Industrialização ou vocação agrícola: a atualidade do pensamento de Roberto Cochrane Simonsen em oposição a Eugênio Gudin
O Conselho Nacional de Política industrial (CNPIC) foi criado em 1944 no governo de Getúlio Vargas, no Estado Novo, para fortalecer o desenvolvimento industrial que já havia aparecido com as substituições de importações no período que ocorreu as duas Grandes Guerras.
Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) A Europa não conseguindo manter a produtividade industrial por estar no cenário de conflito, começou a importar das periferias do mundo. Nesse caso, no governo brasileiro de Wenceslau Braz, sentiu um surto de industrialização: I) substituição de importação por não conseguir importar produtos manufaturados da Europa, logo teve que produzir internamente; II) a Europa necessitava de produtos manufaturados, principalmente para usar na guerra, o Brasil produzia e exportava.
Mais adiante, durante o governo Vargas, a Segunda Grande Guerra (1939-1945) foi novamente essencial para que o Brasil se industrializasse, como ocorrera na Primeira. Vargas, cuja principal característica era o nacionalismo, adotou inicialmente uma posição neutra no cenário internacional, buscando barganhar seu apoio. No fim, alinhou-se aos Aliados, o que possibilitou, em 1941, a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) com ajuda dos Estados Unidos (EUA).
Ao final da Segunda Guerra Mundial, querendo ir adiante no processo de industrialização, lançou debates sobre a industrialização. O grande nome que apresentou o CNPIC em 1944, foi Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948). Industrial, engenheiro, empresário, além de participar da criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), do Serviço Social da Indústria (SESI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Pode-se dizer que foi o pai do pensamento industrial nacional. Do outro lado, estava Eugênio Gudin (1886-1986), empresário e economista liberal, defendia o modelo agroexportador na época, enraizado na tal vocação agrícola.
Simonsen defendia a intervenção estatal como planejadora da economia política, criando fundações consistentes para que indústrias de base fossem desenvolvidas, como ocorreu na década de 1940, mas principalmente nos anos 1950, no governo Vargas. Grandes indústrias nacionais estratégicas e bancos financiadores para o desenvolvimento surgiram nessa época, como a Eletrobras (1952), a Petrobras (1953) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDE na época, pós-1982 BNDES).
Enquanto Gudin, expoente da escola monetarista no Brasil, via a necessidade de estabilidade da moeda, defendia que os gastos governamentais não deveriam ser usados para promover a industrialização no país. Segundo sua teoria, essa prática provocaria um desequilíbrio entre oferta e demanda, ocasionando inflação.
O seu pensamento fundamenta a base da política econômica do Brasil na vocação agrícola, não deixando de refletir elementos da Teoria das Vantagens Comparativas do economista David Ricardo (1772-1823). O economista clássico via que um país deve se especializar na produção de bens e serviços nos quais possuem uma vantagem comparativa em relação aos demais. Então, se um determinado país é forte em ofertar uma certa mercadoria, deve focar a sua produção nessa mercadoria.
David Ricardo elaborou com boas intenções, visando a prosperidade econômica. Porém, atualmente, ela é utilizada com um viés ideológico, velando uma de suas características mais problemáticas: a subordinação dos países subdesenvolvidos à condição de não se desenvolverem plenamente, sendo incentivados a focar apenas naquilo que possuem de “melhor”. Ainda que essa produção tenha baixo valor agregado e não gere impactos positivos na renda nacional.
A tal vocação agrícola é o reflexo desse pensamento, quando impõe de forma ideológica que o desenvolvimento econômico brasileiro deve focar suas forças apenas no modelo agroexportador. Um pensamento que ainda paira grande parte do senso-comum brasileiro. Fora naturalizado de tal maneira, que a superação dessa realidade parece impossível. Qualquer ideia que pense além da vocação agrícola é vista como impossível por justificar que a estrutura econômica brasileira não pode ser mudada.
Há dois equívocos aqui: I) grandes nações que estiveram à frente das revoluções industriais modificaram, de maneira significativa, sua estrutura econômica; II) quem parte do pressuposto dessa linha de pensamento se baseia em uma premissa naturalista, assenta-se na ideia de que aquilo que não pode ser modificado deve permanecer como está. Acredita que a realidade vigente é eterna. Como a ciência não é neutra, mesmo aquelas correntes que buscam a isenção partem de hipóteses que, com ou sem essa pretensão, já constituem a base sobre a qual será construído todo o seu argumento.
Já Simonsen foi influenciado pelo historicismo alemão e o positivismo. O historicismo alemão surgiu com o economista protecionista Friedrich List (1789-1846), na Alemanha, após um tempo nos Estados Unidos (EUA), onde conheceu de perto o espírito do filósofo e economista Alexander Hamilton (1755-1804). Hamilton propôs a implementação de uma política industrial baseada no protecionismo e em subsídios estatais para o desenvolvimento econômico nacional. List levou essa visão consigo para a Alemanha, descartando os pressupostos dos economistas clássicos ingleses.
O historicismo alemão recorre a um modelo de forte presença estatal, por meio do intervencionismo na economia e do protecionismo. No campo da formulação teórica, essa corrente critica a criação de leis universais, necessárias e a-históricas, que se apresentam como um ideal axiomático no desenvolvimento das teorias econômicas. Para os historicistas, é essencial compreender a dinâmica cultural e social de cada país e, a partir disso, adequar o melhor método às particularidades de cada contexto.
Esse é o chamado método histórico-dedutivo, no qual um enunciado só se torna inteligível, ou seja, adquire validade teórica por meio de sua verificação histórica. Tal validade, porém, não é eterna nem absoluta, pois está vinculada ao tempo e ao contexto.
Em oposição, encontra-se o método hipotético-dedutivo, no qual, a partir de hipóteses, desenvolve-se uma teoria de base axiomática, que busca enquadrar a realidade observada em modelos teóricos universais. É com base nesse método que operam, por exemplo, os monetaristas – como o Eugênio Gudin.
A influência direta e indireta do historicismo alemão no pensamento de Roberto Simonsen manifesta-se em sua recusa em aplicar leis universais ao contexto brasileiro. Em vez disso, ele recorre à história para compreender os fenômenos complexos da nação e as causas do seu subdesenvolvimento. Preferiu utilizar ferramentas empíricas, em vez de modelos matemáticos prontos, priorizando a observação da realidade concreta.
Além disso, o positivismo também foi a corrente que, para Simonsen, ofereceu elementos fundamentais à formulação de sua política industrial. Especialmente a ideia de uma planificação econômica baseada em uma ordem racional, cujo objetivo era promover a evolução material da sociedade por meio do desenvolvimento técnico. Seus ideais estavam sempre assentados na busca por validação científica.
Aqui compreende-se que o pensamento de Cochrane Simonsen não deve ser utilizado como um fim em si mesmo para analisar o processo de industrialização nacional. Contudo, é importante reconhecer que há elementos argumentativos elaborados por ele que podem contribuir para superar o ainda presente, porém ultrapassado, pensamento naturalista da vocação agrícola.