Saúde é democracia, democracia é saúde! – Parte 2
*Por Ronald Ferreira dos Santos
A democracia participativa se desenvolve a partir da democracia representativa e entende que a participação do povo se dá não somente pela escolha de seus representantes, mas também por outras formas de participação no governo, por meio de plebiscitos, referendos, audiências públicas, conselhos e conferências de políticas públicas, essa formalidade ou estatuto de nossa legalidade abre a nossa Constituição Federal , quando no Parágrafo único de seu Artigo 1º torna pétreo “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” . Essa forma de democracia tenta aproximar o governo do Estado com seus governados, de maneira a entender melhor seus anseios e necessidades e fazer um governo que atenda essas demandas. Essa forma de entender a democracia, incorporada pelo SUS no Brasil, permite um maior diálogo e controle das políticas públicas.
Com a Emenda Constitucional 20 de 1998, a ofensiva neoliberal retirou a expressão “Participação da Comunidade…” do inciso VII do artigo 194 da Constituição, que tratava do caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa da seguridade social, deixando explicito a Participação da Comunidade apenas no inciso III do artigo 198 que estabelece as Diretrizes o Sistema Único de Saúde.
O Brasil desenvolveu algumas boas experiências de democracia participativa, como a participação social ratificada pelo SUS, reconhecendo-a como parte estruturante da sua política. O SUS, mais que uma política pública de saúde, é um modelo de desenvolvimento social e político. Outras experiências também são relevantes, como as das áreas da educação, assistência social, alimentação, ambiental, moradia, reforma agrária e direitos trabalhistas, e estão dentro da lógica da compreensão de democracia além da mera representação, mas nenhuma delas conseguiu construir uma rede de participação da comunidade na gestão participativa da política como o SUS.
Para entendermos o conceito de “participação social” incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso termos presente a luta pelo direito humano à saúde protagonizada pelo Movimento da Reforma Sanitária e, também, a compreensão de democracia participativa. Reconhecer a participação social como uma das diretrizes do SUS significa entender que a população local, por meio dos Conselhos e das Conferências de Saúde, contribui com a consolidação do SUS, desde a troca de informações, de debates, experiências, proposições e deliberação, até a socialização e a avaliação da política pública. Ou seja, a população torna-se sujeito ativo da política pública de saúde, e não mera receptora ou expectadora. Em outras palavras, o SUS incorpora a concepção de que a participação da comunidade é fundamental para a ampliação da democracia e para a efetivação das políticas públicas de saúde.
A Constituição Federal de 1988 vem sendo atacada desde sua promulgação, o que impôs barreiras para efetivação de políticas públicas que dessem materialidade aos seus apontamentos, como o Direito à Saúde e ao Bem-Estar Social. Todavia, os mais duros ataques ao Estado Democrático de Direito, preconizado pela Constituição Federal de 1988, foram feitos justamente ao seu caráter Democrático e de Direito.
O Estado Democrático diz respeito à soberania, à vontade popular e ao respeito às minorias, enquanto o Estado de Direito significa o acesso ao direito à cidadania através de políticas públicas. Dessa forma, ao não respeitar a soberania da vontade popular de uma eleição majoritária e ao instituir a Emenda Constitucional nº 95 de 2016, que congela os gastos públicos por 20 anos, romperam com nosso contrato social.
Tal investida precisa ser compreendida dentro das disputas de rumos, não só do Brasil, mas do mundo, não só do nível nacional, mas também do nível local, do território onde vivemos, como dizem “do global ao local”, pois, o que está em disputa é como vivemos e como morremos, quem vive e quem morre, e a disputa entre a vida e a morte.
As consequências dessas disputas podem ser o avanço civilizacional ou uma tragédia humanitária, pois seus desdobramentos impactam diretamente em vidas humanas. A escolha é: Todos têm Direito à Vida? Alguns podem ser elimináveis? O conhecimento humano, a ciência e a tecnologia impactarão nas relações de produção da vida; no avanço ou na tragédia, no local e no global. É possível ver o espectro da morte cobrir vastos territórios pelo mundo: hoje é a pandemia que abate vítimas inocentes principalmente os mais vulneráveis, dos novos navios negreiros no Mediterrâneo; a xenofobia e a intolerância ganhando força no Brasil e no mundo; é a violência como solução de conflitos; é uma brutal e cruel concentração de riqueza no mundo, diante disso, a defesa da vida passa a ter um caráter civilizatório na contemporaneidade.
Os desafios são muito grandes: o debate da saúde como direito, que considere a soberania nacional e os interesses do nosso povo e da nossa nação, precisa transformar-se em Soluções que permitam fazer do Direito a garantia do acesso a ações e serviços de saúde, a proteção a vida. Através das representações dos usuários, profissionais de saúde, gestores e prestadores, o o controle social do SUS foi buscar, na década de 1980, inspiração para ampliar sua contribuição na luta em defesa da vida e do Direito à Saúde e para construir um processo de resistência à onda de retrocessos, Assim, foi convocada a sociedade brasileira para realizar a nossa “8ª + 8”, a 16ª Conferência Nacional de Saúde.
Para além do resgate histórico, 33 anos após a realização da 8ª CNS, o controle social tinha e tem a centralidade de seus debates numa agenda muito próxima daquela de 1986. E, é por esta razão que o tema central e os eixos escolhidos para a 16ª CNS foram os mesmos, ou seja, o tema central é “Democracia e Saúde: Saúde como Direito e Consolidação e Financiamento do SUS”.
Ao assumir a partir da 16ª CNS a defesa da vida, do planejamento democrático, da ética pública e do controle social como eixos organizativos da política de saúde, o controle social do SUS tem atuado com todas as forças democráticas para viabilizar e fazer prosperar o Pacto Pela Vida, que precisa ampliar muito o lastro político e social de sustentação. VIDA, SOLIDARIEDADE, SAÚDE E CIÊNCIA, SUS, MEIO AMBIENTE, DEMOCRACIA.
*Farmacêutico. Coordenador da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB. Membro da Direção Estadual do PCdoB de SC. Membro do Comitê Municipal do PCdoB de Florianópolis