Por Francisco Wellington Duarte*

Um fantasma ronda o nosso Partido já há algum tempo, assombrando as velhas e novas lideranças sindicais deste e tem sido um tema que parece não seduzir as instâncias partidárias locais para o aprofundamento, sobre a inserção do PCdoB no movimento sindical dos servidores públicos: o fantasma da incompreensão. Os comunistas estão diante de uma completa desestruturação do Estado brasileiro, que vem desde 2016 e, nos órgãos locais do Partido, pouca atenção tem sido dada a esse processo  e isso afeta sua atuação política,  mantendo o Partido longe do trabalhador, de forma geral, e dos servidores públicos, em particular.

Ressalte-se que o processo de organização/construção dos sindicatos dos servidores públicos é diferente da dos trabalhadores da iniciativa privada. São estruturas que tem dinamicidade particulares e que mereceriam, portanto, mais debate para que o Partido possa ter mais protagonismo nesse espaço. Quando se fala em “movimento sindical dos servidores públicos”, deve-se levar em consideração que a própria estrutura federativa do Estado brasileiro faz emergir sindicatos nacionais, estaduais e municipais.

Outro aspecto a se considerar é que, depois da “reforma” trabalhista de 2017, houve uma verdadeira hecatombe financeira em todo o movimento sindical, que atingiu duramente os sindicatos das três esferas, muitos deles sustentados pelo “imposto sindical”, o que levou, em muitos casos, ao fechamento dos sindicatos ou ao seu encolhimento.

E isso afetou toda estrutura sindical, abatendo inclusive as principais centrais do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e até a Força Sindical (FS). Ao lado desse processo, um movimento de pressão sobre o sindicalismo de forma geral, vindos do Executivo e do Judiciário, fez recuar o percentual de sindicalizados de, em média, 17-18,0%, em 2017, para cerca de 12,0% de sindicalizados, em 2019.

Diante da Proposta de Emenda Constitucional 32, chamada “reforma administrativa”, as estruturas locais do Partido, de forma geral, parecem ter deixado para segundo plano, a discussão desse golpe, assim como ocorreram poucos debates sobre os efeitos devastadores da Emenda Constitucional 95, “mãe” de todos os males que afligem o Setor Público hoje em dia.

A complexidade da própria estrutura sindical dos servidores públicos, com sua multiplicidade de especificidades e, por conseguinte, de demandas, parecem provocar uma dispersão dos debates e um certo distanciamento das instâncias locais, mais próximas dos entes estaduais e municipais. Ocorre que estados e municípios têm suas rendas muito dependentes dos repasses federais, e que interferem nas relações de trabalho dos servidores públicos estaduais e municipais.

Sem uma conexão entre os temas nacionais e locais, os comunistas que atuam nas instâncias e entidades locais, se distanciam dos debates sobre o Estado e, com isso, temáticas nacionais que trouxeram impactos locais são pouco debatidas nos fóruns partidários. No cotidiano as secretarias sindicais, pressionadas pelas demandas sindicais de toda ordem, buscam, antes de mais nada, dar auxílio aos camaradas dirigentes desses sindicatos e não sobra “espaço” para a articulação de uma debate mais geral, e os comunistas acabam por não colocar as temáticas acerca do trabalho, do Estado e das relações de trabalho. No caso dos camaradas que dirigem a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), colocados diante de um cenário de devastação, só conseguem cumprir uma pauta mínima de ação.

A EC 95, por exemplo, encolheu deliberadamente os recursos públicos, ou seja, investimentos, transferências constitucionais e repasses foram minguando. O impacto da EC 95 atravessou a estrutura federativa, mas produziu efeitos que acabaram se dispersando nestas estruturas e não ficou muito claro, para os dirigentes sindicais comunistas, como encaminhar o debate. A PEC 32, por sua vez, aponta para a “reformatação” do setor público, desestruturando seus alicerces e abrindo a possibilidade concreta de haver um “surto de terceirização” que tornará o servidor público “obsoleto” e, portanto, passível de ser expelido. Mas a aparência parece ser a de que os efeitos se darão exclusivamente no setor público federal, o que é errado, pois fazer uma “reforma” para atingir 10% de todo o funcionalismo público seria, no mínimo, ridículo. Na verdade, a PEC 32 deverá atingir os atuais e futuros servidores públicos, das três esferas, mas é nitidamente voltado para as esferas estaduais e municipais, pois é onde se concentram toda a rede de serviços públicos que atrai o setor privado e, ao abrir esse “mercado”, via proposta de emenda constitucional, redesenhará o modelo de serviço público. Mas os comunistas do movimento sindical não parecem ter tido sucesso em absorver o real perigo que foi a EC 95, a “reforma” trabalhista e, agora, a PEC 32, e instigar os camaradas a debater e levar essa discussão à população.

A realidade do cotidiano dos comunistas parece afastar as instâncias locais do Partido das discussões mais gerais e os comunistas que atuam no movimento sindical acabam por mergulhar na discussão de pautas que não estão necessariamente ligadas aos problemas mais gerais do país. Acrescente-se que como os sindicatos foram duramente afetados pelos efeitos da “reforma” trabalhista, e sindical, a pauta dessas entidades passou a ser a sobrevivência e os comunistas que participam das diretorias e/ou da presidência destas, passaram a buscar formas de manter suas entidades funcionando o que toma, de fato, uma boa parte do tempo.

Caberá ao Partido, de forma coletiva, reconectar o movimento sindical dos servidores públicos, nas três esferas, nas temáticas mais gerais e que tem impacto direto nos estados e municípios, além de buscar capacitar os camaradas que atuam nos sindicatos da esfera federal, para qualificar o discurso do Partido, e talvez a melhor forma seja a de introduzir, na formação, um espaço para inserir essa discussão não apenas para as lideranças sindicais comunistas, mas também para as que atuam nos movimentos sociais e até no campo institucional (incluindo os mandatos).

Não será fácil, mas o Partido não pode continuar se mantendo distante das discussões sobre o movimento sindical dos trabalhadores do setor público das três esferas.

 

*Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutor em Ciência Politica pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFRN. Secretário estadual de Comunicação do PCdoB do Rio Grande do Norte.