Por Dilermando Toni*

Não é simples comparar o poderio bélico dos EUA e da China quando estes países adotam estratégias completamente diferentes. A China, como país socialista tem uma orientação voltada para a defesa de seu território e de sua circunvizinhança, de não agressão, enquanto os EUA adotam uma estratégia ofensiva de intervenção armada, de ameaças e pressões sobre os países. Daí a necessidade de disseminação de bases e tropas por todo o mundo. Sem dúvida os EUA têm a necessidade de ter um grande orçamento para manter tal esquema. Maior mesmo que a soma dos outros países do mundo.

A China atua em aliança estratégica com a Rússia, através do Tratado China-Rússia de Boa Vizinhança e Cooperação Amigável, originalmente assinado há 20 anos onde está dito entre outras coisas: “Se emergir uma situação na qual um dos signatários do Tratado entender que (…) enfrenta ameaça de agressão, as partes signatárias devem fazer contato imediatamente e organizar consultas, com vistas a eliminar tais ameaças.” Esses dois países se articulam mais amplamente regionalmente através da importantíssima Organização de Cooperação de Xangai (OCX) em operação desde 2001.

As regiões com maior potencial de conflito com a China são o Mar do Sul da China e o Estreito da província chinesa de Taiwan. Enquanto os EUA procuram conter a China e evitar que Taiwan volte a se juntar à sua pátria originária, através da presença militar, a exemplo dos acordos recentemente firmados para a construção de submarinos nucleares com a Austrália ou para a construção de uma “nova OTAN” com o Japão e a Índia na região do Indo-Pacífico, a China procura aumentar seu potencial defensivo. Ainda recentemente o Financial Times divulgou a preocupação dos círculos dominantes dos EUA com a informação de que a China havia superado os Estados Unidos na capacidade de construção de navios e submarinos.

O mesmo acontece com a Rússia vítima da ação do imperialismo/OTAN que procura alocar no entorno do Leste europeu instalações de alto poder ofensivo. Acontece que em termos militares a Rússia tem uma reconhecida capacidade.  Anunciou há cerca de 5 anos que havia tido sucesso na reconstrução de seu poderoso complexo industrial-militar. E pouco depois anunciou que passou a dominar a tecnologia e a executar os mísseis hipersônicos, de velocidade de cerca de 20 mil km/h e de grande mobilidade. Segundo dizem esses mísseis – expressão da 4ª revolução industrial na tecnologia militar – não têm similares atualmente e podem interceptar todo e qualquer ataque, assim como não podem ser interceptados. Entra em jogo não somente o poderio nuclear, mas a capacidade de deslocá-lo, ou de inviabilizá-lo. Putin apresentou-os ao mundo com toda a pompa e circunstância. Muitos especialistas avaliam que é exatamente por estas condições que a capacidade bélica destas 3 grandes potências tem o poder de dissuadir umas às outras.  É exatamente na guerra da Síria onde a Rússia tem mostrado do que é capaz. Mas também na Criméia, na Bielorússia ou no Donbass.

Por último, mas não menos importante, penso que o fator cultural e ideológico não pode ser desprezado ao se avaliar a correlação de forças entre as potências mundiais. As sociedades mais avançadas sempre tiveram motes para se construir. Desde os egípcios que achavam que a verdadeira vida viria com a morte e por isso dedicavam os maiores esforços para construir as melhores e mais belas instalações que lhe servissem de moradia posmortem. Assim é a China com seus 1,4 bilhão de habitantes, um país mobilizado em torno da ideia de voltar a ser influentes no mundo como foram antes de 1600. Caminha célere nessa direção tendo retirado cerca de 800 milhões de pessoas da condição de pobreza. Assim é a Rússia mobilizada pela ideia de fazer com a que a Eurásia tenha um papel destacado no mundo contemporâneo. A China deu um grande exemplo de vontade nacional unificada no tratamento da pandemia. Todos puderam ver. Compare-se isto à situação ideológica dos EUA, onde a unidade nacional está comprometida.

O PCdoB forma constrói sua opinião procurando ouvir, estudar, apreender criticamente o que há de mais avançado na sociedade. Por isso é preciso ter em conta que um número crescente de intelectuais tem levantado a questão da multipolaridade. Paulo Nogueira Batista Jr., Celso Amorim, Atílio Boron, Pepe Escobar, são apenas alguns exemplos.

Por tudo isto estou novamente propondo que a Resolução do 15º Congresso adote a seguinte formulação: “O mundo vive atualmente sob uma nova ordem, multipolar, na qual acentua-se o declínio relativo dos EUA, potência imperialista, e a consolidação da China socialista e da Rússia, como potências mundiais contra hegemônicas. Esse quadro é caracterizado pelo agravamento e expansão das disputas, tensões e confrontações causadas pela ação imperialista que visa impedir com que outros países trilhem soberana e livremente pelo caminho da cooperação, da paz, do desenvolvimento econômico e do progresso social.”

 

*Jornalista. Membro do Comitê Central do PCdoB.