Por Dilermando Toni*

 

Saudando a realização do 15º Congresso do Partido Comunista do Brasil, participo mais uma vez deste costumeiro e democrático instrumento que é a Tribuna de Debates para, desta vez, dar uma opinião sobre a avaliação da evolução de situação internacional exposta no Projeto de Resolução. Com muito orgulho, destaco, pois que em breve haverá uma coincidência entre as datas da comemoração do centenário do Partido e dos 50 anos que milito ininterruptamente em suas fileiras.

A questão é: passamos ainda por uma fase de transição, da unipolaridade à multipolaridade com predominância da primeira, ou já vivemos em um mundo multipolar, tendo a transição se completado no fundamental? A resposta adequada a essa disjuntiva é de fundamental importância, pois não se trata tão somente de novos polos imperialistas senão de um polo socialista cuja existência pode ser um elemento destacado para o destino de nossa luta, uma reserva importante.

O fim da 2ª grande guerra levou à configuração de um mundo bipolar. Vencedores EUA e URSS, então já potências nucleares, passaram a se confrontar naquilo que ficou conhecido como Guerra Fria. Situação que perdurou por 45 anos até que, com a derrota da URSS, emergiu o mundo unipolar, hegemonizado pelos EUA. Aqui observo que em apenas 20 anos após outubro a URSS foi capaz de se transformar numa potência formidável capaz de destroçar a terrível máquina de guerra nazista que, por sua vez, havia sido gestada em menos de 10 anos. E observo também que foi na configuração bipolar que se deram a libertação definitiva do Vietnã, a revolução cubana, as revoluções anticoloniais na África. Cenários nos quais as então chamadas superpotências estiveram profundamente envolvidas.

Com efeito 30 anos nos separam da extinção da URSS. Desde então o mundo vem passando por profundas transformações. A lei do desenvolvimento desigual descrita por Lênin continuou a atuar. O socialismo continuou vivo na China e em outros países. A Rússia literalmente destruída se pôs novamente de pé. Não como país socialista, mas como uma nação capitalista contra hegemônica ao imperialismo dos EUA. Uma enorme crise econômica açoitou o capitalismo, sobretudo seu centro. Inúmeras agressões foram perpetradas pelos EUA e seus aliados, contra os povos, por todo o planeta.

Foi acompanhando detidamente o desenvolvimento dessas contradições que o PCdoB formulou há já quase 15 anos a ideia de que, apesar de unipolar, o mundo passava por uma transição rumo à multipolaridade caracterizada pelo declínio gradual dos EUA em relação à ascensão rápida de outros polos fora de centro do sistema, destacadamente a impetuosa emergência da China socialista, ainda como polo regional e o início da reconstrução do complexo industrial-militar russo, agora sob a direção de Putin. Essa formulação pioneira foi muito bem aceita nos meios comunistas e na intelectualidade brasileira.

À frente dessa elaboração esteve o camarada Renato Rabelo e vários outros camaradas como Haroldo Lima, Luiz Fernandes, José Reinaldo, Renildo Souza, Ronaldo Carmona, Umberto Martins, Sérgio Barroso, Elias Jabbour, Dilermando Toni e ainda outros. Muito nos ajudaram as formulações de professor Paulo Vicentini do RS, bem como do professor Luiz Gonzaga Belluzzo.

Uns mais afeitos à cena econômica, outros aos aspectos políticos e diplomáticos, ou ainda às questões militares, formulamos todos, consensualmente a ideia de que, longe de estar petrificado o mundo continuava a se transformar em transição e que três questões importantes deveriam ser agregadas à essa constatação. A primeira de que um mundo mais equilibrado não significava de forma alguma um mundo mais distendido; a segunda de que a transição era protagonizada por um país socialista e isso deveria ser ressaltado à exaustão; e, a terceira de que, ainda nos continuava desfavorável a correlação de forças.

Pois bem camaradas, a situação continuou a se modificar e já ultrapassamos hoje os umbrais de um mundo multipolar, a transição já se completou no fundamental. Esse é o ponto de vista que defendo.

Antes de entrar na fria discussão dos critérios, dados e comparações retomo um acontecimento recente, ou seja, a justificativa apresentada por Biden para a retirada das tropas invasoras do Afeganistão, depois de gastar US$ 1 trilhão durante 20 anos e causar a destruição daquele país. Tornaram-se comuns afirmações de Biden tais como:  “Eu acho que a maior ameaça para os EUA agora, em termos de quebrar nossa segurança e nossas alianças, é a Rússia”, ou: “Nós estamos em competição com a China e outros países para vencer o século 21. Estamos em um grande ponto de inflexão na História.”

Isso significa na realidade que Biden promoveu uma guinada estratégica dos EUA na política externa dos EUA, da “guerra total ao terror” iniciada logo após o ataque às Torres Gêmeas em 2001, para a estratégia de contenção da China e da Rússia através de pressões econômicas e comerciais, diplomáticas e militares-preventivas. Depois de vários ensaios de outros presidentes, Biden se concentra no que realmente é decisivo, a contenção da China e da Rússia.

Esse é o indicativo mais efetivo do reconhecimento da multipolaridade pelos próprios EUA na qual, segundo o entendimento imperialista, a sobrevivência dos EUA como país hegemônico não pode coexistir com a ascensão e expansão continuada de outros polos.

Recomendo aos camaradas a leitura do importantíssimo artigo de fundo d’The Economist, edição 11/09/2021 intitulado “Como os EUA desperdiçaram seu momento unipolar” que retrata bem as mudanças de estratégia dos EUA de acordo com as mudanças da situação internacional.

 

*Jornalista. Membro do Comitê Central do PCdoB.