O acordo fechado entre o presidente equatoriano, Daniel Noboa, e os enviados especiais dos EUA para as Américas, Christopher Dodd, e a Comandante do Comando Sul, Laura Richardson, foi apressado e ignorou o apoio oferecido pelos países vizinhos.

Uma nova dinâmica surge no Equador com o recente acordo entre o presidente Daniel Noboa e os Estados Unidos, abordando questões que vão desde o combate ao crime até investimentos e tratamento migratório. O presidente do Equador, Daniel Noboa, recebeu nesta segunda (22), o enviado especial dos EUA para as Américas, Christopher Dodd, e a Comandante do Comando Sul, Laura Richardson no palácio de Carondelet, sede do governo do país.

Na reunião, que também contou com a presença da chanceler equatoriana Gabriela Sommerfeld e ministros de segurança, os países fecharam um acordo para aumentar a cooperação em segurança e defesa. Ela disse que o governo Noboa pediu mais acesso ao mercado norte-americano de seus bens e serviços para contribuir com um ambiente que atraia investimentos e criação de empregos para o Equador.

A analista internacional e cientista política Ana Prestes analisa esse desenvolvimento em uma entrevista. Ana também é secretária de Relações Internacionais do PCdoB.

Ela sublinha que o acordo com os Estados Unidos representa uma nova dinâmica na política equatoriana, especialmente após a crise recente. A proposta visa não apenas combater o narcotráfico, mas também estabelecer investimentos e cooperação em questões migratórias. “Os Estados Unidos têm um comportamento parecido com o que tem aqui com a Guiana também. De enfrentamento de cooperação militar, mas com interesses geopolíticos”, compara.

Entretanto, a controvérsia surge em meio à avaliação de que o Equador estaria “virando as costas para o continente” ao buscar apoio dos EUA, enquanto outras nações vizinhas ofereceram suporte. Especialmente considerando que o Equador recebeu propostas de apoio de Brasil, Colômbia e Venezuela, sem que tenha havido avanços nas parcerias.

Ela enfatizou que o líder indígena, Leonidas Iza, expressou preocupação com o acordo firmado por Noboa. “O principal líder indígena hoje do Equador, o Leonidas Iza, que é da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), ele falou ontem, que o Daniel Noboa está aproveitando esse momento doloroso para o povo equatoriano para ceder soberania a potência norte-americana. É justamente esse o espírito.”

Ana salientou que os Estados Unidos perderam influência na América do Sul com mudanças políticas recentes, e o acordo com o Equador pode ser uma estratégia para conter a influência de países como Venezuela e Colômbia, especialmente após mudanças significativas nesses cenários políticos.

“O Guilherme Lasso já tinha melhores relações com os Estados Unidos do que com os vizinhos do continente. E o Noboa tem ainda mais familiaridade, pois morou e estudou nos EUA.”

Ana destaca que a aproximação com os Estados Unidos pode ser vista como uma estratégia para prevenir a influência da Venezuela ou da Colômbia, sob a presidência de Gustavo Petro, na região. A derrota do Uribismo na Colômbia e a vitória de Petro teriam alterado a presença dos Estados Unidos na América do Sul.

Marketing

Noboa declarou vitória sobre o crime, alegando ter atingido as estruturas do narcotráfico. Ana Prestes expressou ceticismo. Ela argumentou que a desestruturação completa do narcotráfico não é uma tarefa realizada de maneira rápida e eficaz. A analista avalia a declaração como uma jogada de marketing para fortalecer a imagem de Noboa, principalmente diante da crise de segurança no país.

“É um pouco até parecido com o Brasil. Quando a direita consegue avançar, isso ocorre quase sempreo em cima dessa questão de segurança pública.”

Posicionamento da esquerda

O governo equatoriano, ao lidar com a crise, tem se concentrado em medidas de segurança, sem abordar questões sociais mais amplas, como desemprego entre a juventude. Ana Prestes destaca que não há indicações de ampliação das medidas para lidar com problemas sociais. “A cartilha dele é uma cartilha neoliberal. Então, a minha avaliação é que a situação no Equador pode estar aparentemente mais tranquila, mas não está, de fato não está.”

Ana lembra que o novo governo anunciou que vai acabar com alguns subsídios, mas que isso não vai afetar o povo, o pequeno agricultor. “Ele até usa de uma ironia, ao dizer ‘que pena, vamos decepcionar o Leonidas Iza, que não vai ter discurso para fazer’”.

A esquerda, representada pelo correísmo, inicialmente apoiou algumas medidas emergenciais durante a crise, mas reposicionou-se como oposição ao governo. Rafael Correa, Luisa González e Andrés Arauz, ligados ao correísmo, acusam Lênin Moreno de traição aos princípios da Revolução Cidadã e atribuem a crise atual à mudança de curso política que ocorreu durante seu governo.

“Rafael Correa e o correísmo foram traídos pelo Lenin Moreno. Eles achavam que estavam elegendo um candidato que seguiria a revolução cidadã, do Aliança País, que era o partido daquela época.”

“O Equador fez parte daquele momento que estava o Evo Morales, estava Lula, estava Kishner. Então, eles mudam a rota, até chegarem no banqueiro Guilherme Lasso e, esse sim, fez questão de destruir tudo que tinha ainda da Revolução Cidadã. A passagem do Lênin Moreno para o Guilherme Lasso foi um desastre, tanto é que ele só consegue fazer dois anos de mandato. O Noboa está aí para completar o mandato dele.”

A dificuldade histórica da esquerda em construir uma aliança sólida com os indígenas também foi mencionada como um desafio persistente.

“Historicamente, há uma dificuldade muito grande da esquerda, do campo progressista construir uma aliança com os indígenas, diferente da Bolívia, por exemplo. E as elites empresariais, neoliberais, se aproveitam dessa divisão também”, situa ela.

Perseguição política

Há preocupações sobre a possibilidade de que, aproveitando o contexto da crise, o governo de Noboa possa utilizar medidas de segurança para perseguir organizações de esquerda, similar ao que foi visto em outros países da região.

“O [presidente de El Salvador] Nayib Bukele fez isso. Quem ele não conseguiu prender, teve que sair do país. Ele misturou a questão discursiva do combate à insegurança pública, mas aproveitou para perseguir a oposição. Se o Noboa vai seguir os passos do Bukele? É um risco enorme”, diz ela, lembrando que a esquerda no país já é perseguida por lawfare (perseguição judicial).

Ela alerta para a possibilidade de o presidente Noboa seguir o exemplo de líderes que, sob a justificativa de combater a insegurança, utilizaram a situação para reprimir a oposição.

Em meio a essas complexidades, o Equador enfrenta desafios consideráveis, e a resposta do governo e o papel da oposição moldarão o futuro político do país.

(por Cezar Xavier)