Por Jorge Gregory*

A maioria dos políticos afirmam que estão filiados a tal ou qual partido porque o indivíduo precisa de uma agremiação para ser candidato e que a doutrina pouco importa. Para a maioria dos eleitores, poucos identificam os partidos pelas suas doutrinas. Votam no candidato. Caso alguém pergunte a esses eleitores em que partido votam, responderão que o que importa é o candidato, o partido não interessa.

Em muitos países há uma forte cultura partidária. Nos Estados Unidos, a quase totalidade dos eleitores se identificam como Democratas ou Republicanos. Na Inglaterra, majoritariamente, com os partidos Conservador ou Trabalhista. No Brasil, no entanto, não há uma cultura partidária.

Entre 1945 e 64, tivemos uma polarização entre PTB e UDN. Uma grande parcela dos eleitores, em especial nas camadas mais populares, se identificava com o PTB, mas muito provavelmente mais pela expressiva liderança de Getúlio Vargas do que por identificação com o trabalhismo. Nos tempos presentes, a grande expressão de massas é o PT, único partido com uma grande e fiel base social, o qual construiu uma trajetória, do ponto de vista doutrinário, assentada na Teologia da Libertação. Obviamente uma parcela expressiva dos eleitores do PT votam no PT por se dizerem socialistas, mas a maioria o faz devido à liderança de Lula.

O Partido Comunista do Brasil, quando da sua fundação, teve apenas três meses de vida legal. Com o fim do Estado Novo, obteve novamente o direito à legalidade. Contando com o prestígio da União Soviética, conquistado por conta da vitória sobre o nazismo, teve 9,7% dos votos para a Assembleia Constituinte e chegou a arregimentar perto de 200 mil filiados. Este foi o momento de maior representatividade de massas do partido, interrompido em 1947 com nova cassação, tendo que retornar à clandestinidade. Nas décadas de 60 e 70, sofreu dura perseguição e inúmeras e significativas baixas. No final dos anos 70, início dos 80, veio a abertura, mas a volta à legalidade só ocorreu em 1985.

Cinco anos antes da legalização do PCdoB, o PT surgia e já disputava as eleições nos principais municípios em 1982. Fundado tendo por base as Comunidades Eclesiais de Base, nascia com enorme capilaridade nos movimentos sindicais e populares, o que o levou, em menos de 10 anos, a se transformar no maior partido de esquerda. Os comunistas, por outro lado, só puderam aparecer com feição própria cinco anos mais tarde, tendo que disputar a reconquista do terreno perdido nos anos de chumbo e agora ocupado por uma nova corrente, que havia construído fortes ligações com as massas e formado inúmeros quadros com representatividade.

Em condições bem mais favoráveis, o PT cresceu muito mais e mais rápido que o PCdoB.
Com a redemocratização, ganhou centralidade a luta institucional. Enquanto o PT, mesmo com uma visão estreita e até mesmo purista, nos primeiros anos, aproveitava-se de sua grande base e se lançava com chapas próprias em todas as eleições, os comunistas, com menos bases e menos quadros, se via obrigado a disputar por meio de coligações com concentração de votos em poucos candidatos. Somente a partir dos anos 2000, em alguns estados, as chapas próprias começaram a ganhar força, mas como o crescimento partidário foi mais lento e menor que o desejável, o Partido dependeu muito mais do jogo de atração de lideranças para as disputas eleitorais do que da constituição de suas chapas e candidaturas a partir de quadros formados na sua própria base. Pior, em um sistema onde o eleitor vota no candidato e não no partido, em um sistema uninominal, embora a eleição seja proporcional, a condição de elegibilidade passa a ser um fator determinante.

Com menores condições de elegibilidade, passamos a perder mais do que ganhar quadros eleitorais. De certa forma, passamos a ser uma fábrica de candidatos para outros partidos maiores. Com a imposição da Cláusula de Desempenho e o impedimento de coligações tal situação se agravou. Perdemos mais da metade dos vereadores eleitos em 2014 e cerca de dois terços de nossos candidatos migraram para outras legendas para disputar em 2018. Uma mudança profunda, no que diz respeito às políticas de construção partidária, se faz necessária para que possamos reverter esta tendência.

Devemos buscar a superação da Cláusula de Desempenho, caso não seja vitoriosa a aprovação das Federações Partidárias, mas mais que um projeto eleitoral que vise apenas 2022, precisamos de um projeto de construção do espaço dos comunistas na sociedade brasileira. As imposições atuais da legislação eleitoral acenderam o sinal de alerta: é fundamental que sejamos reconhecidos por uma parcela da população como o partido que a representa.

Precisamos pensar a médio e longo prazo, em uma perspectiva de 15 a 30 anos. O PT, mesmo com toda a estrutura das Pastorais e com o caminho praticamente livre, levou quase dez anos para se consolidar.

Projetos eleitorais, a cada eleição, tendo em conta a realidade e o acúmulo do Partido, são fundamentais, mas não bastam para a consolidação de uma representatividade consistente.

Muito menos será suficiente a ação voluntarista na frente de massas. A construção de um projeto de consolidação exige, antes de mais nada, grande capacidade de formulação e planejamento. Não basta definir áreas e frentes prioritárias, é preciso definir metas e objetivos plausíveis. Não basta definir metas e objetivos, é preciso definir as ações necessárias para sua realização. Não basta definir as ações, é preciso definir prazos e responsáveis para cada ação.

Atuar junto às massas mobilizando-as para as lutas mais gerais ajuda na sua politização, mas somente a tradução de nosso programa para cada realidade estadual, municipal e local possibilitará um efetivo enraizamento do Partido e a organização mais sólida das massas tendo a liderança dos comunistas. É preciso abordar de forma concreta as questões que afligem o povo, como saúde, educação, segurança, emprego, mobilidade, segundo a realidade de cada local e tendo os organismos de base como centro de gravidade destas formulações, de forma a envolver lideranças populares nestes debates. Nas esferas estaduais e municipais, é fundamental que as seções da Fundação Maurício Grabois atraiam a intelectualidade, não só para a formulação de plataformas em torno destes temas, mas também para constituirmos massa crítica interna e no entorno do Partido.

 

*Jornalista, filiado ao Partido no DF, base de Brasília.