PEC da Blindagem é provocação ao STF para criar nova crise institucional, diz Mont’Alverne

Vexatória, afrontosa, inconstitucional. Estes são apenas alguns dos defeitos atribuídos à PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara a toque de caixa, após articulação da extrema direita e do “centrão”. Para Martônio Mont’Alverne, pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, a iniciativa é uma “provocação ao STF, uma forma de criar uma nova crise institucional”.
Ao menos duas ações na Justiça buscam estancar o andamento da medida. Nesta quinta-feira (18), líderes do PT, PSB e PSOL entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação para suspender a tramitação. No mandado de segurança, os parlamentares alegam que o texto não seguiu o rito adequado e afronta o regimento interno da Casa e a Constituição.
No mesmo dia, o ministro do STF, Dias Toffoli — relator de outra ação contra a PEC apresentada pelo deputado Kim Kataguiri (União-SP) —, deu prazo de dez dias para que a Câmara apresente informações sobre a tramitação da matéria. Após receber os argumentos da Casa, o ministro decidirá se vai barrar ou não o andamento.
Inconstitucionalidades gritantes
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem foi aprovada em duas votações na Câmara na noite desta quarta-feira (17) após uma série de manobras que vão desde atropelos regimentais até uma votação-relâmpago. Esse tipo de expediente já virou hábito por parte de setores políticos que almejam fazer “passar a boiada” em projetos impopulares e ilegais, mas que atendem aos seus interesses.
A proposta é literalmente um retrocesso de pelo menos 24 anos anos, uma vez que acaba com alterações feitas em 2001 no sentido de facilitar a abertura de processos judiciais contra deputados e senadores e reduzir a autoproteção corporativa.
“Essa PEC é completamente inconstitucional porque viola prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário. E a separação de poderes, de acordo com o que nós temos no parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição, é cláusula pétrea”, explica Martônio Mont’Alverne.
Ele acrescenta que “as imunidades parlamentares são aquelas que estão originariamente no texto constitucional. Se for alterar isso, reduzindo a competência do Poder Judiciário, é inconstitucional”. A prerrogativa do Poder Judiciário, enfatizou, “é julgar”.
Algumas das regras agora apresentadas retomam ao previsto originalmente na Constituição, mas ampliando a proteção dos parlamentares. Vale lembrar que no contexto de 1988, o objetivo de medidas como essas era o de preservar os direitos de deputados e senadores contra perseguições políticas após mais de duas décadas de ditadura, o que não faz mais sentido hoje em dia. Contudo, o argumento falacioso de uma suposta “perseguição política” tem sido usado pela extrema direita.
Com o tempo, a proteção prevista na Carta Magna acabou virando um escudo para os parlamentares fora da lei — desde aqueles que cometem os ilícitos mais tradicionais da política, como a corrupção, até os ligados às organizações criminosas. Vem daí a pressão pelas mudanças ocorridas em 2001 e agora colocadas em xeque.
A PEC da Blindagem estabelece, entre outros pontos, que a prisão em flagrante de parlamentares por crimes inafiançáveis — como os hediondos, de racismo e tráfico de drogas — continua podendo ser efetuada, mas deve ser comunicada em até 24 horas à Câmara ou ao Senado. Os parlamentares deverão então decidir, por maioria absoluta e votação secreta, em até 90 dias, se mantêm ou não a prisão.
As mesmas regras e prazo foram estabelecidas para que a respectiva Casa autorize ações penais. Caso seja negado pela maioria absoluta, o processo ficará suspenso enquanto durar o mandato.
Além disso, somente o STF — e não mais as outras instâncias da Justiça — poderá expedir medidas cautelares contra parlamentares. E os presidentes de partidos passam a também a ter foro privilegiado.
Mont’Alverne argumenta que a inconstitucionalidade de uma lei pode ser declarada tanto pelo vício material, ou seja, o mérito, quanto pela forma como tramitou. No caso da PEC, há os dois tipos de problema.
Além de mexer com prerrogativas pétreas do Judiciário, o que é uma questão de mérito, a tramitação da matéria não obedeceu o processo legislativo. “Assim como da Anistia, estão dizendo que no caso da PEC da Blindagem não teria havido convocação das sessões exigidas pelo regimento interno, levando à violação do devido processo legislativo. Isso também autoriza uma declaração de inconstitucionalidade”, aponta.
O jurista argumenta que mesmo sabendo desses vícios, os parlamentares que sustentam a matéria agem para afrontar o STF. “Trata-se de uma avaliação política. Eu acho que eles querem provocar o Supremo e a estabilidade democrática do país para tentar desencadear uma nova crise institucional, como resposta à condenação (de Jair Bolsonaro e outros sete de seu entorno) por tentativa de golpe de Estado”.
Resistência no Senado
Além de o STF estar de olho na PEC, a sinalização é de que no Senado a matéria também não terá vida fácil. De acordo com o colunista Valdo Cruz, do G1, interlocutores do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), sinalizaram que ele estaria irritado com ataques de bolsonaristas e que não estaria disposto a priorizar nenhum projeto de um grupo político em particular — o que envolveria tanto a PEC da Blindagem quanto a tentativa de anistia.
E, como forma de tornar a tramitação mais lenta, determinou que seja seguido o rito normal, com o envio do texto para a Comissão de Constituição e Justiça. O presidente do colegiado, senador Otto Alencar (PSD-BA) demonstrou indignação com a proposta e defende que a mesma seja “enterrada”.
À GloboNews, Alencar declarou: “Minha posição é contrária, é um desrespeito ao voto popular, uma falta de cerimônia. Não se pode estabelecer, através da lei, uma proteção aos parlamentares, vez que nós já temos tantos casos de irregularidades, de desvios de recursos, sobretudo das emendas”.