Por Paulo Roberto P. Rivera*

Em nosso documento “Diretrizes Para Uma Plataforma Emergencial De Reconstrução Nacional”, a questão da soberania aparece em dois pontos: 12 e 20. Embora fundamentais, são insuficientes para que esta plataforma garanta um grau satisfatório de soberania.

A análise do balanço de pagamentos, mostra um Brasil vulnerável à ação do capital externo. O principal instrumento para esta ação – e que está contemplado no documento – é a adoção do câmbio flutuante. A opção por este sistema torna o dólar uma mercadoria sujeita à lei da oferta e procura, o que dá aos especuladores estrangeiros a prerrogativa de determinar a taxa de câmbio vigente no Brasil. Para que isto funcione a contento, nossa conta financeira é totalmente liberalizada, permitindo o chamado livre trânsito de capitais. Portanto, o fim do câmbio flutuante é uma medida absolutamente necessária, e o primeiro ato rumo a soberania do país.

A vulnerabilidade externa começa com a dificuldade do país em obter saldo positivo em suas transações correntes. Nos últimos 26 anos – desde a implantação do Plano Real – acumulamos um prejuízo de US$ 823,2 bilhões de dólares em conta corrente.

O Brasil costuma auferir superávits na balança comercial de bens, muitos, bastante expressivos. No entanto, todo o saldo alcançado nessas duas décadas e meia (US$ 535,4 bilhões), foi consumido pelo déficit da conta de serviços (US$ -535,6 bilhões).

O que acaba por determinar o enorme prejuízo acumulado em conta corrente é o que transita pela conta de Renda Primária. Esta conta é composta pelos fluxos referentes a juros, lucros e dividendos. Em 26 anos, as remessas ao exterior por esta conta drenaram do Brasil a quantia de US$ 898,4 bilhões de dólares.

Resta agora uma última conta capaz de equilibrar o balanço de pagamentos: a Conta Financeira. Carregando tamanho prejuízo em conta corrente, só resta ao país liberalizar por completo o fluxo de capitais externos. Portanto, é a entrada de capital externo, principalmente o que é convertido em capital fictício, que sustenta o balanço de pagamentos brasileiro.

A absoluta liberalização da conta financeira e a opção pelo câmbio flutuante, colocam o país à mercê dos interesses do capital externo que se utilizam do sistema financeiro nacional para a reprodução de capital fictício. Há uma massa de capital fictício (investimentos em carteira) na ordem de US$ 488,8 bilhões de dólares, ao qual se pode somar US$ 244 bilhões de dólares das tais “operações Inter companhia”, cujo único objetivo parecer ser o de drenar capital do país a título de juros, totalizando 722 bilhões de dólares, duas vezes o valor das nossas reservas internacionais, e aproximadamente 10% do PIB brasileiro. No geral, os investimentos estrangeiros no país superam os investimentos no exterior em US$ 553 bilhões de dólares, conforme posição em dezembro de 2020. Este quadro atua como uma chantagem à economia brasileira.

Portanto, qualquer projeto liderado por uma nova maioria política que vise aplacar ou debelar o neoliberalismo, só se viabiliza com a solução dos problemas estruturais apresentados pelo balanço de pagamentos. Para isso, um conjunto de medidas emergenciais são fundamentais:

  1. Retomar, por parte do governo federal, o absoluto controle do Banco Central, cuja primeira medida deverá ser abolir a política de câmbio flutuante, adotando a taxa controlada pelo Estado conforme os interesses soberanos do país.
  2. Estruturar um profundo projeto de reindustrialização que, como destaca o documento e por razões óbvias, deve iniciar pelo complexo industrial da saúde. Em seguida, deve mirar na substituição das importações, não só de bens como principalmente de serviços. A conta de serviços tem seu déficit determinado em boa medida pela sub conta Aluguel de Equipamentos, onde se destacam: a) aluguel ou leasing de plataformas de exploração de petróleo e gás, sendo que o país já tinha estruturado um polo de construção destas plataformas no RS, e que foi destruído como consequência da operação lava a jato; b) aluguel ou leasing de aeronaves e embarcações, cujas debilidades foram agravadas pela privatização da EMBRAER, podendo-se ressaltar também que já tivemos uma série de estaleiros espalhados o país durante as décadas de 1970/1980.
  3. Impor restrições à remessa de lucros e dividendos ao exterior, determinando percentuais que devam ser reinvestidos no país. Quanto à remessa de juros, é necessário impor limites para a venda de títulos da dívida pública à investidores estrangeiros.
  4. Reverter a política referente a cobertura cambial das exportações, retomando a exigência de internar imediatamente no país os dólares recebidos pelas exportações, fortalecendo assim a soberania do Banco Central na administração da taxa de cambio.
  5. Neutralizado o déficit em conta corrente pela adoção das medidas acima, o Brasil pode então implementar medidas de restrições ao livre trânsito de capitais externos para os chamados Investimentos em Carteira. O objetivo é reprimir o capital fictício, proporcionando estabilidade ao setor financeiro e seu direcionamento para a economia real.

Para enfrentar o neoliberalismo, o primeiro objetivo estratégico que o Brasil deve perseguir em sua inserção internacional, é garantir a mais plena, absoluta e completa soberania. O instrumento para isso é o controle das contas externas, que nos impõe lidar com uma moeda que não emitimos. É irônico ver como o atual governo auto impõem-se tetos de gastos e outras restrições a um orçamento denominado em moeda que tem poder de emissão, mas é absolutamente condescendente em suas contas externas, cuja moeda não emite.

Por fim, conhecer o mundo que vivemos é constatar que a hegemonia do dólar sofre uma tendência lenta, porém irreversível de declínio. Isso nos impõem uma viragem em nossas relações econômicas, privilegiando os países que já buscam comércio à revelia do dólar. Precisamos nos libertar do jugo do unilateralismo que o império neoliberal dos EUA tem a oferecer, e direcionar nossas relações para o ascendente processo de multilateralismo e futuro compartilhado liderado pela China.

Obs.: o estudo completo sobre as contas externas que baseou este texto pode ser acessado em: http://www.raulcarrion.com.br/BR_contas_externas.asp.

 

*Membro da direção municipal do PCdoB em Porto Alegre-RS.