Voltando às notas provocações e lançando outra, às esquerdas se de fato o eixo é um projeto de nação

Por Mary Garcia Castro*

Discutimos nos dois artigos precedentes enviados para a TRIBUNA DE DEBATES as seguintes notas provocações que repito para debate:

1, A intima conexão entre luta de classes e luta ante racista;

  1. Considerar que relações étnicas raciais são baseadas em contradições, embates, já que etnicidade é cultura, tradição, cosmovisão, e afirmação emancipatória, portanto o étnico-racial passa, mas não se limita a uma orientação identitária, e se enquadra em projetos coletivos sendo raça/ etnicidade no caso do povo negro estruturante da formação da nação Brasil;
  2. O patriarcado em sua face mais visível é bastante cruel se consubstancia em relações de violências em gênero, e vitimiza principalmente a mulher negra, tendo como agressor, muitas vezes um homem negro, mas o patriarcado é parte de um contrato que se entrelaça, ao contrato social, como sugere Pateman (op.cit.); toma forma de lei, de um Estado. Portanto sem considerar os traços patriarcais da formação do estado nação Brasil é uma falácia se referir a um projeto de nação.

E aí chego a provocações maiores:

  1. Nós, comunistas, acertadamente destacamos que de imediato a luta de classes passa por um projeto de nação soberana, ante neocolonial, ante imperialista, democrática, sem desigualdades sociais. Contudo não caberia mais nos indagarmos que nação é essa, em que o negro, a negra, não estão representados como sujeitos de uma história ante racista e feminista emancipacionista?

5.A que nação nos referimos quando destacamos como força motriz da luta de classes os trabalhadores, as trabalhadoras, considerando que quase 14 milhões são desempregados, e que grande parte da população pobre são ‘vidas descartáveis’ para o Estado e para o capital?

A luta de classes hoje não se limita ao chão das fabricas, está nas favelas, nas periferias, nas disputas de uma juventude com o crime organizado, se expande para muitos lugares e engloba muitos sujeitos, os sem propriedade, os e os subalternizados

A nação defendida pelos comunistas, deve ser uma construção de muitos e muitas, que só vão aderir a esse projeto se representados, representadas em suas cores, aliás se apresentarem suas cores como sujeitos nessa construção.  A nação em termos de construção do socialismo, pede “radicalidade”  (expressão de nossa querida Loreta Valadares),  não se limitando  à noção de  nação da social democracia e a de bem intencionados nacionalistas das casernas, a dos grandes feitos históricos que incluíram inclusive ,na formação da nação, o assassinato de povos originais e que  omite as formas atuais de sobrevivência da escravidão.

A nação dos comunistas, se de socialismo para distintas humanidades se trata, pede um projeto classista e movimentista, ante racista e ante patriarcal -feminista emancipacionista-, identidade que reivindicamos e que nada tem a ver com políticas de identidades autocontidas. Não, em jogo um projeto de Partido baseado em um projeto de identidade de nação, em se fazendo.

Referências

AGABEN, Giorgio O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2009.

BUENO, Winnie; BURIGO, Joanna e PINHEIRO MACHADO, Rosanna “O Brasil Pós Impeachment a partir da vida das Mulheres”, in CULT n 227, set 2017),

CASTRO, Mary Garcia, Alquimia das Categorias na Produção de Sujeitos Políticos. Classe, Gênero, Geração e Raça entre Lideranças do Serviço Doméstico na Bahia, REVISTA DE ESTUDOS FEMINISTAS, N 0, 1992

CRENSHAW, Kimberlé Williams. “Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color”. In http://socialdifference.columbia.edu/files/socialdiff/projects/Article__Mapping_the_Margins_by_Kimblere_Crenshaw.pdf- consultado 10.10.2017

DAVIES, Angela   Mulheres, Raça e Classe, São Paulo, Boi Tempo, 2017

*PhD em Sociologia; bolsista CNPq; pesquisadora da FLACSO-Brasil. Membro da Secretaria de Formação-PCdoB-BA