Operação contra PCC expõe brechas das fintechs e avanço da cooperação institucional
Brasília (DF), 28/08/2025 – O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, durante entrevista coletiva para detalhar duas operações da Polícia Federal para combater a atuação do crime organizado no setor de combustíveis. Foto: José Cruz/Agência Brasil
A megaoperação contra o PCC, ocorrida nesta quinta-feira (28), marcou um ponto de virada no combate ao crime organizado no Brasil. Segundo especialistas consultados, a ação mostrou, por um lado, que as fintechs e setores da economia formal viraram o principal canal de lavagem de dinheiro da facção, o que expõe falhas regulatórias e gera perdas bilionárias em impostos.
Por outro lado, a integração inédita entre Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ministério Público (MP) e Polícia Federal (PF) é mais eficaz do que prisões isoladas, porque atinge diretamente o capital da organização criminosa. Com isso, o PCC já não depende só do tráfico, mas de negócios legais; e para enfrentá-lo, o Estado precisa seguir o dinheiro, fechar brechas regulatórias e manter a cooperação entre instituições.
O economista José Luis Oreiro, professor da UnB, avalia que a megaoperação deflagrada nesta quinta-feira (28) pela Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público representa um divisor de águas na regulação das fintechs no Brasil.

“Desde que as fintechs foram criadas, elas tiveram uma regulação muito mais leve do que a das instituições financeiras tradicionais. Isso deu vantagem competitiva, mas também abriu espaço para lavagem de dinheiro em larga escala”, afirmou Oreiro em entrevista.
Segundo ele, a ofensiva expôs que a ausência de fiscalização adequada permitiu ao PCC criar “bancos paralelos” e movimentar valores que escapavam do controle do Banco Central e do Coaf.
Oreiro destacou que, além do impacto na segurança pública, a operação tem efeitos fiscais imediatos:
“As estimativas de perda de arrecadação estão em torno de R$ 10 bilhões. Seguir o dinheiro é o primeiro passo para realmente enfraquecer o crime. Prender e matar não resolve, porque sempre há reposição na base. Secar a fonte é o caminho.”
Integração como arma estratégica
Já o consultor de segurança pública e advogado José Carlos Pires ressalta que a maior inovação da megaoperação foi a coordenação entre múltiplas instituições.

“A integração de Receita, Coaf, Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais e a Polícia Federal mostra que o Brasil começou a agir de forma sistêmica. Antes, isso avançava de forma muito lenta. Agora demos um salto”, disse.
Para Pires, a operação é inédita justamente porque atacou o crime na sua engrenagem econômica real, e não apenas nas periferias urbanas com ações ostensivas:
“O PCC transformou dinheiro ilícito em negócios lícitos: postos de gasolina, lojas de conveniência, usinas de etanol, construção civil. Estamos diante de uma facção que já não depende principalmente do tráfico, mas da infiltração no mercado formal.”
Ele defende que os municípios também sejam integrados nas estratégias futuras, já que são eles que autorizam postos e estabelecimentos suspeitos:
“A lavagem de dinheiro envolve licenciamento local. É preciso que União, estados e municípios atuem juntos, sob o guarda-chuva do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública).”
Do tráfico à economia formal
As análises convergem para um diagnóstico: o crime organizado no Brasil mudou de patamar.
Se antes o narcotráfico era o eixo central de financiamento, hoje o PCC atua com sofisticação financeira, comprando empresas e usando fundos de investimento, fintechs e instrumentos digitais para ocultar capital.
A operação revelou movimentações de até R$ 46 bilhões em apenas uma fintech ligada à facção.
Segundo Oreiro, isso só foi possível porque os bancos digitais menores estavam fora do mesmo escrutínio que os grandes bancos.
Já Pires aponta que esse “novo PCC” é menos visível e mais resiliente: “Quando se prende um operador da base, ele é substituído. Mas quando se bloqueia R$ 1 bilhão, quando se desmonta uma cadeia inteira de combustíveis, o golpe é estrutural.”
Desdobramentos e riscos
Apesar da repercussão positiva, a ofensiva também expôs disputas internas: Polícia Federal e Ministério Público de São Paulo chegaram a dar entrevistas simultâneas, e há suspeita de vazamento que permitiu que apenas 6 dos 14 alvos de prisão fossem capturados. Pires acredita que o tema da Segurança Pública está em disputa pela eleição nacional que se avizinha.
Para Pires, é cedo para dizer se o PCC sai enfraquecido: “Eles vão buscar alternativas. O fundamental é que a ação não fique restrita ao impacto imediato, mas que se torne política de Estado perene e integrada.”
Oreiro concorda: “É o primeiro passo de uma jornada longa. A boa notícia é que mostrou que é possível moralizar um setor inteiro da economia quando o Estado decide agir.”
O que a operação ensinou
- Fintechs precisam de regulação equiparada a bancos, para evitar brechas que favorecem o crime.
- O crime organizado migrou para a legalidade, com forte presença em setores estratégicos como combustíveis.
- Integração entre órgãos federais e estaduais é decisiva, mas precisa incluir os municípios.
- Seguir o dinheiro é mais eficaz do que prender na base, porque atinge a pirâmide do crime em sua estrutura financeira.
- Disputas institucionais enfraquecem a ofensiva, e precisam ser superadas para dar continuidade à estratégia.
(por Cezar Xavier)