O espetáculo chega nesta sexta-feira ao Teatro Sesc Napoleão Ewerton, em São Luís (MA), de graça, às 19h30

Musical Leci Brandão na Palma da Mão com Sérgio Kauffman, Verônica Bonfim e Tay O’Hanna.

Aos 80 anos, completados nesta quinta-feira (12), a sambista e deputada Leci Brandão é protagonista não só de uma trajetória marcante no samba, mas também no teatro. O musical “Leci Brandão – Na Palma da Mão”, que estreou em janeiro de 2023, tem emocionado plateias ao contar sua história com detalhes que capturam a essência da artista. Com direção de Luiz Antônio Pilar e dramaturgia de Leonardo Bruno, a produção vem acumulando sucesso e prêmios, como o Prêmio Shell de Melhor Direção, conquistado por Pilar em março deste ano.

O espetáculo que estreou em janeiro de 2023 chega nesta sexta-feira (13) ao Teatro Sesc Napoleão Ewerton, em São Luís (MA), de graça, as 19h30. Será uma sessão especial de abertura do Palco Giratório no Maranhão. Os ingressos poderão ser retirados 1 hora antes do espetáculo na bilheteria do teatro. O musical já passou por grande parte do Brasil, inclusive saiu para Portugal e continua em turnê. Acompanhe pelas redes em @napalmadamaomusical.

Leia também: Leci Brandão chega aos 80, unindo os palcos ao plenário e ao terreiro da quebrada
Comunistas destacam atuação política de Leci Brandão
A Leci antirracista sempre foi muito atual e contundente
80 anos de Leci Brandão repercutem na imprensa

Em entrevista à Agência Brasil, Leci relembrou sua infância no Morro da Mangueira, onde o samba já fazia parte de sua vida. “Eu me divertia muito quando ia para a casa da minha madrinha. O samba estava sempre presente, desde cedo”, recorda. A forte ligação com a mãe, Dona Lecy, é outro ponto central. “Ela era a sabedoria da minha vida. Muitas decisões que tomei tiveram seus conselhos por trás”, afirma Leci, emocionada ao falar de quem sempre a incentivou, inclusive em sua religiosidade.

https://youtube.com/watch?v=qQE_4Vu-Xyo%3Ffeature%3Doembed

Religiosidade e superação

Leci destaca a importância da religião de matriz africana em sua vida, especialmente durante um período de depressão, quando ficou cinco anos sem gravar. Foi a mãe quem sugeriu que ela buscasse forças no terreiro do Caboclo Rei das Ervas, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. “Eu estava sem esperança, mas lá reencontrei o meu caminho”, relembra. A experiência resultou em um álbum em homenagem ao orixá Ogum, que rendeu a Leci seu primeiro disco de ouro.

O musical faz questão de retratar esse momento decisivo, mostrando a importância da fé na vida da artista. “Eu fiquei impactada. Eles conseguiram captar todos os detalhes, desde os trejeitos até a maneira como eu canto. Foi como ver minha vida diante de mim, de forma legítima e verdadeira”, declarou, referindo-se às performances das atrizes Verônica Bonfim e Tay O’Hanna, que interpretam Dona Lecy e Leci, respectivamente.

A religiosidade de Leci também é um ponto forte do espetáculo. Filha de Ogum e Iansã, sua devoção aos orixás é entrelaçada com sua vida pessoal e profissional. Segundo Leonardo Bruno, responsável pela dramaturgia do musical, todos os discos lançados por Leci desde os anos 1980 trazem faixas dedicadas às entidades da umbanda e do candomblé.

Bruno já havia estudado profundamente a carreira de Leci em livros como Canto das Rainhas, no qual aborda a trajetória de grandes cantoras do samba, incluindo Alcione, Beth Carvalho e Elza Soares. Segundo ele, a história de Leci é fascinante, especialmente por seu pioneirismo como a primeira mulher a ingressar na ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira, em 1972.

Elenco e emoções

A relação de Leci com sua mãe, Dona Lecy, é um dos temas centrais da peça. A atriz Verônica Bonfim, que interpreta Dona Lecy, sente profundamente a responsabilidade de representar uma figura tão importante para a trajetória da artista. “Peço licença a ela e sua bênção antes de entrar no palco todas as noites”, conta emocionada.

Tay O’Hanna, que interpreta Leci Brandão no musical, ressalta a importância da força e da coragem da artista ao longo de sua carreira. Trans não binárie, Tay elogia o trabalho do diretor Luiz Antônio Pilar e destaca a importância da representatividade e das lutas contra o preconceito no espetáculo.

Sergio Kauffmann, que interpreta personagens masculinos da vida de Leci, incluindo o Exu, também compartilha uma conexão profunda com a história e a religiosidade retratada. Ele destaca que o público frequentemente se identifica com a narrativa familiar e pessoal de Leci.

Impacto e legado

O espetáculo não só celebra a carreira musical de Leci, mas também sua atuação política. Eleita deputada estadual em 2010, Leci se destacou como defensora de causas sociais e direitos das minorias. “Nunca pensei em entrar na política, mas senti que era uma missão que Deus me deu”, conta ela, ressaltando que a força para seguir esse caminho veio, mais uma vez, de sua ligação com a espiritualidade.

O musical também não deixa de abordar o pioneirismo de Leci na defesa da comunidade LGBT, uma causa que ela abraçou em uma época em que o tema era tabu. “Fui uma das primeiras a falar abertamente sobre isso, e vê-los retratar essa luta no musical foi algo muito importante”, reflete.

Durante a ditadura militar, ela já escrevia músicas sobre negritude, o papel da mulher na sociedade e o público LGBT+, temas ainda pouco abordados naquela época. Músicas como Ombro Amigo, que fez sucesso em novelas da TV Globo, são exemplos de sua ousadia e inovação.

“A Leci fala da questão indígena e de várias outras questões que hoje são amplamente discutidas. Ela já trazia isso em sua música lá nos anos 1970”, ressalta Leonardo Bruno. Esse caráter vanguardista é amplamente explorado no espetáculo, que também apresenta um repertório extenso e emocionante da artista.

Uma carreira marcada por escolhas firmes

A canção Zé do Caroço, um de seus maiores sucessos, é lembrada no espetáculo por simbolizar sua firmeza em não aceitar pressões da indústria fonográfica. Leci pediu demissão da gravadora após discordâncias sobre seu posicionamento político, reforçando sua postura de nunca ceder em questões que considera fundamentais.

“Eu sou uma pessoa simples e verdadeira. Faço o que o meu coração pede, e isso foi o que sempre me guiou na música e na vida”, explica a artista.

A reação de Leci ao ver sua história no palco emocionou o elenco e a equipe criativa. Durante a estreia em Copacabana, a artista subiu ao palco e falou por mais de 20 minutos, expressando sua gratidão e emoção ao ver sua vida representada de forma tão sensível e respeitosa.

O musical “Leci Brandão – Na Palma da Mão” segue em turnê pelo Brasil, atraindo públicos diversos e emocionando pela autenticidade com que retrata a vida de uma das maiores figuras da música e da política brasileira. A simplicidade e força de Leci Brandão, refletidas nas cenas e canções do espetáculo, continuam inspirando e mostrando que sua missão de vida, como ela própria diz, ainda está sendo cumprida.

(por Cezar Xavier)