças respiratórias graves aguardavam vagas de UTI e de enfermaria na rede pública. O tempo médio de espera para um leito pode variar de dois dias a uma semana.

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que “é importante afirmar que a lista é muito dinâmica pois a quantidade de leitos vagos se renova a todo momento, devido às altas médicas, óbitos e à abertura de novas vagas”. Ainda no fim do ano passado, o secretário estadual, André Longo, afirmou que Pernambuco vivia uma “epidemia de H3N2 dentro da pandemia de Covid-19”.

Na Bahia, onde pelo menos 700 mil pessoas foram diretamente afetadas pelas chuvas fortes que seguem desde dezembro, o Estado já mapeou 1.447 pessoas infectadas pela influenza A, do tipo H3N2 de 1º de novembro a 4 de janeiro.

Com 40% dos municípios baianos atingidos pelas chuvas, o que danificou parte significativa das unidades de saúde e, consequentemente, as notificações foram drasticamente impactadas. “Vivemos um panorama bem crítico”, avalia Tereza Paim, não secretária estadual de Saúde. Ela aponta que a nova média de 378 casos diários da Covid na Bahia, ainda que subnotificada, também sofre influência das festas e aglomerações de fim de ano, da chegada dos cruzeiros ao litoral e até de voluntários que foram auxiliar nas enchentes e testaram positivo para o coronavírus.

Segundo dados do painel de monitoramento, nesta quarta-feira, 5, há 4.323 leitos de UTI em Minas. A taxa geral de ocupação desses leitos é de 50,56%. O Estado afirmou que os leitos ocupados pela Covid-19 representam 6,75% dos leitos totais de UTI. No caso das enfermarias, a taxa geral de ocupação é de 84,93%, dos quais 4,40% por causa da Covid.