Avesso a críticas moralistas e empenhado em desvendar o processo de acumulação-reprodução capitalista, Marx nos mostra que o capital industrial (incluido o aplicado à produção agrícola capitalista) é o único que cria valor, mas que ele necessita que uma parte do capital disponível seja utilizado no processo de circulação das mercadorias (capital comercial) e na esfera da circulação monetária (capital financeiro). Inclusive, lhes cede uma parte da mais-valia extraída, para não desviar os seus capitais para tarefas fora da produção.

Por Raul Carrion*

Em O Capital, analisando a circulação monetária, Marx mostra que “o dinheiro executa movimentos puramente técnicos no processo de circulação do capital industrial (…) esses movimentos, ao se tornarem função autônoma de um capital particular (…) transformam esse capital em capital financeiro. (…) Esse trabalho representa custo de circulação e não cria valor. (…) administrados para toda a classe capitalista não precisam ser tão grandes quanto teriam de ser se a administração deles fosse incumbência particular de cada capitalista.

Assim como identifica o papel do capital financeiro no processo global de reprodução do capital – reduzindo custos, elevando sua velocidade de rotação e potencializando o uso dos capitais “vadios” dispersos –, Marx nos indica a sua tendência inata à especulação: “O objetivo dos bancos é facilitar os negócios. Tudo o que facilita os negócios facilita a especulação. Em muitos casos, negócios e especulação se entrelaçam tanto que é difícil dizer onde acaba o negócio e onde começa a especulação”. (Idem)

No capítulo Crédito e Capital Fictício, de O Capital, Marx nos indica como a ampliação do crédito gera uma enorme especulação com letras bancárias (promessas de pagamento), uma das formas do capital fictício: “a especulação com o desconto de letras (…) tornou-se agora metade dos negócios (…) mais importantes do centro financeiro – isto é, do mercado londrino de dinheiro.

Mas, se isso já ocorria quando o capital produtivo era hegemônico e subordinava o capital financeiro, Lenin, em sua obra Imperialismo fase superior do capitalismo, nos mostra que na fase imperialista – quando o capital financeiro subordina por completo os capitais industrial e mercantil – o rentismo prevalece sobre a produção:

O que é característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o capital financeiro. (…) um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista. (…) É próprio do capitalismo (…) separar a propriedade do capital da sua aplicação à produção, separar o capital-dinheiro do industrial ou produtivo, separar o rentier – que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital-dinheiro – do empresário e de todas as pessoas que participam diretamente na gestão do capital. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo (…) em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira (…) os lucros principais vão parar nas mãos dos ‘gênios’ das maquinações financeiras.”

O neoliberalismo elevou o domínio do capital financeiro – rentista, parasitário e especulativo – à sua enésima potência. E nele, nos dias de hoje, prevalece de forma absoluta o capital fictício, sem vínculo direto com a produção real de riqueza.

Assim, calcula-se que em 2013 – para um PIB mundial de 76 trilhões de dólares – existiam 711 trilhões em derivativos e 285 trilhões em ativos financeiros, totalizando quase mil trilhões de dólares. Ou seja, o capital fictício era 13 vezes superior à produção real de riqueza. Dinheiro aplicado em “papéis” ao invés de atividades produtivas, mas rendendo três vezes mais que estas.

Para sustentar essa ciranda financeira, jogam importante papel as dívidas públicas dos Estados Nacionais – pagas pelos cidadãos através de altos impostos e das mais perversas políticas de austeridade – e o crescente endividamento das famílias, extorquidas em seus rendimentos pelos financistas.

No Brasil, entre 2003 e 2016, só em juros da dívida pública, foram transferidos 3 trilhões de reais para o sistema financeiro. Se além dos juros acrescentarmos as amortizações, foram repassados aos banqueiros, entre 2009 e 2016, 7 trilhões, 44% do Orçamento da União nesses 8 anos.

Frente a tal rapina dos recursos públicos, Lula e Dilma foram forçados a manter, entre 2003 e 2014, superávits primários superiores a 3% do PIB, exclusivamente para pagar os banqueiros. Como nem assim foi possível pagar tudo o que os bancos exigiam, precisaram refinanciar permanentemente a dívida, submetendo-se aos juros e às condições impostas pelos banqueiros. E apesar dos trilhões pagos, a dívida saltou de 630 bilhões, em 2003, para 3,4 trilhões de reais, em 2017.

Mas o capital financeiro não asfixia só as finanças públicas. Garroteia também o consumo das famílias – cujo endividamento passou de 19% para 45% da renda entre 2005 e 2016 –, com juros extorsivos que vão de 105% a 480% (no cartão de crédito). Já as empresas são escorchadas pelos bancos privados com juros de 24% para o capital de giro e de 35% para desconto de duplicatas.

Assim, em 2016 a dívida das pessoas físicas e jurídicas alcançou 3,1 trilhões, drenando para o sistema financeiro 800 bilhões em juros. Somando-se os 502 bilhões de juros que a União pagou em 2015 ao sistema financeiro, chegaremos a 1,3 trilhões – 21,7% do PIB – que ao invés de alavancar a produção são transferidos a cada ano aos rentistas.

Portanto, o maior obstáculo ao desenvolvimento nacional, o principal causador das dificuldades por que passa o povo brasileiro é o grande capital financeiro – nacional e internacional. Sem enfrentá-lo é impossível implementar um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, caminho para o socialismo no Brasil.

Pergunto: nesses 14 anos de Lula e Dilma houve esse enfrentamento? Denunciou-se o grau de espoliação a que o país está submetido pelo capital financeiro? Foi exigida a auditoria dessa dívida, conforme determina o art. 26 do ADCT da CF? Ou prevaleceu a mais ampla conciliação de classes, inclusive com o capital financeiro? Temos tratado esse tema com a importância e a profundidade exigidas?

São questões que o 14º Congresso deve responder.

*Membro da Comissão Política do PCdoB/RS, Presidente da FMG/RS