Ao longo de quase um século de trajetória, o PCdoB no que concerne à orientação tática descreveu ziguezagues, cometeu erros de esquerda e de direita, até atingir a “maturidade” neste quesito que é decisivo para qualquer legenda: ser guiado, em cada situação concreta, em dada correlação de forças, por uma política justa.

Por Adalberto Monteiro*

O “diabo” da dificuldade da tática é saber aferir o pulso da luta de classes, no plano local e mundial, a cada período, a cada circunstância. Calcular a correlação de forças, saber de quanto, realmente, dispomos e comparar nossa envergadura com a estatura do campo inimigo; definir, com exatidão, o objetivo, qual é o “alvo” central, quem integra o leque de aliados, com quem se pode fazer alianças pontuais, como explorar as contradições no campo adversário. As palavras de ordem certeiras, empolgantes, mobilizadoras em determinada circunstância, logo a seguir, são peças de museu às quais o povo reage com indiferença, estranheza e até hostilidade.

O basilar é que toda conduta tática deve estar umbilicalmente atada à estratégia. Tática que negue, ou que nos afaste da estratégia, nos debilita em vez de proporcionar acúmulo de forças; provoca desorientação em vez de nos direcionar ao destino almejado.

De 2003 a 2014 o PCdoB se orientou por uma tática “longeva” para os padrões brasileiros. Ela foi debatida, aprovada, pela 9ª Conferência de junho de 2003. O Programa Socialista aprovado pelo 12º Congresso, em 2009, completou nossa orientação tático-estratégica. O PCdoB apoiou, participou, dos governos Lula e Dilma e em relação a eles procurou preservar sua independência. Batalhou para impulsionar tais governos a transitar do neoliberalismo para um novo projeto nacional de desenvolvimento. Tal projeto, na ótica do Programa Socialista, é o caminho brasileiro para o socialismo.

Portanto, orientação tática para curso concreto da luta política, caminho e rumo.

A tática da 9ª Conferência se revelou, essencialmente, correta, conforme sustenta o projeto de resolução do 14º Congresso. Mas feneceu quando o Golpe de Estado impôs o governo antinacional, antidemocrático e antipopular do impostor Michel Temer.

De modo mais preciso, no início de 2015 quando se irrompeu a escalada reacionária do consórcio golpista, o Partido empreendeu uma flexão tática, que foi aprovada na 10ª Conferência, fixando como núcleo “derrotar o golpe, defender a democracia”.

Quando em agosto de 2016, o impeachment fraudulento é aprovado, consumando o golpe de Estado que depôs a presidenta Dilma Rousseff, aquela flexão tática, também, se exauriu.

E, exatamente, agora, o 14º Congresso é chamado a elaborar uma nova tática consoante à realidade do Brasil pós-golpe. A estratégia consubstanciada no Programa Socialista segue vigente: Nação forte, soberana, como caminho; e transição do capitalismo ao socialismo, como rumo

O Golpe de Estado de agosto de 2016 se constitui de uma grande derrota. Um golpe contra o Brasil e a classe trabalhadora. Em um ano, regrediu-se em décadas em termos de soberania nacional, democracia e direitos.

A realidade de hoje é uma crise institucional na qual os três poderes da República se digladiam, e todos eles, sobretudo o Poder Executivo, caem em descrédito. Tal crise chegou às Forças Armadas, fato que deve ser monitorado, jamais subestimado.

Fez se uma campanha de desmoralização da política, dos partidos, e dos políticos como um todo. Claro: Uma campanha que segue seletiva e direcionada contra a esquerda. A caçada implacável e arbitrária contra o ex-presidente Lula visando a excluí-lo das eleições presidenciais e absolvição de Aécio Neves, chefete do Golpe, pelo Senado Federal são evidências disto.

Mas o fato é que todos os partidos, todas as lideranças existentes na praça sofreram forte desgaste. Há quase quatro décadas o país é regido pela polarização entre dois grandes campos: a direita neoliberal, e a esquerda de amplo espectro programático. Tais campos foram liderados até aqui pelo PSDB e pelo PT respectivamente. Não igualmente, mas ambos foram atingidos pela campanha da Lava Jato contra a política.

Tal cenário eleva a possibilidade, não a certeza, de a direita obter nas urnas a legalidade e legitimidade institucional para implantar um regime neocolonial e ultraliberal ou um governo intermediário a este conteúdo.

Com o prognóstico de que o partido da Lava Jato vai cassar, arbitrariamente, os direitos políticos do ex-presidente Lula, a um ano das eleições agendadas para 2018 há tanto do campo da direita quanto da esquerda, fragmentação e autofagia. Há possibilidade de um número alargado de candidaturas.

Diante desse cenário de dispersão, de fragmentação, a tática do PCdoB ora em debate, no 14º Congresso, é a constituição de um movimento de frente ampla aglutinado em torno de quatro bandeiras: Soberania nacional, democracia, desenvolvimento e progresso social. Na visão do PCdoB, a esquerda – que se encontra ela mesma fragmentada – deve, no curso da luta política concreta, ir construindo sua unidade, para que possa exercer protagonismo na criação desse movimento de união de amplas políticas e sociais: classe trabalhadora, empresariado, intelectualidade, artistas, religiosos, patriotas, democratas, socialistas, comunistas etc.

Mesmo que venham a se configurar – conforme indica a tendência de hoje – mais de uma, ou até várias candidaturas à presidência da República, do campo popular, patriótico e democrático, há que prevalecer uma concepção e uma conduta de frente ampla. Deixemos a direita trocar tiros entre si. Devemos persuadir e dissuadir condutas autofágicas no campo da esquerda e do centro. Uma coisa é a disputa legítima de ideias e projetos, outra coisa é conduta estúpida de voltar “nossos fuzis” contra o nosso próprio campo de aliança.

Em suma, a frente ampla é uma exigência da realidade. Para retirar o Brasil do buraco fundo e imundo ao qual foi atirado pelo Golpe somente a união de amplas forças políticas e sociais. Uma liderança, um único partido, ou mesmo um pequeno grupo de partidos e lideranças, não será capaz disto.

Finalmente, é preciso, desde já, e, sobretudo, mais adiante, à época das convenções eleitorais, uma reflexão fria e objetiva: a depender do elenco geral das candidaturas, a fragmentação da esquerda, embora alicerçada em legítimos anseios, poderá excluí-la do segundo turno.

*Membro do Comitê Central