A série “Como me tornei comunista… filiado (a)” apresenta declarações dos personagens que fazem o Partido Comunista do Brasil, respaldado e coerente com as peculiaridades da sociedade brasileira. Neste artigo, o jornalista José Carlos Ruy conta um pouco sobre a sua história no PCdoB.

Me filiei ao PCdoB, em 1972, por José Carlos Ruy

Meu caminho para tornar-me comunista perde-se nas contradições da adolescência, há mais de 50 anos. Sou o mais velho de oito irmãos, em uma família operária. Meu pai foi um trabalhador têxtil e minha mãe, merendeira na Prefeitura de São Bernardo do Campo (trabalhava preparando a merenda para as crianças em grupos escolares).

A família era católica e a educação que recebi tinha forte influência desses valores: a ideia de que somos responsáveis por todos, não podemos praticar o mal, somos todos iguais e por aí vai.

A vida era muito difícil, com muitas carências que, menino, não podia compreender – mas me incomodava. Não compreendia por que, trabalhando tanto, meus pais tinham tanta dificuldade para sustentar os filhos.

A ideia de justiça e igualdade, que recebi nessa educação religiosa, está com certeza na origem de minha opção comunista.

Adolescente, estudante do segundo grau (que então se chamava “científico”), tive contato com o movimento estudantil, e a sorte de ter ótimos professores que, hoje sei, eram comunistas filiados ao PCB em São Bernardo, eram ligados ao Prestes.

O ano era 1968, e o debate entre aquele grupo de meninos era intenso. Mesmo porque nossa turma tinha ligações com militantes de origens muito diferentes – havia comunistas e trotskistas, gente da AP, PCdoB, PCB, Polop. Coisas que só pude descobrir depois, mas são amigos muito queridos. Alguns professores que, nas condições da época, com certeza foram militantes dos partidos clandestinos de esquerda. Além dos professores filiados ao PCB, já referidos (uma, de história, e outro, de geografia), tinha um de biologia, outro de matemática, outra de francês. Foram todos muito marcantes. Sob sua influência – e apoio– criamos em São Bernardo o Centro Cultural Guimarães Rosa, de atuação intensa; tinha um grupo de teatro, uma escola de capoeira, aulas de balé, apresentava regularmente filmes (tínhamos um projetor), realizava espetáculos musicais (muita musica caipira…) – e onde o debate era intenso. Dos costumes à política, ao enfrentamento da ditadura, organizávamos panfletagens e pichações (haja colorjet…).

Na época, já dando os primeiros passos no aprendizado do marxismo, eu devia ser insuportável! Como todo menino é, com suas certezas absolutas e implacáveis.

Nossa turma conheceu prisões – em 1969, por imprudência típica da idade, alguns foram pegos pela polícia em uma briga de rua, e tinham escondidos na roupa panfletos para serem distribuídos. Foi a origem de uma série de detenções – a mais grave delas foi a de um de nossos amigos, o Paulinho, que tinha em casa um coturno (bota) militar e um exemplar do manual do guerrilheiro, do Marighela. Em conseqüência ficou quase dois meses no DOPS em São Paulo, sequestrado pela repressão. E torturado de maneira atroz.

Lembro disso para ilustrar o contexto de forte debate e tentativa de militância que havia entre nós, todos com menos de 20 anos de idade, alguns com 17.

Entre estes amigos, me dava mais com um casal, a Lu e o Hernandes, com cujas ideias tinha mais afinidade. Soube, logo depois, serem da AP que, em São Bernardo, estavam indo para o PCdoB.

Isso foi em 1970, 1971, mais ou menos. Fui recrutado por eles para o Partido em 1972. Nesta época, por orientação dos camaradas, consegui uma vaga de peão na Volkswagen. Além da motivação política, um emprego na VW era o sonho de muitos meninos em SBC – e lá fui eu.

Minha militância durou pouco – dois ou três anos. Naqueles anos, 1973 ou 1974, houve uma série de prisões no ABC paulista, de militantes do PCdoB, e perdi o contato com o camarada que me assistia e orientava.  Nossas “reuniões” eram pelas ruas da Vila Helena, em Santo André, com longas caminhadas… Aquele era um sujeito com a paciência que se espera dos comunistas, para suportar aquele menino que queria discutir tudo, inclusive as orientações que ele trazia. Nunca mais o vi, embora tenha procurado. Foi então que pude receber edições mimeografadas da A Classe Operária, que distribuía onde podia – entre a turma, nos banheiros da Volkswagen e por aí vai.

Foi quando me filiei ao partido, pela primeira vez, em 1972. Depois daquelas prisões, fiquei durante algum tempo tentando retomar o contato com o Partido, e só pude fazer isso em 1975, quando participei como aluno de um seminário sobre racismo promovido pelo Clóvis Moura, na União Brasileira dos Escritores, em São Paulo. Conhecer pessoalmente o Clóvis foi ótimo, e imaginei que através ele chegaria ao Partido. Não aconteceu, mas abriu-me as portas para o jornalismo (no jornal Movimento) e para a atividade intelectual à qual me dedico desde então.