Para o Sindicato dos Trabalhadores de Saneamento e Meio Ambiente, situação é fruto do desmonte realizado pelo governo Witzel na companhia
A zona oeste, norte da capital e as cidades da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro estão recebendo água contaminada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), desde o início do ano. Moradores de 20 bairros do Rio afirmaram ter reações, como febre, vômito e diarreia, depois que consumir água com cheiro e cor alterados. Essa semana, essas ocorrências mais que dobraram em UPAS de Santa Cruz e de Campo Grande, na Zona Oeste.
A dona de casa Rosângela Borges, de 52 anos, moradora da Vila Cariti, em Bangu, Zona Oeste do Rio, tomou um susto ao abrir a torneira da cozinha pela primeira vez no dia 6. A água que saía tinha forte cheiro de terra e apresentava sedimentos escuros. Ela imediatamente fez o registro fotográfico e postou nas redes sociais. Casos semelhantes não tardaram a se espalhar por diversos bairros da Zona Oeste e Norte da cidade. Postos de saúde relatariam, horas depois, acréscimo de atendimentos de pessoas com gastroenterite, diarreia e vômito.
No bairro de Olinda, em Nova Iguaçu, uma moradora disse que pela manhã a água parece mais limpa, mas que ao longo do dia ela fica com cheiro e cor diferentes.
“Eu comprei garrafas de água mineral porque tenho filho pequeno e não posso dar essa água para ele. O problema é que o dinheiro vai acabando e a gente só tem mais três litros de água para beber”, disse a moradora, nas redes sociais.
Na semana passada, a Cedae detectou a presença na água de geosmina – um composto orgânico produzido por microorganismos. E mesmo assim garantiu que ela estava apropriada para consumo e não fazia mal à saúde.
Entre 20 de dezembro de 2019 e 5 de janeiro de 2020, foram 1.371 ocorrências. Em 2018, apenas 660 casos foram registrados.
A bióloga e pesquisadora Sandra Azevedo, ex-diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), explica que “a geosmina não provoca qualquer modificação na cor da água, e muito menos turbidez”, e completa: “Isso pode ser decorrente de lavagem de filtros, por exemplo. Desde 2000 nossa legislação estabelece limite máximo de turbidez. É preciso que se avalie com cuidado o que ocorre não só na captação, mas também nas redes de distribuição”, alerta a especialista.
Para a coordenadora do Laboratório de Controle de Poluição da Água da Coppe/UFRJ, Márcia Dezotti, identificar a “geosmina é importante, mas não é tudo.” “Ela é um indicativo de que outras substâncias também podem estar passando, podem estar presentes na água”.
A especialista lembrou que muito esgoto in natura é jogado na água e afirmou que é urgente uma modernização do tratamento. “O esgoto de hoje não é igual ao de antigamente”, afirmou. “Tem muito mais substâncias químicas, é supercontaminado. Não pode receber um tratamento antigo, é preciso haver um plano de modernização e de segurança”.
DESMONTE
Com isso, não é possível descartar que o problema seja fruto um erro operacional da CEDAE, seguido de falha na desinfeção da água distribuída. Nesta situação, as demissões em massas de funcionários com décadas de experiência realizadas no ano passado demonstram o prejuízo que o desmonte realizado pelo governo de Wilson Witzel (PSC) para privatizar a CEDAE traz a população fluminense.
Sob o comando de Hélio Cabral, indicado de Witzel a pedido do presidente do PSC, pastor Everaldo, a estatal demitiu o gerente de Controle de Qualidade, José Roberto Dantas; de Álvaro Henrique Verocai, responsável pela distribuição; de Octavio Legg Neto, chefe de manutenção da ETA Guandu e único engenheiro mecânico da estação; e de Edes Oliveira, diretor de Operação e Grande Produção. Todos tidos como profissionais gabaritados e fundamentais para lidar com momentos de crise e mais de 25 anos de casa.
O presidente da Cedae, Helio Cabral, não apresentou qualquer justificativa para a demissão de 54 engenheiros de carreira da empresa de saneamento do Rio. Ao todo foram 38 engenheiros, 5 analistas de qualidade de água, 3 contadores, 2 administradores, 1 economista, 1 arquiteto e 1 geólogo.
“São profissionais com anos de experiência e foram trocados por extraquadros. Lamentavelmente o episódio poderia ter sido evitado. Em diversas ocasiões esses engenheiros tiveram que lidar com floração de cianobactérias, fazendo manobras, estratégias, para evitar o pior”, disse uma fonte sob condição de anonimato.
“A Cedae vem passando por um processo de tentativa de desmonte, preparando-a para ser privatizada pelo atual governo. Ainda no ano passado, a Companhia demitiu mais de 70 engenheiros experientes. Além disso, a falta de concurso público tem feito com que a empresa diminua seu corpo de funcionários e muitos técnicos qualificados deixaram a empresa através do Programa de Demissão Voluntária (PDV). Esse processo de desmonte também é responsável pela demora na solução de muitos problemas, como os constantes rompimentos de tubulações. A consequência disso é a dificuldade no atendimento e melhoria do serviço prestado para a população”, afirmou o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (SINTSAMA-RJ), em nota.
A Cedae informou que começa na próxima semana o tratamento com carvão ativado na água do Rio de Janeiro.
“Esse produto e a água entram então na tubulação, para trazer de volta as qualidades de insípida inodora e incolor, como todos esperamos, pronta para o consumo”, afirma a Presidente da Sociedade de Infectologia do Rio, Tânia Vergara.
A situação tem causado receio na população, que tem saído para comprar água mineral nos supermercados. Alguns moradores já relatam dificuldades para encontrar água engarrafada nos estabelecimentos.
Nos 14 dias de janeiro, devido às reclamações sobre a qualidade da água da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), os revendedores e distribuidores de água mineral venderam 30% a mais de garrafinhas descartáveis. Já as vendas dos galões de dez e 20 litros dobraram, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Água Mineral.
O Procon RJ instaurou um ato de investigação preliminar para apurar a possível contaminação. Além dele, o MPRJ também está investigando as denúncias sobre a qualidade da água fornecida pela companhia.