PARTE III: A COMUNICAÇÃO REVOLUCIONÁRIA NA ERA DIGITAL, LIÇÕES LENINISTAS PARA O PCdoB

Agitação, Propaganda e o Labirinto Algorítmico

O dirigente comunista abre o aplicativo. Verifica os likes, compartilha um card colorido sobre as contradições do capital, responde alguns comentários. Fecha o telefone satisfeito: cumpriu sua cota diária de comunicação política. Enquanto isso, a militância de base aguarda orientações que não chegam, as células partidárias definham sem material de formação, e os trabalhadores da sua região jamais ouviram falar do programa do PCdoB.

Esta cena, repetida cotidianamente em dezenas de diretórios pelo Brasil, ilustra uma das mais perigosas armadilhas do colonialismo digital: a ilusão de que comunicação revolucionária se resume à presença nas redes sociais. Lenin revolve no mausoléu. Gramsci gira no túmulo.

O Que Fazer Digital: Retomando os Conceitos Clássicos

Lenin estabeleceu com precisão cristalina a diferença entre agitação e propaganda: “O propagandista inculca muitas ideias em uma única pessoa ou em um pequeno número de pessoas; o agitador inculca apenas uma única ideia, ou um pequeno número de ideias, em troca, inculca-as em toda uma massa de pessoas”. A propaganda visa à formação teórica dos quadros. A agitação busca mobilizar as massas para a ação concreta.

Lenin exigia dos propagandistas do partido “saber estar sempre com as massas, mas nunca marchar a reboque delas”. Orientar sem ser dirigista. Formar sem ser pedagogo. Agitar sem ser populista. Cada palavra da propaganda de Lenin “estava imbuída de ardente amor aos trabalhadores e do ódio irredutível aos exploradores”.

Compare isso com a comunicação digital contemporânea do PCdoB. Cards genéricos sobre capitalismo, datas comemorativas, aniversários de dirigentes (estilo coluna social), convocação para debates reuniões (sem o reforço corpo a corpo). Posts repetindo jargões vazios. Threads intermináveis que ninguém lê até o fim. Onde está o amor concreto aos trabalhadores? Onde está o ódio dirigido aos exploradores específicos?

A Ilusão da Tribuna Democrática Digital

As plataformas digitais vendem-se como espaços democráticos onde “todos podem falar”. Mentira algorítmica. O imperialismo digital criou a mais sofisticada máquina de filtramento jamais vista: todos podem falar, mas só alguns podem ser ouvidos. Os meios de comunicação de massa atuam no sentido de “inculcar a ideologia que dá sustentação” ao modelo capitalista, funcionando como “aparelhos de hegemonia do Estado”.

O Facebook decide quem vê sua postagem. O Instagram escolhe que stories aparecem. O Twitter/X determina quais hashtags viralizam. Os algoritmos foram programados em Palo Alto para servir interesses de Palo Alto.

Quando o dirigente comunista se orgulha dos “mil seguidores” no Instagram, esquece que desses mil, talvez 50 vejam efetivamente suas publicações. E desses 50, quantos são militantes que já concordam com tudo? A resposta é constrangedora: quase nenhum.

O Mito do Dirigente Influenciador Digital

Surge um novo tipo de dirigente comunista: o especialista em redes sociais. Domina as tendências do momento, produz conteúdo viral, acumula seguidores. Mas pergunta fundamental: quantos novos militantes organizou? Quantas lutas concretas dirigiu? Quantos trabalhadores formou politicamente?

Para Lenin, seria “impossível conduzir a luta revolucionária sem dispor de um meio de divulgação através do qual o partido pudesse se pronunciar sobre questões e situações concretas da vida social”. Questões concretas. Vida social real. Não lacração virtual ou debates estéreis sobre temas abstratos.

O dirigente obcecado por cards esquece a realidade leninista: “Lênin utilizava a propaganda escrita com o mesmo gosto que a verbal, de acordo com as possibilidades que se lhe ofereciam”. Conforme as possibilidades. Não conforme as modas digitais ou as métricas de engajamento.

O Tecnosolucionismo Aplicado à Comunicação Partidária

O tecnosolucionismo é a crença de que toda solução política passa pela tecnologia. Aplicado à comunicação do PCdoB, manifesta-se na obsessão por ferramentas digitais como panaceia para todos os problemas organizativos. Precisamos formar quadros? Façamos um curso online. Precisamos chegar às massas? Investimos em Facebook Ads.

Lenin demonstrou que “não se pode desligar o trabalho teórico dos trabalhos de propaganda, de agitação e organização”. A organização é presencial, corpórea, territorial. Não há aplicativo que substitua a conversa olho no olho entre militantes. Não há algoritmo que replique a confiança construída na luta cotidiana.

O partido que abandona o trabalho de base em nome da “modernização digital” comete o mesmo erro dos social-democratas que Lenin combateu: substitui a organização revolucionária pela ilusão reformista.

A Contradição da Propaganda Política Obrigatória

Exemplo concreto da incoerência estratégica: o PCdoB tem direito constitucional à propaganda política gratuita no rádio e na televisão. Lei federal obriga todas as emissoras a veicular. Todas. Desde a TV Globo até a pequena rádio do interior. Alcance potencial: 200 milhões de brasileiros. Custo: zero reais.

Mas pergunta incômoda: quantos diretórios do PCdoB fiscalizam se as emissoras locais estão cumprindo a lei? Quantos dirigentes sabem que têm direito a inserções diárias no horário eleitoral gratuito? Quantos aproveitam esse espaço para fazer agitação e propaganda efetivas?

A resposta revela a distorção: o mesmo dirigente que passa horas produzindo conteúdo para 50 visualizações no Instagram ignora completamente a possibilidade de falar para milhares de pessoas no rádio local. Prefere a ilusão do controle digital à realidade do alcance analógico.

A Analogia do Iskra Digital

O jornal Iskra (A Centelha) foi fundamental para organizar o partido bolchevique: “realizou, nos começos do século XX, enorme trabalho de propaganda e de agitação”. Lenin utilizou o Iskra para “desenvolver grande propaganda através de conferências” e “luta teórica e política em defesa do programa do Partido”.

Mas o Iskra não era apenas meio de comunicação. Era organizador coletivo. Criava redes clandestinas de distribuição. Formava quadros na prática da agitação. Conectava lutas locais com estratégia nacional.

O “Iskra digital” do PCdoB seria uma plataforma que cumprisse essas funções organizativas. Não mais um site bonito ou um perfil engajado, mas um sistema de comunicação que efetivamente organize, forme e mobilize. Que conecte as lutas reais com a estratégia partidária. Que transforme seguidores passivos em militantes ativos.

As Competências Necessárias para a Comunicação Revolucionária Digital

Primeira competência: compreender que a comunicação digital é ferramenta, não finalidade. Lenin insistia na “necessidade de uma educação sistemática dos quadros de propagandistas e de uma elevação ininterrupta de seu nível de instrução”. A formação política precede a técnica comunicativa.

Segunda competência: dominar os códigos algorítmicos sem se submeter a eles. Usar as ferramentas digitais para amplificar a mensagem revolucionária, não para adequar a mensagem às demandas do algoritmo. O conteúdo define a forma, nunca o contrário.

Terceira competência: articular comunicação digital com organização territorial. Todo post deve ter correspondência na realidade. Toda campanha virtual deve gerar mobilização presencial. Todo seguidor deve ser visto como potencial militante.

Quarta competência: manter a comunicação direta com a militância como prioridade absoluta. Antes de falar para milhares de desconhecidos nas redes, certificar-se de que a base partidária está orientada, formada, mobilizada.

O Caminho de Volta: Da Virtualidade à Realidade

A comunicação revolucionária na era digital exige retorno aos princípios leninistas filtrados pela crítica ao colonialismo digital. Usar as tecnologias sem se deixar usar por elas. Ocupar os espaços virtuais sem abandonar os territórios reais. Falar às massas sem esquecer a militância.

Como ensinou Gramsci, “a hegemonia cultural não é monolítica, mas fragmentada, com diferentes grupos competindo para estabelecer sua própria versão da hegemonia”. A disputa hegemônica na era digital exige presença qualificada nos aparelhos de comunicação, não mera reprodução das lógicas dominantes.

O PCdoB pode escolher entre ser mais um partido que fala para as paredes algorítmicas ou construir um modelo próprio de comunicação revolucionária adaptado aos desafios contemporâneos.

*Percival Henriques é Especialista em Justiça Constitucional e Tutela Jurisdicional dos Direitos Fundamentais, pela Universidade de Pisa – Itália; pesquisador pela Rede de pesquisa: Teoria Critica do Direito e De(s)colonialidade digital; autor de livros como “Pássaros Voam em Bando – A história da Internet do século XVII ao século XXI” e “Direito à Realidade – Por um Constitucionalismo Digital no Brasil”; Presidente da Associação Nacional para Inclusão Digital – ANID; e Membro da Comissão Executiva Estadual do PCdoB na Paraíba.