Vazamento desmascara Zelensky, que ambiciona avançar sobre a Rússia
Enquanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, viaja pela Europa repetindo a retórica de um país vítima de um ataque despropositado que precisa de ajuda para se defender, suas comunicações internas com os principais assessores e líderes militares revelam um homem agressivo, capaz de jogo sujo para avançar sobre o território russo.
Os documentos obtidos com exclusividade pelo The Washington Post, fazem parte de um vazamento mais amplo de segredos dos EUA divulgados na plataforma de mensagens Discord. Mostram também que o Pentágono, de onde vieram os documentos, está ciente de toda a movimentação e intenções do governo ucraniano, inclusive das ameaças de atacar a Rússia, que a Casa Branca evita.
Embora o The Post destaque os temas relativos a condução de Zelensky para a guerra, o vazamento vai muito além, e como já ocorreu em outros casos, pode criar problemas diplomáticos para além da região da Península da Crimeia. Mostra a preocupação dos americanos com a fragilidade da defesa aérea na Coreia do Sul e em Taiwan, por exemplo, ou vínculos militares entre Emirados Árabes e China. O Pentágono está ciente de que a Rússia tem fôlego para, ao menos, mais um ano de guerra, e preocupa-se com ameaças espaciais da Rússia e da China.
Os vazamentos revelaram a preocupação da agenda global do presidente Biden com o fato das principais nações em desenvolvimento evitar o impasse cada vez maior entre os Estados Unidos, a Rússia e a China e, em alguns casos, explorar essa rivalidade para seu próprio ganho. Os documentos citam Índia, Brasil, Paquistão e Egito.
Face pública e privada
O vazamentos revelam um Zelensky que contrasta com sua imagem pública do estadista calmo e devotado ao seu povo, resistindo ao ataque brutal da Rússia. As revelações foram obtidas por meio de comunicações digitais interceptadas, fornecendo uma visão rara das deliberações de Zelensky em meio a barragens de mísseis russos, ataques à infraestrutura e crimes de guerra.
Ele tem conquistado a confiança dos governos ocidentais ao se recusar a usar as armas que fornecem para ataques dentro da Rússia e priorizar como alvo as forças russas dentro das fronteiras da Ucrânia.
Mas a portas fechadas, o líder da Ucrânia propôs ir em uma direção mais audaciosa – ocupando aldeias russas para ganhar vantagem sobre Moscou, bombardeando um oleoduto que transfere petróleo russo para a Hungria, um membro da OTAN, e ansiando em particular por mísseis de longo alcance para atingir alvos dentro das fronteiras da Rússia.
Segundo o jornal americano, quem vazou centenas de páginas de informações classificadas de inteligência militar foi Jack Teixeira, um jovem membro da Guarda Aérea Nacional de Massachusetts, que está preso. Ele compartilhou os documentos com um pequeno círculo de amigos na plataforma de bate-papo Discord.
Longe da paz
Os documentos revelam profundas preocupações sobre a trajetória da guerra e a capacidade de Kiev de travar uma ofensiva bem-sucedida contra as forças russas. De acordo com uma avaliação da Agência de Inteligência de Defesa, entre os documentos vazados, “as negociações para encerrar o conflito são improváveis durante 2023”.
Os arquivos incluem resumos de inteligência e conversas de alto nível entre líderes mundiais, bem como informações sobre tecnologia de satélite avançada que os Estados Unidos usam para espionar. Também incluem inteligência sobre aliados e adversários, incluindo Irã e Coreia do Norte, bem como Grã-Bretanha, Canadá, Coreia do Sul e Israel.
Raiva da Hungria
Em alguns casos, Zelensky é visto restringindo as ambições de seus subordinados; em vários outros, é ele quem propõe ações militares arriscadas.
Em uma reunião em meados de fevereiro com a vice-primeira-ministra Yuliya Svrydenko, Zelensky sugeriu que a Ucrânia “explodisse” o oleoduto Druzhba, construído pelos soviéticos, que fornece petróleo à Hungria. “Zelenskyy destacou que … a Ucrânia deveria simplesmente explodir o oleoduto e destruir a provável indústria húngara do [primeiro-ministro] Viktor Orban, que é fortemente baseada no petróleo russo”, diz o documento.
Ao detalhar a conversa, oficiais de inteligência admitem que Zelensky estava “expressando raiva contra a Hungria e, portanto, poderia estar fazendo ameaças hiperbólicas e sem sentido”, uma qualificação que não acompanha os outros relatos de Zelensky sugerindo uma ação militar ousada. Embora a Hungria seja nominalmente parte da aliança ocidental, Orban é amplamente considerado o líder europeu mais amigo do Kremlin.
O risco nuclear
Zelensky não se intimidou diante das revelações, e afirmou que será capaz das mesmas práticas que critica na ofensiva russa. Durante uma entrevista ao The Post em Kiev, o presidente rejeitou as alegações de inteligência dos EUA como “fantasias”, mas defendeu seu direito de usar táticas não convencionais na defesa de seu país.
“A Ucrânia tem todo o direito de se proteger e estamos fazendo isso. A Ucrânia não ocupou ninguém, mas vice-versa”, disse Zelensky. “Quando tantas pessoas morreram e houve valas comuns e nosso povo foi torturado, tenho certeza de que teremos que usar todos os truques.”
O uso de mísseis de longo alcance para atingir o interior da Rússia é um tema particularmente delicado para a Casa Branca, que há muito teme que o conflito na Ucrânia possa ficar fora de controle e forçar um impasse catastrófico entre os Estados Unidos e a Rússia, a maior potência nuclear do mundo.
Embora Washington tenha dado a Zelensky bilhões de dólares em armamento avançado, o presidente Biden rejeitou o pedido do líder ucraniano de mísseis de longo alcance, capazes de atingir alvos a até 300 km de distância. Desde o início da guerra, Biden disse que os Estados Unidos “não estão encorajando ou permitindo que a Ucrânia ataque além de suas fronteiras”. Questionado, Zelensky diz que não deu ordens neste sentido, negando as intenções reveladas pelos documentos.
Na semana passada, a Grã-Bretanha se tornou o primeiro país ocidental a fornecer à Ucrânia mísseis de longo alcance. O Storm Shadow, um sistema de mísseis de cruzeiro com capacidade furtiva, tem um alcance de 250 km, excedendo em muito o alcance de 80 km dos lançadores HIMARS fornecidos pelos EUA.
Zelensky disse acreditar que os Estados Unidos não estão enviando as armas porque não confiam em Kiev. “Acho que eles têm medo de que possamos usá-los no território da Rússia”, disse Zelensky ao The Post, reafirmando sua intenção defensiva.
Embora não haja indicação de que a Ucrânia tenha usado mísseis ocidentais para atacar o território russo, o mesmo não pode ser dito sobre o uso de drones armados por Kiev.
Explosões causadas por veículos aéreos não tripulados tornaram-se uma ocorrência regular na Rússia, inclusive em Rostov, onde um drone caiu em uma refinaria de petróleo neste mês. As autoridades ucranianas costumam ser discretas sobre os incidentes, insinuando que são responsáveis sem assumir o crédito diretamente.
A Rússia acusou este mês a Ucrânia de encenar um ataque de drones com o objetivo de matar o presidente Vladimir Putin no Kremlin. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram dois drones avançando em direção ao Kremlin. A alegação foi negada com veemência por autoridades ucranianas, incluindo Zelensky.
(por Cezar Xavier)