Após Imposto de Renda Zero, governo Lula vai priorizar o fim da escala 6×1
O governo Lula se prepara para bancar outra agenda de interesse popular no Congresso Nacional. Depois do Projeto de Lei Nº 1087/25 – o “PL do Imposto de Renda Zero”, que foi aprovado na última quarta-feira (1º/10), por unanimidade, na Câmara dos Deputados –, a prioridade será o fim da escala 6×1.
As duas pautas têm apoio maciço dos brasileiros. Em dezembro de 2024 – quando a proposta de proibir a escala 6×1 ganhou visibilidade nacional –, 64% dos brasileiros já eram favoráveis à mudança, conforme pesquisa Datafolha.
Embora nenhum dos projetos em tramitação na Câmara dos Deputados ou no Senado tenha partido do Executivo, a população associa a medida ao governo federal. Em junho, um levantamento da Quaest mostrou que o fim da 6×1 era o “projeto mais conhecido” do terceiro governo Lula. A popularidade da proposta pesou na hora de Lula “bater o martelo”.
Por ora, os holofotes continuarão sobre a isenção no Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. É o tempo de o projeto ser votado no Senado, voltar para a Câmara (em caso de alteração no texto pelos senadores) e ser sancionado pelo presidente Lula.
Durante esse período, o governo tentará agilizar a aprovação da Medida Provisória (MP) do Gás do Povo no Senado. Além disso, já há um acordo entre o Planalto e a Câmara para pautar a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública.
Enquanto esses cronogramas são cumpridos, o governo retomará o debate sobre o fim da escala 6×1, a fim de viabilizar sua votação no primeiro semestre de 2026. Segundo a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, a decisão política está tomada.
“Na pauta do governo”
Na última semana, Gleisi recebeu em seu gabinete parlamentares que apresentaram projetos ligados à questão de trabalho. A primeira foi a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), autora do PL 67/2025, que propõe limitar a carga de trabalho a até 40 horas semanais, com ao menos dois dias de repouso remunerado.
Em caráter simbólico, Daiana entregou uma cópia do projeto à ministra, que elogiou o texto. “Valorizar as trabalhadoras e os trabalhadores é compromisso do governo do presidente Lula. Vamos trabalhar juntas para que esse projeto avance”, assinalou.
Já na quinta-feira (2), Gleisi se reuniu com a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), autora da PEC 8/2025, que prevê a redução da jornada para 36 horas semanais e o término da escala 6×1. Ela é também presidenta da Subcomissão Especial criada pela Comissão de Trabalho da Câmara “para debater e apresentar sugestões” nessa temática.
Após o encontro, Gleisi divulgou um vídeo para reafirmar a promessa do Planalto. “A gente já tem colocado na pauta do governo a contrariedade com a escala 6×1. O presidente Lula tem se manifestado – e nós temos de mudar o regime de trabalho”, declarou.
O próximo passo, de acordo com a ministra, é realizar uma ação coordenada junto aos parlamentares da base aliada: “Vamos nos organizar, chamar os nossos líderes aqui, nossos deputados e deputadas, nossos senadores e senadoras, para preparar essa pauta no Congresso Nacional e levar mais uma vitória ao povo trabalhador brasileiro”.
Para aprovar uma PEC, como a de Erika Hilton, são necessários três quintos dos votos na Câmara – o equivalente a 308 dos 513 deputados. Já a aprovação de um projeto de lei, como o de Daiana Santos, demanda maioria simples de votos.
Tropeços na Subcomissão
Na visão do governo, o início dos trabalhos da Subcomissão Especial na Câmara – com Erika na presidência e Daiana entre os membros suplentes – pode ser um trunfo para a luta. Contudo, é urgente que deputados favoráveis à mudança na legislação pressionem por avanços concretos. Criada em 25 de abril, mas instalada apenas em 19 de agosto, a Subcomissão tem 90 dias para apresentar um parecer sobre os impactos do fim da escala 6×1.
A escolha do relator – o deputado Luiz Gastão (PSD-CE) – foi frustrante. Integrante da “bancada empresarial”, Gastão é presidente da Fecomércio-CE (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará). Suas posições em pautas sobre o mundo do trabalho são invariavelmente conservadoras. Em entrevista à CNN, Gastão afirmou que seu relatório será finalizado na segunda quinzena de novembro e pode incluir novidades, como a proposta de modelos flexíveis de jornada.
Outro tropeço da Subcomissão foi sua atabalhoada “descida às bases”. O primeiro debate público promovido pelo colegiado ocorreu na terça-feira (30/9), em São Paulo. O movimento sindical reclamou – com razão – que o convite para as entidades chegou “em cima da hora”. Não deu outra: o auditório do Sesc Santana estava vazio.
Para piorar, a Subcomissão fez uma injustificável deferência ao sociólogo e professor José Pastore, histórico aliado – e ideólogo – do empresariado. No debate, ele falou por 25 minutos e foi, de longe, o convidado com mais tempo de exposição. Um de seus argumentos disparatados foi o de que, sem a escala 6×1 e com jornada em 36 horas semanais, haverá retração econômica de 6,2% no País, com aumento de 22,2% no custo por hora de cada trabalhador.
Histórico
A proposta de acabar com a escala 6×1 não fazia parte do programa de governo de Lula, mas ganhou força em 2023, com a ascensão do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho). Uma petição pública lançada naquele ano pelo grupo – e endereçado ao Congresso Nacional – recebeu quase 3 milhões de assinaturas. Entre as propostas do abaixo-assinado aos parlamentares, destacava-se a “revisão da escala de trabalho 6×1 e a implementação de alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada”.
No ano seguinte, Erika Hilton propôs a PEC para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais e proibir escalas com seis dias de atividade e apenas um de descanso numa mesma semana. A proposta foi apresentada oficialmente na Câmara em 25 de fevereiro com 234 assinaturas – 63 a mais que o necessário para protocolar uma PEC.
A reivindicação foi incorporada pelos movimentos sindical e social. Em abril deste ano, as Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo anunciaram o Plebiscito Popular 2025, com o objetivo de promover uma grande consulta nacional sobre esta e outras propostas. Ao mesmo tempo, as centrais sindicais anunciaram que o fim da escala 6×1 seria uma das pautas do 1º de Maio.
Foi em 30 de abril, na véspera do Dia do Trabalhador, que Lula se comprometeu pela primeira vez com essa causa, num pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV. “Vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso”, disse o presidente. “Está na hora do Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras.”