O motivo de minha intervenção é de caráter elucidativo para as novas gerações de militantes do PCdoB que volta e meia se deparam em debates com o senso comum, e nem sempre conservador, de que o marxismo defenderia uma forma ditatorial de Estado. Essa confusão é secular, já vem desde o debate de Marx contra os anarquistas a exemplo de Bakunin, e depois durante a II Internacional entre as correntes reformistas e as revolucionárias, particularmente Bernstein e Kautsky de um lado, Rosa Luxemburgo e Lenin do outro. Não vem ao caso aqui defender o uso aberto desse conceito no programa do Partido, e muito menos explicitá-lo nos programas de TV pois sabemos que no dia seguinte possivelmente o MPF estaria pedindo a cassação do partido por advogar uma forma de governo ditatorial em oposição ao Estado Democrático de Direito, ferindo assim uma clausula pétrea constitucional. Contudo, se faz necessário um esclarecimento quanto ao significado desse conceito central na obra de Marx e do marxismo.

Por Luiz Eduardo Motta*

A Ditadura do Proletariado (DDP) é, com efeito, um conceito que rompe com a definição do Estado moderno no qual o define pela separação de poderes e pela regência do direito constitucional formal, impessoal, e de caráter universal. Seria, portanto, neutro em relação aos conflitos sociais. Para Marx essa definição é falsa já que o Estado além de ter um conteúdo de classe este seria fundado pela força e não por uma projeção racional como defende o pensamento liberal de Locke.

Marx na sua análise sobre a Comuna retoma aspectos já abordados anteriormente n’O 18 Brumário de Luís Bonaparte como a centralização de poder do Estado capitalista, o papel da sua estrutura repressiva, e os efeitos ilusórios do parlamento. A Comuna rompe com o modelo do Estado moderno burguês ao extinguir o exército, com os comunardos no controle das armas, e com o fim da chamada “divisão” de poderes. Para Marx “a Comuna devia ser não um corpo parlamentar, mas um órgão de trabalho, Executivo e Legislativo ao mesmo tempo. Em vez de continuar a ser o agente do governo central, a polícia foi imediatamente despojada de seus atributos políticos e convertida em agente da Comuna, responsável e substituível a qualquer momento”. Além da democracia direta e do controle dos aparatos repressores pela população, a educação tornou-se efetivamente pública, sem a ingerência da Igreja e do Estado capitalista. E a própria ciência “se libertava dos grilhões criados pelo preconceito de classe e pelo poder governamental”.

Ao acabar com o exército e com o funcionalismo público “a Comuna tornou realidade o lema das revoluções burguesas: o governo barato. (…) A Comuna dotou a República de uma base de instituições realmente democráticas. Mas nem o governo barato, nem a ‘verdadeira República’ constituíam sua finalidade última. Eles eram apenas suas consequências.(…) Eis o verdadeiro segredo da Comuna: era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta de classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito a emancipação econômica do trabalho”. A experiência da Comuna parisiense expressava de fato algo completamente novo, inclusive para os dias atuais: a descontinuidade com a modernidade burguesa e do Estado capitalista, e a constituição de novas práticas políticas oriundas dos setores subalternos da sociedade, com o controle do aparato repressivo e com a participação política direta. De fato, até então, não havia na modernidade burguesa algo que se assemelhasse a essa experiência da Comuna de Paris. Em suma: a ditadura do proletariado para Marx tratava-se de algo completamente diferente das formas de governo ditatoriais, já que os aparatos do Estado eram controlados pelas mais amplas camadas da população, e não por um pequeno grupo como é na definição clássica de Estado ou governo ditatorial.

*Militante do PCdoB e professor de Ciência Política da UFRJ