Reflexões sobre a questão racial na luta pelo socialismo – Parte II
Comparado a muitos países, o Brasil tem uma história recente de formação complexa de seu povo e como nação; um longo período de 389 anos de colônia, estado e economia escravista, de muitas lutas acumuladas, que marcou profundamente seu (sub)desenvolvimento material e espiritual.
Nos últimos 134 anos, após a Proclamação da República, aceleraram-se os movimentos políticos e culturais de caráter nacional, com o Tenentismo, as ações da classe trabalhadora e fundação de seu Partido, a Coluna Prestes, a Semana de Arte Moderna e a Revolução de 1930; a industrialização, o nacional-desenvolvimentismo e a urbanização acelerada deram nova configuração ao país; derrotamos duas ditaduras (Estado Novo e civil-militar), construímos duas importantes constituintes (1946 e 1988) que avançaram no estado democrático de direitos; elegemos governos progressistas enfrentando o neoliberalismo, sofremos o golpe de 2016 e derrotamos eleitoralmente a extrema-direita encastelada no governo.
Em 523 anos, somos a sétima população mundial, a décima economia depois de termos chegado à sexta, com um parque industrial diversificado, agricultura industrializada e um forte mercado interno. Um processo evolutivo de idas e voltas sempre marcado pela luta do povo contra o conservadorismo das classes dominantes e suas elites reacionárias.
A campanha abolicionista, as grandes greves de trabalhadores e trabalhadoras, as campanhas pela Siderurgia Nacional e pela Petrobras, os movimentos cívicos para derrotar o nazifascismo e pela Constituinte de 1946, as Diretas Já e o Fora Collor, entre outros, são construções políticas de frente ampla e de massas, que impulsionaram o país para adiante.
É difícil pensar em mudanças profundas sem considerar a presença massiva da classe trabalhadora e do povo, sem as forças políticas revolucionárias e progressistas capazes de aglutinar amplas massas em torno de um projeto político transformador, que enfrente a reação em todas suas facetas.
As crises são constantes e crescentes, as mazelas do sistema se avolumam penalizando a grande maioria da população, menos os 10% do topo; os mais atingidos são os negros, as mulheres negras, os não brancos e os brancos pobres. Situações trágicas suportadas pela normalização centenária das desigualdades e da violência, herdada da escravidão e do abandono; gente anestesiada pela falta de perspectiva. Temos uma multidão informe de desesperançados que sustenta o conservadorismo e seu atraso.
A grande questão posta são o reacender das expectativas, renovar crença na possibilidade de mudanças, ter consciência de que estas são frutos da luta conjunta e não dádivas.
Tirar as pessoas dessa letargia exige um trabalho árduo e de fôlego, de autorreconhecimento, autovalorização e autoaprendizado na luta concreta, no enfrentamento dos problemas do seu dia-a-dia para além do jeito individual de se safar.
Construir um exército de lutadores conscientes e organizados pressupõe partir da realidade de cada um sem abstrair das particularidades que os identifica, os unifica na defesa, mas que ainda não se percebem como classe social, que por serem negros e originários ou descendentes, por exemplo, sofrem muita exploração, opressão, discriminação e as consequências nefastas do sistema.
Elevar sua autoestima, identificando-os na história como protagonistas de luta, de resistência e do trabalho na construção socioeconômica do Brasil, na elaboração da cultura e das artes, como um dos pilares da formação do povo brasileiro, sem dúvida é contribuir para a subjetividade positiva, que favoreça a liga que os una à luta geral.
O papel de conscientização e organização das forças revolucionárias e progressistas, além de combater ideias e práticas atrasadas como o identitarismo, deve ser principalmente identificar a liga estratégica entre a particularidade e a luta de classes, não aquela como apêndice desta ou vice-versa, mas como elemento componente, enraizado e mobilizador.
A vida mostrou que é de infrutífera consequência isolar a luta específica da luta do povo por mudanças; as conquistas vieram com leis e governos, de movimentos políticos mais amplos; no entanto, seria faltar com a verdade, não constatar que só foram possíveis pela combatividade na luta e pauta específica dos diversos movimentos antirraciais.
Essa unidade dialética, na qual prepondera a luta de classes, deve materializar-se nas ações concretas seja nas fábricas, comércios, no campo, nas escolas e nas repartições públicas em defesa da negritude, reconhecer sua importância e papel no rico processo da brasilidade; radicalizar no combate contra o preconceito e a discriminação racial ligando-os à subalternização do humano, à desvalorização do trabalho, ao impedimento de acesso a direitos; avançar no resgate da dívida histórica e social, fortalecendo suas organizações de luta e elevando sua consciência e pertencimento de classe com pautas de lutas trabalhistas, que dirimem as gritantes diferenças salariais e de condições de trabalho.
Ganhar os não brancos para o Socialismo deve ser um exercício cotidiano de luta e debate, formação; sair da subjetividade de negá-los ou de autonegação para a de afirmação, de pertencimento de classe. Fato importante para a coesão do povo e sua elevação de consciência social.
O PCdoB, com essa conferência e o revigoramento de sua linha política de atuação na luta antirracial, reafirma sua capacidade laboral em formular pensamentos emancipacionistas com base na realidade brasileira: A questão classista materializada na construção da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB; das Mulheres com a União Brasileira de Mulheres – UBM; da Juventude com a União da Juventude Socialista – UJS; dos Negros com a União de Negras e Negros pela Igualdade – UNEGRO; dos LGBTI com a UNA, iniciativas que contribuem positivamente nas lutas dos movimentos político-sociais.
Por outro lado, o Partido necessita, com fisionomia própria, estar na realidade concreta com sua militância estruturada nas lutas sociais e populares, exercitando métodos de luta, fortalecendo bases, enraizando e oxigenando as entidades emancipacionistas, debatendo seu Programa com o povo, praticando a solidariedade.
É de fundamental importância que a política revolucionária do PCdoB ganhe força material, que se reflita no seu crescimento e na maior presença partidária no cenário político do país; que o transforme em alternativa de poder galvanizando sobre grandes movimentos unificados de libertação do povo e do proletariado brasileiro. Assim, encerro minha contribuição à Tribuna de Debate da 1ª Conferência Nacional de Combate ao Racismo,
*Membro da Comissão Política do Comitê Estadual do PCdoB/Pará. Graduado em Geografia pela UFPA