Sindicalismo-1: Desafios num cenário adverso?

Em um cenário de profundas transformações no mundo do trabalho e de violentos ataques aos direitos trabalhistas, o sindicalismo tem travado uma dificílima resistência, procurando mobilizar, conscientizar e organizar a classe na luta por seus anseios imediatos e futuros.

Por Altamiro Borges*

Na atual fase regressiva e destrutiva do capitalismo, o desemprego, a informalidade e a precarização batem recordes no planeta e no Brasil. As aceleradas mutações tecnológicas, que poderiam servir ao bem-estar da humanidade – reduzindo drasticamente a jornada de trabalho, garantindo mais tempo livre para o estudo, o convívio familiar, o lazer e a cultura e gerando mais empregos –, têm seus frutos apropriados por uma minoria de ricaços.

Nesse processo de desmonte do trabalho, o capital aproveita para, através da ação política, golpear todas as conquistas históricas dos assalariados. A onda neoliberal retira direitos trabalhistas, desregulamenta, estimula a uberização e investe contra a organização de classe dos trabalhadores, contra seus sindicatos.

Está em curso um onda neofacista no planeta, autoritária e contra a ação coletiva dos explorados. Neste contexto de tamanhas adversidades, os sindicatos ganham ainda maior relevo. Sem eles, os trabalhadores seriam reconduzidos à total escravidão, sem direitos, espezinhados e humilhados.

É preciso, mais do que nunca, revolucionarizar a ação sindical, transformando as entidades em ferramentas de mobilização, conscientização e organização da classe. Urge investir ainda mais na comunicação, na disputa de ideias na categoria e na sociedade, e na formação de novas lideranças. É preciso intensificar o trabalho sindical junto à juventude, às mulheres, às parcelas mais discriminadas da sociedade, aos territórios de moradia, aos espaços de cultura.

Pandemia acelera precarização do trabalho

A pandemia da Covid-19 só agravou esse quadro adverso, abrindo uma nova e desafiante etapa para a luta dos trabalhadores. Segundo dados de outubro passado, a crise sanitária do novo coronavírus deflagrada em março de 2020 provocou uma onda sem precedentes de desemprego e perda de renda. Em todo o planeta foram mais de 250 milhões de empregos perdidos em 2020 e outros 130 milhões no ano passado.

Já no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de agosto último, o desemprego aberto vitima 14,1 milhões de pessoas; a condição de desalento atinge mais de 5,4 milhões de assalariados; trabalham de forma subocupada cerca de 7,7 milhões; e outros quase 5 milhões de trabalhadores estão na inatividade e precisam de uma ocupação. No total, cerca de 32 milhões de pessoas precisam de um emprego.

Muitas das vagas que foram dizimadas durante a pandemia do coronavírus não devem ser recuperadas no próximo período. O trabalho remoto – o chamado home office –, as entregas por aplicativos, a uberização e outras mutações decorrentes dos avanços tecnológicos, que eram previstas para serem implantadas em algumas anos, já viraram uma angustiante e dura realidade.

Com a perda dos empregos formais, milhões de brasileiros se transformaram em ilusórios “empreendedores”, sem direitos trabalhistas ou qualquer segurança na aposentadoria. Reportagem da Folha de S.Paulo de 12 de outubro passado revela que “trabalhar por conta própria virou a saída para quase 25 milhões de pessoas no Brasil. O resultado recorde reflete a lentidão do mercado formal; 1,6 milhão de trabalhadores viraram MEI [microempresário individual] nos últimos seis meses… Dos 87,7 milhões de pessoas com algum tipo de trabalho, formal ou informal, 28,2% trabalhavam por conta própria”.

Sindicalismo-2: Impacto das novas tecnologias

Muitas dessas transformações no mundo do trabalho já estavam em curso antes da pandemia. A Covid-19 só fez acelerar o processo. E a tendência é que elas ganhem mais celeridade no próximo período, até como forma do capitalismo enfrentar a sua crise prolongada e sistêmica.

Inteligência Artificial (IA), Banco de Dados (Big Date), 5G (internet de quinta geração), entre outras mudanças tecnológicas, terão ainda maior impacto no mundo do trabalho, em todos os ramos de atividade. Se a automação microeletrônica afetou principalmente a indústria e os bancos, estas novas mudanças atingirão em cheio o setor público, o campo e o ramo de serviços e do comércio.

Como aponta o economista Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), essas múltiplas e profundas mutações produzirão “intensos impactos sobre os empregos e as formas de ocupação laboral; sobre a quantidade, os tipos e os conteúdos dos postos de trabalho; sobre as profissões, seus conteúdos e a pertinência da sua existência; sobre os conteúdos, métodos e atualização da educação e formação profissional; sobre as habilidades necessárias para trabalhar nos novos contextos; sobre as formas de contratação e de inserção laboral, que passam pelo assalariamento clássico, às várias formas de trabalho autônomo e por conta própria, ao contrato intermitente, por prazo determinado ou eventual, aos vínculos mediados por plataformas e aplicativos, a pejotização, uberização, entre outros”.

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“As transformações sempre existiram porque fazem parte da essência da vida em todas as suas dimensões, inclusive na econômica, como revelam as três revoluções industriais no último século e meio. Na atualidade histórica está em curso o processo da 4ª revolução tecnológica, com impactos em todo o sistema produtivo, ao mesmo tempo que ocorrem profundas mudanças culturais cujas extensões são múltiplas e totalizantes. A profundidade dessas mudanças tem caráter disruptivo, abandonando rapidamente o velho mundo, que vai perdendo predominância e hegemonia. O novo mundo emerge com a velocidade acelerada e efeitos que se distribuem em todas as direções” (publicado no site Poder-360, em 05/7/2021).

O golpe do capital contra o trabalho

Em decorrência das mutações tecnológicas sob o comando e a lógica do capital, as classes dominantes promovem ajustes legais para elevar ainda mais seus lucros. O neoliberalismo imposto a partir dos anos 1990, após o fim do bloco soviético e a crise do socialismo, agora se transformou no ultraneoliberalismo, ainda mais perverso e desumano. O mundo do trabalho está sendo totalmente devastado, com a explosão do desemprego, da informalidade, da precarização. Direitos históricos consagrados nas leis são destruídos na maioria dos países.

As “reformas trabalhistas” – na verdade, deformas – atingem várias nações com o “objetivo de reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e minimizar os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em detrimento de acordos locais realizados com representações laborais controladas; além de quebrar os sindicatos” – explica Clemente Ganz Lúcio.

Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que, após a grave crise econômica mundial deflagrada em 2008, mais de 110 países promoveram algum tipo de ataque à legislação laboral. Ao todo, foram 642 mudanças, sendo que 55% delas visaram diminuir a proteção ao emprego.

É nesse contexto mundial de retrocessos que ocorre no Brasil, em 2016, o impeachment criminoso da presidenta Dilma Rousseff. Como aponta o jornalista Umberto Martins, no indispensável livro “O golpe do capital contra o trabalho”, um dos principais objetivos dessa trama da cloaca burguesa no país foi facilitar o caminho da “deforma” trabalhista – uma das primeiras medidas do traíra golpista Michel Temer.

Os estragos da “deforma trabalhista”

Um balanço feito pela revista Fórum nos quatro anos da entrada em vigor dessa reforma, completados em 11 de novembro passado, mostra o desastre causado aos assalariados brasileiros e explica como tanta gente foi ludibriada com a propaganda dos golpistas e da sua mídia venal.

“Muito longe da promessa de milhões de empregos anunciada pelo governo de Michel Temer, o saldo foi um alto índice de desemprego e o desmonte dos direitos dos trabalhadores. Na época, Temer chegou a alardear que o pacote de medidas criaria dois milhões de vagas em dois anos, e seis milhões em dez anos”.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, ao contrário disso, o desemprego disparou. No trimestre terminado em julho de 2021, a taxa de desocupação ficou em 13,7%. Esse número é quase dois pontos percentuais a mais que os 11,8% registrados no último trimestre de 2017. No período, o total de desempregados subiu de 12,3 milhões para 14,1 milhões.

“Outra das promessas de Temer que falhou foi a propalada diminuição da informalidade. No trimestre encerrado em outubro de 2017, antes das novas regras, a taxa de informalidade era de 40,5%, de acordo com o IBGE. O instituto aponta que, entre maio e julho de 2021, a proporção de pessoas ocupadas trabalhando na informalidade ficou em 40,8%”.

Mas a cloaca burguesa ainda não está satisfeita. Ambiciosa, ela quer mais sangue, quer “passar a boiada”. Não é para menos que apoiou e financiou a eleição de Jair Bolsonaro. O atual presidente nunca escondeu que é um fascista a serviço do capital, um “laranja” da burguesia.

Com sua retórica belicista, ele vive atacando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a fiscalização trabalhista, a restrição ao trabalho dos menores de idade. Ele até tentou impor uma “minirreforma trabalhista”, que golpearia ainda mais os direitos dos assalariados – principalmente dos mais jovens, que teriam inúmeros tipos de contratação sem direitos.

A regressão foi aprovada na Câmara Federal em 2020, mas foi derrotada pelo Senado em setembro de 2021 graças à pressão unitária do sindicalismo em conjunto com as bancadas progressistas no parlamento.

Sindicalismo-3: Ódio à organização de classe

Essa resistência ativa é o que explica o ódio das forças da direita – do golpista Michel Temer ao fascista Jair Bolsonaro – aos sindicatos. Para destruir direitos trabalhistas históricos, arrochar salários e precarizar ainda mais o trabalho, o capital necessita fragilizar e até mesmo destruir as organizações de classe dos explorados.

Essa ofensiva contra o sindicalismo se dá no mundo inteiro. Ela ajuda a explicar a drástica queda das taxas de sindicalização nos últimos anos. Em vários países da Europa e nos EUA, por exemplo, esse índice hoje está abaixo dos 10% – o que só reforça a sanha destrutiva do capitalismo.

No Brasil, o desmonte dos sindicatos foi um dos objetivos centrais do golpe do impeachment. A “deforma” de Michel Temer trouxe embutidos vários ataques ao sindicalismo, principalmente às suas fontes de sustentação. Ela visou asfixiar financeiramente as entidades para dificultar as lutas das categorias e da classe, e o apoio solidário aos movimentos sociais.

As centrais e as confederações e federações de trabalhadores perderam até 90% das suas receitas, sendo forçadas a se desfazerem das suas sedes e outros patrimônios. O baque nos sindicatos de base também foi violentíssimo. Só com a extinção da Contribuição Sindical obrigatória, a receita das 16 mil entidades sindicais no país despencou de R$ 3,64 bilhões em 2017 para R$ 500 milhões em 2019.

Além da asfixia financeira, a “deforma” reduziu a participação dos órgãos de classe nas negociações coletivas. A mudança na CLT abriu espaço para acordos individuais e diretos entre trabalhador e patrão, para a chamada “livre negociação” entre a forca e o enforcado. As demissões passaram a ser feitas diretamente nas empresas, sem a necessidade de homologação do sindicato.

Queda do número de sindicalizados e de greves

O resultado desse violento ataque foi a queda do número de sindicalizados no Brasil. Segundo o IBGE, entre 2017, ano da “deforma trabalhista”, e 2019, o número de associados caiu de 13,5 milhões para 10 milhões. A taxa de sindicalização, que já foi de 22% na virada do século – uma das mais altas dos países em desenvolvimento –, hoje é de 14,4% da População Economicamente Ativa (PEA).

A redução da força dos sindicatos também afetou a capacidade de resistência organizada dos trabalhadores. Desde o golpe do impeachment, o número de greves no país tem diminuído. Como aponta o colunista Pedro Carrano, em reportagem do jornal Brasil de Fato de outubro passado, a luta trabalhista vive “um período defensivo” em decorrência do desemprego, das mutações no trabalho e dos ataques aos sindicatos.

“Uma análise dos dados do Dieese deste ano aponta para o baixo número de 366 greves no primeiro semestre de 2021, com queda na esfera privada, mas que ainda se mantém à frente dos números dos trabalhadores do setor público. Os dados atuais mostram que, na esfera privada por exemplo, o momento é nitidamente de defensiva, com 95% das negociações salariais tendo caráter defensivo e de manutenção de direitos”.

As quedas dos índices de sindicalização e do número de greve reforçam a gula patronal. Não é para menos que os reajustes de salários estão nos piores patamares das últimas décadas. Até a Folha de S.Paulo, um jornal patronal, reconheceu recentemente a corrosão da renda dos trabalhadores.

“Os reajustes salariais negociados entre empresas e trabalhadores seguem encolhendo e chegaram, em julho, ao pior resultado dos últimos 12 meses. Enquanto a inflação medida pelo INPC, o índice usado nos reajustes, acumulou 9,2% em 12 meses, a média dos aumentos de salários ficou em 7,6%, segundo o Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas)”.

“Com a defasagem, o trabalhador perdeu poder de compra. O salário que recebe hoje, mesmo reajustado, vale menos do que há um ano… Quase seis a cada dez acordos e convenções fechados no mês passado terminaram com percentuais menores do que o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), calculado pelo IBGE… Das 238 convenções coletivas e acordos registrados no Ministério do Trabalho e Previdência em julho, somente 73 conseguiram evitar que os salários perdessem valor”.

Texto elaborado como contribuição para o 10º Congresso do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).

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*Jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e membro do Comitê Central do PCdoB.

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