Ossadas localizadas na residência do macabro ditador paraguaio, Stroessner, que recentemente foi elogiado por Bolsonaro - La Clave

A Comissão de Direitos Humanos e o Ministério Público do Paraguai revelaram nesta quarta-feira a descoberta de crânios e ossos humanos embaixo de uma banheira da antiga casa do ex-ditador Alfredo Stroessner, em Ciudad del Este, fronteira com o Brasil. Tendo governado o país com mão de ferro em favor dos Estados Unidos, entre 1954 e 1989, Stroessner virou símbolo de terror e corrupção.

As ossadas foram achadas por famílias que ocuparam a casa de campo da Finca 66 enquanto realizavam escavações. Desde então, investigam o local o procurador Alcides Giménez, o pessoal de criminalística e da seção de homicídios, e a Comissão de Desaparecidos da época da ditadura.

Um antigo informe da Comissão de Verdade e Justiça (CVJ) aponta o horror do regime stroesnista contra qualquer oposicionista: 336 pessoas desaparecidas, 59 vítimas de execuções sumárias, 19.862 detidas de forma arbitrária, 18.772 torturadas e 3.470 forçadas ao exílio. Com testemunhos, denúncias e documentos atualizados pela Direção de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça, a cifra de desaparecidos alcança 459. Além disso, segundo a Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), 236 crianças e adolescentes foram presos e 17 nasceram na prisão.

Conforme a própria CVJ, apesar de eloquentes, tais números são naturalmente subestimados, pois há uma enorme subnotificação do exílio e de outras formas de violência, particularmente dos estupros de mulheres e meninas. Afinal, como fazer com que seres indefesos de 12 a 15 anos, que sofriam violências sexuais nas mãos do ditador, de seus ministros e de seus operativos militares, denunciassem abusos e sevícias?

Símbolo do terrorismo de Estado, a Direção Nacional de Assuntos Técnicos – conhecido como a “Técnica” – foi dirigida por Antonio Campos Alum. Preparado nos Estados Unidos em 1956, cumpriu à risca os ensinamentos, aprimorando o centro de detenção e tortura. O local havia sido organizado e aberto por um especialista da “Inteligência” estadunidense, o coronel Robert Tierry. Tendo desembarcado no país como “cooperante agrícola”, Tierry logo colocou tal centro e seus “profissionais” em ponto de bala para desenvolver um intenso “trabalho de laboratório”.

Desde agosto de 2006, a Técnica reabriu suas portas como “Museu das Memórias”, resultado do empenho do advogado e pedagogo Martin Almada para manter viva a história.

Tamanha sintonia com os desígnios de Washington levou à conformação, em meados dos anos 70, da “Operação Condor”, esclarece a renomada jornalista e premiada escritora argentina Stella Calloni, descrevendo em detalhe este “jogo de xadrez da morte”. “A Operação Condor foi uma conspiração assassina entre os serviços de segurança da Argentina, Chile, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, destinada a rastrear e eliminar adversários políticos sem preocupar-se com as fronteiras ou os limites”.

Conforme os investigadores do Departamento de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça, pedófilo em série, Stroessner estuprava mensalmente, em média, quatro meninas de 10 a 15 anos. Em três décadas e meia de ditadura, portanto, Stroessner teria violado mais de 1.600 crianças.

Para garantir a renovação do harém, os militares sequestravam meninas “ao gosto” de Stroessner na área rural e também na própria capital. Em Assunção, era utilizado o Chevrolet Custom 10 vermelho, apelidado de Chapeuzinho Vermelho, em referência ao conto de fadas.

Entre os inúmeros casos investigados está o de Julia Ozorio, levada da casa de seus pais no vilarejo de Nova Itália, em 1968, com apenas 12 anos. O sequestro foi feito pelo coronel Julián Mier, comandante do regimento encarregado da guarda pessoal de Stroessner. Julia serviu como escrava sexual durante três anos na chácara onde ficava o harém do ditador, sendo repassada posteriormente a oficiais, suboficiais e soldados. Foi liberada quando completou 15 anos, por ser considerada “velha demais”. Abandonando o Paraguai, ela foi para a Argentina onde, em 2008, publicou suas memórias: Uma rosa e mil soldados.

Apesar de Stroessner ser um reconhecido covarde, pedófilo e sanguinário, foi elogiado publicamente por Bolsonaro – assim como fez como Pinochet, Brilhante Ustra e tantos outros criminosos -, que o qualificou em fevereiro como “um homem de visão e estadista”. “Então, aqui está minha homenagem ao nosso general Alfredo Stroessner”, enfatizou Bolsonaro.