O período do golpe no Brasil não trouxe somente “raios e trovões”.

As chamadas pautas identitárias tem tomado, no debate interno do Partido, um vulto que julgo um tanto quanto desproporcional. Não são, os comunistas, aqueles que lutam contra toda forma de opressão que o sistema capitalista impõe?  Obviamente cada militante de nosso partido responderá que sim. Mas, ao fazermos uma observação simples sobre o nosso debate interno acerca do tema vemos o contrário. Vemos muitos comunistas colocando as pautas identitárias como problema secundário e por vezes até descolado da luta contra o sistema econômico. Por outro lado vemos comunistas travando uma dura luta interna (e externa) focando-se apenas nas pautas identitárias. Estes dois posicionamentos me parecem equivocados. E não coloco os dois casos como antagônicos ou os dois lados da mesma moeda ou qualquer outro clichê dos jargões comunistas.

Por Cléber Custódio Duarte*

Coloco porque não são, na melhor medida, compreendidos como elementos importantes, mas ainda com um certo déficit de compreensão de nossa parte enquanto militantes comunistas.

Os dois casos são fruto do sistema capitalista e das vicissitudes próprias deste. Não há como negar que as elites  capitalistas são machistas, homofóbicas, racistas, etc, etc e etc. Não há como negar que os governos Lula-Dilma foram os períodos onde mais houveram acúmulo de conquistas para as pautas identitárias. Mas também não há como negar que houveram também muitos erros.

Mas este artigo não pretende fazer balanço destes governos a este respeito.

Pretendo aqui situar algumas colocações que tenho visto e quem sabe, produzir uma contribuição ao debate nesta questão específica.

  1. As pautas identitárias na grande mídia

É observável que a grande mídia , notadamente a Rede Globo, tem se posicionado de forma muito clara em relação às pautas identitárias. Este é um fenômeno relativamente novo nos meios de comunicação brasileira. E se dá, exatamente quando o governo que acolhia as pautas identitárias se encerra de forma dramática. Observo que, assim como sua vertente estadunidense, o pensamento político liberal há muito flerta com estas pautas e movimentos. Aqui talvez de forma mais tímida devido ao elevado conservadorismo da sociedade brasileira. Mas o fato é que, assim que os movimentos identitários ficam, por assim dizer, desamparados, sem um governo que inclua suas pautas no debate nacional, a grande mídia ocupa rapidamente o espaço. E passa a disputar, violentamente, estas pautas. Assim como nos EUA, as pautas identitárias não são exclusividade da esquerda. Obama e Hillary construíram boa parte de seus programas de governo e propostas em cima destas pautas. Os liberais são a vanguarda destes movimentos nos EUA desde sempre.

Aqui, a grande mídia busca disputar este “filão” político e ideológico. Assume discursos identitários abertamente e se cria um debate muito mais “domesticado” e inofensivo.

  1. As pautas identitárias na juventude

Como professor não posso deixar de notar que tais pautas são a grande disputa ideológica da juventude. Mesmo aqueles que não estão organizados em juventudes políticas querem debater o tema. E formam-se dois grandes campos principais que dividem a juventude: aqueles que, tomados geralmente por preconceitos e dogmas de caráter religioso conservador, se colocam contra até mesmo o debate do assunto e; aqueles que querem debater o assunto, “compram a briga” e tem um posicionamento muito claro dentro deste debate.

Vejo hoje na UJS, grandes lideranças que se agregam justamente por estas questões identitárias. No movimento estudantil muitas das principais lideranças tem uma identificação muito grande com estas pautas. Hoje, o militante da esquerda na juventude precisa, antes de qualquer coisa, ter domínio destas pautas para poder dialogar com suas bases. O debate do Socialismo já não é o mais atraente na juventude infelizmente. Hoje o que move, sobretudo, a juventude é a luta contra o obscurantismo conservador. É a luta contra o machismo, a homofobia, o racismo e a Terra plana!

  1. O papel dos comunistas

Comunistas são a vanguarda do pensamento e da ação da classe operária. Este é um conceito clássico que desde Marx, passando por Lênin e chegando aos dias de hoje não perdeu sua validade enquanto lei objetiva de transformação da sociedade. Porém, também a luta se transforma. Ela se torna mais complexa. E acaba por agregar pautas que tais gigantes do pensamento vivo da classe operária sequer imaginavam. Mesmo que Marx houvesse salientado a questão da mulher em seu trabalho, não poderia prever os desdobramentos que o feminismo assumiria dentro da luta contra o capitalismo.

Aí está a conclusão do meu raciocínio: disputar a formação das consciências dos trabalhadores é o papel principal dos comunistas. Sem ideias revolucionárias não há movimento revolucionário como já foi dito. Mas as ideias revolucionárias não surgem na cabeça das pessoas de forma espontânea. Ela se dá em um processo objetivo que passa, intrinsecamente, pela luta. E a luta do nosso tempo inclui as pautas identitárias. Os revolucionários em potencial do nosso tempo estão na Parada Gay de São Paulo, estão debatendo cotas, o shortinho nas escolas. Virar as costas a qualquer movimento de opressão porque não vislumbra a transformação social é de uma incompreensão baseada não na dialética nem no materialismo. Mas baseada em preconceitos oriundos da sociedade que pretendemos destruir para construir uma nova. É compreensível porque como muito já foi dito, a luta de classes se dá no interior do Partido também. E a isso tudo também se somam os problemas de formação que enfrentamos.

Ser comunista hoje é principalmente travar este debate ideológico. É disputar consciências. É estar presente nestas lutas. É colocar o Partido Comunista do Brasil como um porto seguro para estes potenciais revolucionários.

E assim como Lênin e Stálin compreenderam e deram um novo papel à luta das nacionalidades, também devem os comunistas dirigir a luta das pautas identitárias para a construção da única sociedade realmente igualitária: o Socialismo.

Quero agradecer aos camaradas da Velha Guarda da UJS/RS que contribuíram e muito com subsídios para a formulação deste artigo.

*Presidente do Comitê Municipal do PCdoB de Igrejinha (RS)