Por Luciano Rezende Moreira*

O título deste artigo é inspirado em dois livros que se complementam. Ambos, fundamentais para auxiliar na reflexão acerca da vitalidade de um Partido Comunista. Trata-se, pela ordem, da obra homônima de Álvaro Cunhal e de “O Alfaite de Ulm”, de autoria de Lucio Magri.

“O Partido com paredes de vidro” leva esse título justamente por expressar a preocupação do histórico dirigente comunista português para com a transparência da ação política e das relações pessoais da organização partidária. Não deixa de ser um estudo pioneiro sobre o que hoje diversas correntes da administração chamam de clima organizacional.

Segundo Cunhal, os comunistas nada têm a esconder sobre seu programa, sobre o que pensam e, tampouco, como agem no dia-a-dia. Pelo contrário, fazem questão de que sua prática militante cotidiana seja vista e apreciada pelo público externo. Portanto, as paredes de um Partido Comunista devem ser transparentes para que, quem esteja de fora, possa contemplar tudo o que ocorre em seu interior.

Não se trata de expor informações pessoais, táticas eleitorais ou assuntos internos que, sobretudo em época de ascensão do fascismo, podem comprometer até a integridade física de seus militantes ou mesmo servir à reação para as mais diversas perseguições. Mas dar visibilidade à maneira de agir, pensar e atuar da militância comunista de modo a desmistificar muito do que é apregoado pelo senso comum. Mais que isso: promover um clima de trabalho militante agregador, fraterno, solidário e produtivo que seja exemplo para a sociedade.

Como defender uma sociedade mais justa se o que vigora internamente em uma agremiação partidária são decisões de caráter pessoal e patrimonialista? Como pugnar o respeito mútuo entre povos e nações se as relações de camaradagem e o companheirismo são negligenciados no próprio seio de uma organização política? Como reivindicar a superação do capitalismo se a prática exercida evidencia a própria exploração do trabalho assalariado partidário? Pois são valores como respeito, solidariedade, dedicação, amizade, gentileza, entre outros, que devem florescer e se propagar nas relações cotidianas de quem se propõe a construir o “homem novo”, sem nenhum prejuízo ao caráter científico da teoria marxista.

O moralismo e a ética pequeno-burguesa são diferentes da moral comunista. Não se pode confundir. A “fibra inquebrantável”, que continua a surpreender até mesmo os adversários políticos mais antigos, surge dessas relações intra e interpessoais baseadas no sentido pleno da camaradagem ao lado da convicção teórica acerca da superioridade do marxismo. É esse o segredo para a unidade interna e a coesão de um Partido Comunista. Quando se perde esses valores o que se vê, invariavelmente, é o êxodo de quadros cuja formação o Partido tanto investiu.

Não apenas o público externo, mas o conjunto militante precisa ver claramente as engrenagens internas do Partido. Enxergar como são distribuídas as tarefas e quais critérios são utilizados (por amizade, afinidades pessoais ou por critérios políticos impessoais e transparentes). Ter conhecimento de quanto recebem seus funcionários e qual é a ajuda de custo dos seus dirigentes. Saber como são pagas e quais são os valores das diárias. Ter clareza de como é tratado o assédio moral ou como eventuais conflitos de interesse são combatidos.  Enfim, são vários os temas abordados por Álvaro Cunhal que, diga-se de passagem, já é adotado desde há muito por governos e, pasmem, até empresas privadas capitalistas que trabalham há anos o clima organizacional de suas organizações.

Claro que a preocupação de uma grande empresa capitalista vai ser sempre melhorar os seus resultados. E por isso se interessam por aprimorar o clima de trabalho visando o aumento na produtividade. Investem pesado no estudo das teorias motivacionais. Prezam pelo respeito e decidem muitos assuntos coletivamente. Combatem o nepotismo e o compadrio. A democracia interna, por incrível que possa parecer, predomina. Não querem ver funcionários revoltados com qualquer tipo de decisão arbitrária ou unilateral. Não importam que a decisão tenha vindo de cima para baixo, a partir da matriz, desde que haja transparência e que essa tomada de decisão não seja por mera vontade de um “capa”.

Outro tema importante, tratado mais a fundo por Lúcio Magri (ainda que de forma não sistematizada), é a cultura organizacional. “O Alfaite de Ulm” aborda os valores e as crenças que movem de forma inabalável um Partido Comunista e a missão histórica que se propõe a perseguir. Faz uma análise complexa (e completa) de um dos Partidos mais influentes do mundo, o Partido Comunista Italiano e analisa os motivos que o fizeram ruir.

É essa cultura que o faz único, diferenciado. Ela se baseia em suas raízes filosóficas, ou seja, sua ideologia, o marxismo-leninismo. Esta é a fonte que alimenta suas crenças e os seus valores – no sentido dialético. É o combustível que move todo o conjunto militante.

João Amazonas, outro histórico dirigente comunista, é categórico ao afirmar “que a característica essencial de um partido revolucionário não seja propriamente a sua ligação com as massas, ainda que essa ligação seja indispensável, mas o conteúdo filosófico da doutrina que sustenta, o marxismo-leninismo”. Amazonas ainda nos alerta que “qualquer partido populista será capaz de manter extensos vínculos com as massas e nem por isso pode ser considerado instrumento da revolução social”.

Em síntese, independente das vicissitudes do momento político atual, por mais turbulenta que seja a luta de classes em uma determinada época, o Partido é capaz de enfrentar todas as ameaças e sair ainda mais fortalecido quando entende sua missão histórica e trabalha por fortalecer essas duas construções partidárias: suas paredes e seus pilares, respectivamente seu clima e sua cultura organizacionais.

Olhar para dentro. Se enxergar como um coletivo formado por camaradas oriundos dos mais diferentes extratos sociais que esperam, minimamente, que o dia-a-dia militante seja um ambiente avesso aos valores burgueses, tais como o arrivismo, o carreirismo, o hedonismo, o individualismo, o machismo e outras práticas e preconceitos estranhos à construção de uma nova sociedade. Ou que pelo menos essas práticas sejam claramente combatidas, sem qualquer tipo de condescendência em vistas a objetivos eleitorais mais pragmáticos.

 

*Professor e filiado ao PCdoB desde 1994.