Como contribuição ao debate para a “1ª Conferência de Combate ao Racismo do PCdoB”, gostaria de abordar sobre a situação da população negra nas propriedades rurais e engenhos e a luta para expurgar velhas práticas que ficaram da cultura escravista, tanto física, quanto psicológica.

Entre 1888 e meados da década de 50, pouquíssimas notícias sabia-se dessa população, que, até 1962, fora proibida de criar sindicatos rurais, tamanho era o peso político da aristocracia rural sobre os poderes que compunham o Estado brasileiro.

A relação de trabalho que foi construída entre latifundiários e donos de engenhos com as ex-escravas e ex-excravos era desumana, onde ficavam nas terras, mas eram obrigados a trabalhar quatro a cinco dias de graça para o proprietário e, para sobrevivência deles, podiam plantar cultura de subsistência em torno das suas casas de barro e telhados de palhas, para sustentar suas famílias. No feudalismo esse tipo de relacionamento laboral era conhecido como “corvéia”, no campo brasileiro chamava-se de “cambão”, que recebia outros nomes conforme as regiões: “sujeição”; “obrigação”; “condição”; “diária”, etc.

            A camponesa e o camponês não tinham sobrenome, porque habituaram-se a serem identificados como “Maria de Seu João”, ou “Manoel de Seu Coutinho”, tamanha era a servidão. Quando um deles cometiam um erro no trabalho ou fizesse algo que o proprietário não gostasse, era punidos com chicotadas dadas por jagunços ou por ele mesmo ou colocados sob tortura num “caboco” (colocação da vítima num tanque escuro com água até o pescoço). As mulheres negras e suas filhas eram vítimas de estupros por parte do patrão ou dos filhos destes.

            O Partido Comunista do Brasil, desde 1946, já denunciava essa situação e apontou para criação de Ligas Camponesas na sua III Conferência Nacional, baseada na experiência de Ligas Camponesas existentes na área rural do Triângulo Mineiro, Pernambuco e São Paulo. A orientação do partido era de que fizesse um levantamento da realidade desses camponeses e

Em torno da luta por essas reivindicações é que podemos fortalecer e criar novas células rurais e de fazenda, e, ao mesmo tempo, organizar as massas camponesas em associações as mais amplas possíveis, como ligas, sociedades e cooperativas. Deve igualmente o Partido dar máxima atenção à assistência jurídica aos camponeses vítimas da exploração brutal dos grandes fazendeiros reacionários (SILVA, p. 218, 2003).

            No Estado da Paraíba, mais precisamente em Campina Grande, o Partido Comunista do Brasil realizou, nos primeiros anos da década de 50, a I Conferência dos Assalariados Agrícolas e Camponeses Pobres do Nordeste, reunindo 300 militantes de vários estados para debater e aperfeiçoar a luta por criação de Ligas Camponesas – legalmente, Associação de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas ou Sociedade de Agricultura e de Criação de Plantadores, dependendo do Estado.

            Com a eclosão da luta pelo direito do foro, a partir do Engenho Galiléia, em Pernambuco, o entusiasmo contaminou os estados vizinhos, onde o Partido Comunista do Brasil passou a organizar, formar e mobilizar milhares de camponeses para derrubar a relação de trabalho semifeudal e a opressão os quais eram submetidos. Foi uma das páginas mais bonitas da luta no campo da história do Brasil. Milhares de camponeses, dirigidos por suas Ligas, ocupavam fazenda por fazenda, engenho por engenho, exigindo o fim do trabalho gratuito (“cambão”), fim dos castigos corporais e dos abusos sexuais às suas esposas e filhas. Só saiam da terra ocupada quando o proprietário se comprometia com suas reivindicações.

            Diante dessa nova realidade, o governo de João Goulart criou postos de saúde, chamados de SAMDU, para dar assistência médica aos camponeses. O método de alfabetização do jovem Paulo Freire era utilizado em escolas precária na zona rural, por alguns governos do Nordeste, em especial, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, para ensinar a ler e escrever aquela população que nunca tiveram direito a algum programa social do Estado.

            A represália dos latifundiários ao movimento camponês foi de uma violência brutal. Muitas lideranças tiveram suas vidas ceifadas, dentre elas, a de maior repercussão nacional e internacional, foi o assassinato do líder camponês paraibano João Pedro Teixeira, um negro, filiado no Partido Comunista do Brasil desde final da década de 40.

            Como forma de expulsar os camponeses de suas terras, os proprietários rurais se reuniam e, durante à noite, tocava fogo nos casebres dos camponeses e destruíam suas plantações. O professor Cláudio Santa Cruz Costa, em entrevista ao jornal paraibano “A União”, relembra esses acontecimentos:

Camponeses e moradores eram expulsos das terras, as casas de palha queimadas e as pequenas lavouras de subsistência confiscadas sem a menor indenização. Os programas geralmente se realizavam à noite, quando famílias inteiras eram despertadas pelas tochas incendiárias sem o menor aviso prévio. E lá se iam, pelas madrugadas, em demanda do horizonte, o pequeno rebanho apavorado. Eram mulheres e crianças que gemiam e que choravam, deixando para trás o tugúrio em chamas (LEMOS, SILVA. p. 20, 2013)[1]

            Em seu livro “Camponeses Em Marcha”, Cezar Benevides também teve a compreensão de que os latifundiários tentaram, em vão, acabar com o crescente movimento camponês, pela eliminação de suas lideranças:

(..) os latifundiários do Grupo da Várzea acreditavam destruir o ideal de libertação da massa camponesa silenciando vozes e combatendo as ideias de suas lideranças extinguindo fisicamente as pessoas que as pregavam. Enganaram-se os proprietários na sua lógica. Mal desaparecia um líder camponês, imediatamente despontava outro. Formara-se uma escola rústica de lideranças e os trabalhadores do campo entravam na história do Brasil pelo holocausto de seus mártires.

            Depois de conquistado o fim do cambão, os camponeses levantaram a bandeira pela reforma agrária, “na lei ou na marra”, como bem defendia o deputado pernambucano Francisco Julião. A luta de classe no nordeste estava tão acirrada, que que chamou a atenção do governo americano, o qual informou ao presidente João Goulart a pretensão da visita do presidente Jonh Kennedy[2] dos Estados Unidos ao Nordeste, particularmente, no município paraibano denominado de Sapé, que possuía a maior Liga Camponesa com 10 mil filiados.

            O golpe civil-militar de 31 de março de 1964 reuniu o latifundiário, seus capangas, soldados das polícias militares e do exército para perseguir, prender, torturar e matar as lideranças camponesas, como foram os casos de João Alfredo Dias (Nego Fuba) e Pedro Fazendeiro, paraibanos e primeiros desaparecidos políticos no Brasil após o golpe de 64.

            Sob a ditadura militar, os proprietários de terra, donos de engenhos e de usinas utilizaram seus capangas e soltados das polícias militares para expulsar os camponeses de suas terras, compelindo-os a aumentar os bolsões de pobrezas das cidades.

BIBLIOGRAFIA

SILVA, Waldir Porfírio da Silva. Bandeiras Vermelhas: a presença dos comunistas na Paraíba (190-1960). Editora Texto Arte. João Pessoa/PB, 2003.

LEMOS, Francisco de Assis; SILVA, Waldir Porfírio da Silva. João Alfredo Teixeira: A saga de um mártir. Editora da UEPB, João Pessoa/PB, 2013.

BENEVIDES, Cezar. Camponeses em Marcha. Editora Paz e Terra, 1985.


[1] Entrevista ao jornal “A União, que circulou em edição do dia 27 de março de 1994.

[2] O presidente Goulart e o Itamarati se reuniram com o consulado americano para tratar da visita de Kennedy, assassinado poucos meses antes da data marcada para desembarcar na Paraíba.

*Secretário de Organização do PCdoB da Paraíba. Escritor, advogado e psicólogo.