Por Theófilo Rodrigues*

No último dia 12 de agosto, o Congresso Nacional aprovou uma importante mudança no sistema eleitoral brasileiro: as chamadas federações partidárias. A medida, no entanto, foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 08 de setembro. Agora depende do Congresso Nacional derrubar ou não o veto até o fim de setembro. Caso o veto seja derrubado e as federações passem a valer na eleição de 2022, fica a pergunta: qual a federação que o Partido Comunista do Brasil construirá?

Federações partidárias são alianças nacionais entre dois ou mais partidos estabelecidas no processo eleitoral, mas que vigoram durante todo o mandato de quatro anos. Não são alianças efêmeras, mas sim de médio ou longo prazo. Os partidos continuam existindo com autonomia, mas formam uma federação que funciona como se fosse um novo partido com atuação no Congresso Nacional. Coligações semelhantes já existem em outros países no cenário internacional.

Em Portugal, por exemplo, o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) atuam em uma aliança permanente, desde 1987, denominada Coligação Democrática Unitária (CDU). Também integra a CDU o movimento político Intervenção Democrática. A CDU tem um site próprio e é reconhecida na vida do país como se fosse um único partido.

Na Espanha, a Izquierda Unida é a coligação que reúne desde 1986 o Partido Comunista da Espanha, com outros movimentos como a Esquerda Republicana, o Partido Feminista e os Ecosocialistas, entre outros. Assim como a CDU, a Izquierda Unida também tem um site próprio e é reconhecida pela população. Desde 2016, a Izquierda Unida passou a compor uma coligação com o Podemos – uma coligação dentro da coligação – a Unidas Podemos.

Na França, o Partido Comunista Francês fundou em 2008 a Frente de Esquerda – Front de Gauche – com outros movimentos da esquerda do país. Mas a vida foi mais curta e a Front de Gauche foi dissolvida em 2016 quando Jean-Luc Mélenchon criou La France Insoumise.

No Uruguai, um tipo de coligação desse tipo existe há bastante tempo: a chamada Frente Ampla. A Frente Ampla reúne o Partido Comunista do Uruguai, o Partido Socialista e várias outras organizações do país. Diferentemente dos outros casos mencionados, trata-se da mais clara aliança entre a socialdemocracia e os comunistas.

E aqui no Brasil, como seria a federação do PCdoB? Seria com ambientalistas como em Portugal? Seria apenas com outros partidos de esquerda como na Espanha e na França? Ou seria com a socialdemocracia como no Uruguai?

Uma federação formada pelo PCdoB com partidos como a REDE ou o PV poderia simbolizar uma aliança do socialismo com a questão ambiental e a sustentabilidade. Além de ser a grande agenda do século XXI, essa federação poderia ser capaz de atrair amplas parcelas da juventude interessadas na agenda pós-material. O modelo mais próximo seria o de Portugal.

Já uma federação mais à esquerda, formada apenas com o PSOL, traria aproximações com os modelos espanhol e francês. Essa federação poderia ter duas consequências opostas: por um lado, se tudo desse certo, minimizaria o esquerdismo do PSOL e o PCdoB incorporaria o programa da federação com valores pós-materiais. Por outro lado, se tudo desse errado, a aliança culminaria em crises internas permanentes derivadas do histórico conflito comunistas versus trotskistas. O conceito de “narcisismo das pequenas diferenças” de Freud explica essa possibilidade negativa. Com efeito, é muito incerto avaliar qual das duas consequências ocorreria.

Uma federação entre o PCdoB e a socialdemocracia do PT lembraria a Frente Ampla uruguaia. Essa federação teria duas vantagens. Em primeiro lugar, trata-se de uma aliança que já faz parte da história brasileira desde 1989. São partidos irmãos que atuam juntos no cenário nacional há mais de 30 anos. Em segundo lugar, todas as pesquisas apontam que a base social dos trabalhadores possui grande identificação partidária com o PT e com o campo do ex-presidente Lula. Assim, o PCdoB estaria incorporado em uma federação identificada com a classe trabalhadora que pretende representar. Claro, nem tudo são flores e há desvantagens nessa aliança. Se nas outras possíveis federações o PCdoB poderia disputar protagonismo em pé de igualdade com as demais legendas, nessa há uma assimetria muito grande entre os partidos: o PT é muito maior do que o PCdoB, o que poderia criar obstáculos para o crescimento dos comunistas.

Uma outra possível federação com a socialdemocracia seria com o PSB. Essa federação traria um misto das vantagens de todas as outras. Em primeiro lugar, assim como com o PT, há uma longa trajetória de aliança entre os dois partidos desde 1989. Vale recordar que a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, é vice-governadora em Pernambuco, estado comandado pelo PSB. Também é preciso lembrar que o governador do Maranhão, Flávio Dino, migrou para o PSB de forma amigável com o PCdoB. Em segundo lugar, o PSB é um partido que se apresenta no campo do lulismo, ou seja, no mesmo campo do eleitorado que o PCdoB pretende representar. Em terceiro lugar, o PSB não é tão grande como o PT, o que significa que os comunistas não seriam invisibilizados na federação. Por fim, as agendas pós-materiais e da sustentabilidade também estariam presentes nessa aliança, como atestam as filiações de Alessandro Molon e Marcelo Freixo no PSB.

Claro, há ainda possibilidades alternativas mais complexas como a de uma federação que reúna vários desses partidos como PCdoB, PT, PSB e PSOL.

Em síntese, caso o Congresso Nacional derrube nos próximos dias o veto de Bolsonaro e as federações passem a valer, o grande debate do 15º. Congresso do PCdoB será: com que roupa os comunistas irão? Analisar sem preconceitos todas as possibilidades é um imperativo para esse debate que não é tático, mas sim estratégico para os comunistas.

 

*Cientista político e dirigente do Comitê Municipal do PCdoB no Rio de Janeiro.