Por Valéria Morato*

Para Bolsonaro, há professores em excesso no Brasil. A grotesca conclusão resume bem o projeto de destruição da educação pública e do Estado brasileiro em curso desde o golpe de 2016. Professores em excesso “desviam” recursos do já combalido orçamento das áreas sociais para alimentar a fome insaciável do rentismo, que capturou a nação com apoio expresso dos dois últimos presidentes da República. Vou além: professores em excesso se organizam, filiam-se a sindicatos, exigem democracia, pluralidade e qualidade de ensino, liberdade de cátedra; pagamento de salários dignos (ao menos, o piso nacional) e melhores condições de trabalho.

O projeto ultraliberal e conservador de Bolsonaro almeja, em última análise, transformar os docentes em motoristas de aplicativos educacionais. Nesta lógica, em que o professor recebe pela “corrida”, o objetivo é levar o educando o mais rapidamente possível pelo trajeto já determinado previamente. Quebram-se, assim, de vez, a relação ensino-aprendizagem, a compreensão do processo educacional, o vínculo trabalhista do profissional, a capacidade de diálogo, o contraditório.

Esta versão 4.0 da alienação do trabalho, conceito desenvolvido por Marx, ganhou fôlego com duas obras preparadas sob medida para o mercado pelo engenheiro da “ponte”: a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a contrarreforma trabalhista, ambas de 2017. O BNCC desobriga, a partir do ensino médio, a oferta na grade curricular de disciplinas fundamentais para a formação de seres humanos críticos e dotados de conhecimentos essenciais para a construção de uma nação soberana e desenvolvida. Ao mesmo tempo que exclui estes saberes, o BNCC os oferece ao mercado privado.

A contrarreforma trabalhista não resolveu o problema do desemprego, ampliou a precarização das relações de trabalho, abriu a porteira para a informalidade, reduziu a contribuição previdenciária, atacou frontalmente as organizações sindicais e a Justiça do Trabalho. A bola da vez é a estabilidade dos servidores públicos e a prestação de serviços essenciais como a saúde e a educação, ameaçadas pela PEC 32/2020.

É contra este imenso conjunto de retrocessos que os comunistas e as forças progressistas lutam, no campo da educação, numa quadra de muita resistência, mitigação de danos e algumas poucas, mas importantes vitórias, como a aprovação do Fundeb. Reconstruir as bases de um plano nacional de educação que sustente um projeto de desenvolvimento da nação será complexo e de longa duração. Derrotar Bolsonaro, tarefa central dos comunistas, é um primeiro passo para reverter o ultraliberalismo genocida do período 2016/2022.

Outro desafio, não menos importante, é derrotar o rentismo e suas expressões ideológicas na educação: a oferta do conhecimento fracionado por demanda, o rebaixamento do professor a condição de “tutor”, a “eficiência” e a “qualidade” da gestão e do ensino privado. Nosso embate deve levar em conta também as atualizações bolsonaristas da educação tecnicista, nas figuras da “escola sem partido”, do “homeschooling” e de outros instrumentos insidiosos de ataque ao conhecimento, à educação como direito coletivo, e à liberdade de cátedra.

É nesta frente ideológica que precisamos recuperar terreno e traduzir para o povo e para os setores médios da sociedade qual é o nosso projeto nacional de desenvolvimento e como um plano de educação e de fomento ao conhecimento tecnológico, conectado a este projeto, pode garantir que nação e povo experimentem um ciclo inédito e contínuo de crescimento econômico. Compreende-se aqui, por desenvolvimento, a capacidade de um país intensificar sua industrialização com bens e serviços sofisticados, que demandem cada vez mais tecnologia e conhecimento. No caso brasileiro, retomar a industrialização interrompida desde a década de 1980 e romper de vez as amarras da dependência ao capital financeiro.

Quanto mais um país se industrializa, maior será sua condição de gerar riquezas, distribuir renda e aumentar o padrão geral de vida da sociedade através da valorização do trabalho. Para essa roda girar, serão necessários constantes e volumosos investimentos na economia, sob a liderança do Estado, que articulará os demais interesses (do mercado financeiro, do capital privado produtivo e da sociedade) de acordo com o pacto celebrado em torno deste projeto nacional. Economias sofisticadas precisam de cientistas, pesquisadores e profissionais de ponta em todas as áreas, centros de pesquisa, rede de escolas públicas equipadas e conectadas, professores bem formados e remunerados, alunos motivados (e bem alimentados) e grade curricular mais ampla e diversificada.

Esta ligação direta entre industrialização e conhecimento pode ser a chave para que nossas propostas dialoguem com amplos segmentos sociais e desviem de falsas polarizações (como o debate de questões morais) e dicotomias (educação para o mercado versus educação para a emancipação humana). Podemos detalhar este processo virtuoso demostrando na prática como a articulação entre um robusto projeto de industrialização, investimentos e políticas públicas em educação, ciência e tecnologia levam benefícios para o chão da fábrica, para a sala de aula e para mesa de casa.

Entendo que esta formulação qualificaria nosso projeto nacional de desenvolvimento, dando forma a uma espécie de mapa estratégico do conhecimento aplicado ao crescimento nacional, potencializando vocações regionais e setores econômicos. Este plano poderia, por exemplo, propor políticas públicas e de subsídios econômicos que integrem nosso parque tecnológico, agências de fomento, bancos de desenvolvimento e centros de pesquisas, universidades e rede pública de ensino.

Participamos de diversos fóruns, níveis de administrações e compusemos o governo central de 2003 a 2016; temos quadros nas áreas de educação, economia, gestão, ciência, tecnologia e inovação, entre outras. Nossa elaboração é avançada e profunda e sempre aberta a contribuições de especialistas das mais variadas correntes.

Neste aspecto, vale destacar o papel essencial da Fundação Maurício Grabois no fomento do debate e da consolidação de nossas posições nos mais variados temas. A fundação poderia liderar este esforço para promover congressos, seminários e outras iniciativas que dessem corpo a este mapa intersetorial e interdisciplinar, que poderá, inclusive, subsidiar programas de governo do partido e das forças progressistas já nas eleições de 2022.

 

*Presidenta do Sinpro Minas e da CTB/MG; vice-presidente nacional da CTB e membro do Comitê Central do PCdoB.