Por Edilson José Graciolli*

Uma difícil conjuntura para o povo brasileiro, a democracia e o nosso Partido

Considerando que conjuntura é a confluência de circunstâncias em dada quadra histórica, como e quais são as que maior destaque possuem no presente?

Se a política levada adiante pelo atual governo e suas bases de apoio no parlamento, na sociedade civil e em parcela dos agentes públicos de outras instituições do Estado (Ministério Público, Judiciário, aparelhos policiais) decorre do que veio à tona desde junho de 2013, culminando com o impeachment de Dilma Rousseff, governo Temer e a tragédia sanitária, econômica e diplomática de Bolsonaro e seus Ministros, é preciso ver que nada disso constitui um raio em dia de céu azul.

Foi no terreno da luta de classes (sociedade civil) que se travaram as batalhas decisivas que produziram o atual estado de coisas.

As mais graves foram a desindustrialização iniciada ainda na primeira metade do primeiro governo Dilma, as lacunas dos dois governos de Lula (notadamente as que determinaram uma ausência de legado institucional de alargamento da democracia) e as relacionadas à inexistência de um projeto nacional de desenvolvimento).

Embora constasse do programa eleitoral de Lula de 2002, a eleição para gestores das universidades não foi alterada, sendo esta a brecha para que o entulho da ditadura venha sendo utilizado pelo governo federal para deixar de nomear vencedores nas consultas eleitorais para o cargo de reitor(a).

A Lei de Segurança Nacional não só não foi refeita na direção de um dispositivo legal de defesa da nação, como o governo Dilma a piorou em termos de criminalização dos movimentos sociais, fornecendo o argumento jurídico-legal para a perseguição a adversários políticos do bolsonarismo.

O balanço sobre erros dos governos petistas foi interditado pelo PT, que seguiu orientação de sua principal referência eleitoral, Lula. Não há motivo para supor que algo diferente do que até agora se viveu venha a se estabelecer.

A conjuntura eleitoral por que passamos encontra no final de 2017 um ponto de grave inflexão no pluralismo partidário. Embora haja 33 partidos registrados no TSE e mais de 40 aguardando registro, há de se prestar atenção naquilo que a Ciência Política consagrou como “contar os partidos que contam”¹ .

Os maiores partidos (dentre os quais o PT) visaram – com a reforma eleitoral de 2017² e com a cláusula de desempenho draconiana³ e crescente, entre 2018 e 2030, partindo de 1,5% dos votos válidos para a Câmara Federal, em 2018, até 3,0% em 2030 – iniciar o processo de enxugamento do número de partidos pela via do cerceamento, mesmo a partidos ideológicos, históricos e, no caso do PCdoB, secular, ao acesso ao Fundo Especial Eleitoral e ao Fundo partidário. Ou seja, partidos que forem alijados desses recursos poderão existir, mas não contarão em termos de condições mínimas para os embates eleitorais.

Com muitas dificuldades para fazer frente à cláusula de desempenho em 2018 (isso só foi obtido com a incorporação do PPL), o PCdoB caminha para o que se chama irrelevância eleitoral, não obstante sua história. A tendência é que engrossemos a fileira dos “partidos que não contam”. Reverter isso passa por uma mudança profunda na tática eleitoral dos últimos anos, sob pena de resultados semelhantes se verificarem em decorrência do mesmo modo de operar.

Entre os processos que se somam para a formação dessa situação, certamente estão o anticomunismo (congênito a março de 1922), os erros na concentração de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial Eleitoral, o número reduzido de filiados, militantes, dirigentes e contribuições militantes e nossa insipiente atuação nas redes sociais (dimensão enfrentada sem a imprescindível profissionalização para tanto4), além da perda de representatividade e legitimidade do movimento sindical em face de tantos processos de mudança no amplo e complexo universo da classe trabalhadora.

Um último aspecto conjuntural que quero enfatizar diz respeito ao espaço que o “identitarismo” vem ganhando também na vida do Partido. Uma coisa é a luta necessária contra todas as formas de opressão ou destruição (mulheres, negros, comunidade lgbt, meio ambiente), dentro daquilo que deveria ser chamado de pautas civilizatórias. Outra coisa é a elevação dessas pautas à condição de “questões únicas”, ou de mesmo peso em relação ao antagonismo capital X trabalho e às formas contemporâneas do imperialismo.

Questões como emprego, salário, renda, riqueza, desenvolvimento, segurança pública, especulação imobiliária, mobilidade urbana, soberania, ciência e tecnologia, precisam ser repostas como centrais em nossas três frentes de luta e articuladoras dos quatro pilares da vida partidária.

 

*Professor de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal de Uberlândia; Presidente do Comitê Municipal Uberlândia; membro do Comitê Estadual MG. 

¹ Cf., a respeito, SARTORI G., (1982), Partidos e sistemas partidários, Brasília: UnB/Zahar; e PASQUINO, G., (2005), Sistemas políticos comparados, Cascais/Portugal: Principia.

²Lei 13.488/2017, disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13488-6-outubro-2017-785551-publicacaooriginal-153918-pl.html.

³O quociente eleitoral em qualquer eleição é dado pelo que representa 1 cadeira em relação ao total de cadeiras, estabelecendo a mesma proporção em relação aos votos válidos. Ora, na Câmara Federal 1 cadeira em relação às 513 representa 0,19%. Este percentual, ou algo próximo (digamos, 0,5% ou 1,0% dos votos válidos) deveria ser  a cláusula de desempenho, e não os 3,0% projetados para 2030. Para que se tenha uma ideia da descabida exigência dessa cláusula de desempenho, dos 24 partidos que elegeram bancada de deputados federais em 2018, apenas 11 (PT, PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, PSB, DEM e PDT) elegeram deputados em número pelo menos equivalente a 3% das 513 cadeiras (o PDT elegeu 25; abaixo dele abre a lista dos com bancadas menores a esses 3% o Solidariedade com 14 vagas).

4. Esse tratamento profissional para as redes sociais supõe o que se chama “calibragem digital”, complexo de 4 etapas (mineração; gerenciamento; inteligência artificial de relacionamento; viralização) para que seja significativamente ampliada nossa presença nas redes sociais.