O percurso analítico-descritivo feito sobre a Amazônia revela que ela se insere na agenda do governo federal no sentido da integração ao território nacional e numa perspectiva conservadora/centralizadora, pelo alto, na medida em que a sociedade brasileira e suas representações políticas, assim como as instituições do estado na região, não foram convidadas para o banquete e quase nada sua população se beneficiou de seus ganhos.

Por Durbens M. Nascimento*

Ainda que na administração popular e de centro-esquerda do presidente Lula os Planos de Desenvolvimento Sustentável como os do Marajó, Xingu e Tocantins no âmbito do Programa Amazônia Sustentável tivessem sido criados sob uma premissa metodológica participativa, a execução não logrou continuidade em razão das contingências políticos-eleitorais e gestão de governo. Governos estaduais responsáveis pela implantação, configurados a partir de outras perspectivas políticos-partidárias engavetaram esses planos o que sugere argumento favorável a nossa hipótese de que a questão nacional no que se refere aos destinos da Amazônia, no plano do federalismo, é premissa para recolocá-la em um novo projeto de desenvolvimento, em curto prazo. Mesmo assim, não há motivos para se acreditar que, caso mantivessem as coalizões de governos na gestão estadual ou municipal, as burocracias nessas escalas federativas estariam empenhadas e capacitadas para executá-los. Estudos revelam a falência das estruturas administrativas dos governos estaduais e das prefeituras na Amazônia.

Ninguém reivindica o separatismo ou a construção de uma província diferente do resto do mundo, ou do resto do Brasil. Não se trata disso. Tampouco propõe-se a federalização da Amazônia como alternativa para a mudança no curso de seu desenvolvimento. Mas se trata, sobretudo, de avaliar quais os obstáculos e dificuldades que nós temos tido no sentido organicamente de atender demanda políticas e sociais na Amazônia, com efeitos para o Brasil.

Mas as soluções conservadoras em curso sequer foram alteradas no governo do presidente Lula e da presidenta Dilma. Com raríssimas exceções experimentou-se algum tipo de gestão federal por meio de políticas de desenvolvimento, cujo formato institucional e jurídico permitiu algum canal político com setores externo à coalizão governista, no qual constava consultar à sociedade por meio de conselho e/ou consultas públicas.

Contudo, os planos de desenvolvimento regional, Marajó, Xingú ou Tocantins, embora basicamente focado nas estruturas militantes dos partidos da base aliada, buscou a participação dos atores sociais e políticos que estão na Amazônia, como prefeitos, movimentos sociais, sindicatos e outras organizações da sociedade civil, e também representantes do setor privado.

Mais do que isso, o lugar Amazônia pressupõe uma discussão maior, evidentemente nacional e internacional porque envolve também a parte que não é brasileira, então, ela extrapola as fronteiras nacionais. Eu vejo uma dificuldade no sentido de tratar a Amazônia apenas no espaço nacional. Nós temos agora um avanço nesse processo de transfronteirização e de integração na América do Sul e a Amazônia tem que ser pensada, também nessa perspectiva.

O debate sobre um novo pacto federativo é importante porque, o processo de formulação de políticas públicas se dá no plano do Estado Nacional, estão se dando no plano da União. É preciso reverter essa lógica, é necessário discutir o papel desses entes federativos, dos estados e dos municípios no processo decisório, na tomada de decisão sobre as políticas públicas, formulação e execução na e para a Amazônia. A continuidade dessa lógica substancialmente na construção política reforça ainda mais o hiato entre o Brasil e a Amazônia.

A meu ver, e tenho avançado nisso, a chave para definirmos melhor o papel da Amazônia no processo de integração nacional consiste na construção de um novo projeto de desenvolvimento que repense e supere os gargalos sociopolíticos no plano das competências, das atribuições e das prerrogativas dos estados e dos municípios visando investimentos no desenvolvimento regional e local sob o comando e protagonismos de forças políticas de esquerda.

A representação política da federação, tanto no nível proporcional como no nível do senado, a meu ver, é fator institucional, político e econômico que entrava qualquer avanço na mudança do formato do estado brasileiro. Sua radical transformação permitiria abrir possibilidades para abordar a Amazônia mantendo sua identidade e tradições, cujo planejamento atenda aos interesses do conjunto da população que mora na região, e que atenda também os interesses nacionais. Portanto, o debate é nacional, alguns desses entraves são nacionais, e qualquer outra estratégia esbarra nessas dificuldades, que são obstáculos na macroestrutura política e econômica do Brasil entre elas o federalismo atual que facilita a reprodução das desigualdades na Amazônia.

É necessário avançar no desenvolvimento da discussão para alterar os rumos do desenvolvimento da Amazônia, mas eu penso que essa discussão tem relação direta o projeto de sociedade que queremos. Eu não vejo nenhuma possibilidade de construirmos uma nação avançada, democrática, popular e socialista com avanços sociais significativos e, consequentemente, com mitigação das desigualdades regionais e com o protagonismo no cenário internacional para a defesa de sua população mais pobre, se não passar por um projeto de inserção da Amazônia. Então, os problemas locais identificados em quaisquer diagnósticos, qualquer tipo de avaliação que se faça, encontra limite no modo nacional de gestão de governo se não mobilizarmos a sociedade brasileira para o papel dela na construção de uma pátria democrática e socialista.

Finalmente, essa singela contribuição, revelada em três artigos, ao 14º Congresso do PCdoB residiu em abordar questões-problemas relevantes, bem como soluções a fim de valorizar o protagonismo militante de seus atores sociais e políticos comprometidos e engajados com a organização na perspectiva democrático-popular e socialista. Reconheço o alcance e a complexidade da questão formulada o que exigiria mais espaço para aprofundamento; porém, penso ter adiantado elementos científicos importantes para a emergência da inclusão da Amazônia no projeto de desenvolvimento, bem como no Programa Socialista a médio e longo prazo.

*UFPA – Organização de Base