Por Gustavo Alves*

Uma das características mais marcantes do marxismo é a capacidade de análise a partir dos fatos, aspectos econômicos, sociais e conjunturais. O marxismo marcou uma cunha entre a análise dos chamados “socialistas românticos” ao construir marcos sólidos e que influenciam até hoje as mais diversas escolas filosóficas e econômicas.

Pois bem, é um exercício diário dos marxistas a análise da conjuntura e a construção de táticas e estratégias dentro destas premissas.

Mas os desafios trazidos pelas primeiras décadas do século 21, por conta de sua enorme diversidade e intensa velocidade, nos retiram muitas vezes do terreno conhecido e seguro das construções teóricas do século 20.

A mudança da cadeia econômica, nossa participação nas alianças nacionais dos governos Lula e Dilma, o fenômeno da desindustrialização, o avanço de setores liberais na defesa de bandeiras que eram exclusivamente dos setores progressistas como o combate ao machismo, ao racismo e à LGTBfobia, a responsabilidade na condução do processo democrático dentro dos marcos do capitalismo, têm nos obrigados a refletir e agir de forma criativa e eficiente muito além dos manuais teóricos do século passado.

Podemos assumir, sem nos abrigar no ufanismo vazio, que temos tido flexibilidade e agilidade na prática, mas mantendo nossa espinha dorsal marxista intacta.

Entretanto, ainda temos áreas nubladas e inseguranças em temas essenciais e é nesse terreno que este texto busca suscitar o debate, visando contribuir para que o partido caminhe de forma firme e consequente, em sintonia com os desafios que nos são postos. Propondo ideias para o debate democrático, coletivo e necessário.

Uma das áreas nubladas onde o coletivo partidário patina é justamente o mundo criado a partir das novas tecnologias da informação, que tem alterado de forma profunda a comunicação humana com reflexos imediatos na organização social. E também tem alterado a cadeia produtiva.

Nossos debates acerca dos impactos desta nova revolução tecnológica são em geral superficiais e tímidos. Ouvimos opiniões que vão desde um “encanto” ingênuo com as possibilidades trazidas pelas tecnologias até um verdadeiro “neo-ludismo” embasado em textos e discursos do século 19.

Um partido calcado na análise da concretude não pode sucumbir à estas visões e nem “fingir” que a “realidade digital” não molda atualmente o modo de produção, as novas formas de mais-valia, e por conseguinte as formas de controle do capital sobre a sociedade.

Felizmente temos quadros extremamente qualificados no partido que tem dedicado atenção aos impactos na economia e na vida de trabalhadores e trabalhadoras.

Por isso, este texto se concentra em apenas um aspecto da revolução tecnológica em curso, que tem tido um impacto enorme nas eleições e no debate político nacional: as novas formas de controle do capital sobre a construção de narrativas.

Pode-se resumir o parágrafo anterior ao mantra: a manipulação nas redes e na internet.

Para início de conversa é importante desbastar alguns “fantasmas”.

O primeiro deles é que as redes usam os “algoritmos” para manipular o debate nas redes. Essa é uma meia verdade. Algoritmos são uma sequência de raciocínios, instruções ou operações para alcançar um objetivo, sendo necessário que os passos sejam finitos e operados sistematicamente.

Em uma visão simplificada, são programas que utilizam técnicas estatísticas como a clusterização, análise fatorial, análises de correspondências, análises de regressão, modelos logísticos, de dados de contagem entre outros. E para que tudo isso? Para identificar padrões de comportamento e agrupar pessoas por similaridade.

Essa é uma parte da verdade.

É fato que grupos muito homogêneos reforçam valores em comum e dificultam a troca de opiniões, portanto, seria mais fácil a manipulação de massas com grupos mais homogêneos.

Essa é outra parte de verdade.

Ou seja, não são os algoritmos que manipulam, mas eles permitem que a informação inoculada em um determinado grupo, se ancorada nos valores comuns a esse grupo dificilmente seja ignorada pelos seus membros.

Outro fantasma é a existência de militância digital.

É fato que as redes sociais permitem uma comunicação entre desconhecidos inédita na história humana. Também é fato, que os mecanismos de reconhecimento social ficam exacerbados pelas redes com impactos psicológicos profundos. Mas são relativamente poucos os atores digitais pagos para influenciar políticas.

Apontar que as redes simplesmente manipulam, que existe uma militância digital conservadora numerosa e que se trata de um mundo obscuro e intransponível é um reducionismo perigoso e paralisante.

A imensa maioria do nosso partido acomodou-se na confortável certeza de que apenas o vigor revolucionário e a firmeza ideológica seriam capazes de enfrentar esse mundo obscuro.

Os resultados de 2018 mostraram o quanto estávamos equivocados.

Nas teses deste 15º Congresso, o Comitê Central aponta a necessidade de “empreender um salto qualitativo na capacidade de se comunicar com a sociedade, incrementar a cultura e a prática digital entre os militantes, organizações, mandatos e movimentos”.

Nada mais atual e urgente.

Desde 2019, o PCdoB tem empenhado recursos e deslocado quadros para essa batalha. No ano de 2020, foram feitas mais de 100 oficinas com a participação de cerca de 4.000 militantes e dirigentes.

Temos hoje uma presença digital em diversas plataformas e experiências exitosas de diversas lideranças do partido. Mas é preciso “empreender um salto”, como aponta o nosso documento em debate.

É preciso reconhecer que nem toda a militância é presencial, que não são apenas os materiais impressos que divulgam nossa opinião, que existem novas formas de organização, que tecnologia não é exclusividade da juventude e que todos nós devemos estudar e nos preparar para as lutas deste século considerando essas expressivas transformações tecnológicas.

Nossa bagagem ideológica não pode ser usada como desculpa por quem não entende ou desconfia da tecnologia. O marxismo é nossa principal arma e o que nos diferencia nas redes e na internet.

Faz-se necessário um chamamento a todos e todas: vamos à internet!

Vamos lutar contra a hegemonia do capital em todas as frentes: nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho, nos locais de moradia, na internet e nas redes.

Nosso partido enfrentou ditaduras e agruras sem fim, e neste momento deve envidar uma luta sem tréguas nas redes contra o fascismo.

Essa é uma tarefa de todos nós, sem exceção!

 

*Jornalista e programador. Editor nacional das Redes do PCdoB e secretário de comunicação do PCdoB/DF.