Reflexões sobre a questão racial na luta pelo socialismo – Parte I
Não há lugar no mundo de maior destaque onde a escravidão moderna tenha durado tanto e se constituído em eixo estruturador da formação histórico-socioeconômica e cultural, cujos resquícios e consequências continuam perpassando toda a sociedade.
Nenhuma instituição ou relação social no Brasil está imune ao cancro do racismo, posto que este continua possibilitando um ambiente propício à superexploração capitalista a partir da desvalorização e opressão da maioria do povo e da classe trabalhadora, da degradação de sua subjetividade e autoestima.
Não há luta consequente com perspectiva de transformação social sem um nível elevado de consciência e unidade de ação de milhões de brasileiros e brasileiras; conquistá-los para isso requer a elaboração de uma linha política que justo posicione as particularidades estrategicamente imbrincadas à luta de classes, diga-se, as lutas da classe.
Com esse entendimento que saúdo a grande e pertinente iniciativa do Partido Comunista do Brasil – PCdoB, em realizar a 1ª Conferência Nacional de Combate ao Racismo sob a tese Avançar na Construção de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento afirmando seu carácter antirracista e democrático!
O PCdoB, herdeiro das lutas abolicionistas e do pensamento antirracista, oriundo e partícipe inconteste das contendas travadas pelos trabalhadores e trabalhadoras contra a espoliação do capital, assim como, elemento ativo contra o racismo, na garantia de direitos dos negros e dos povos originários, assume seu papel de vanguarda ao trazer à luz da elaboração coletiva um documento político-teórico, com base no conhecimento mais avançado sobre o tema, como indicador de caminhos para a emancipação social e o fim do preconceito e da discriminação racial.
Por outro lado, oportuniza o Partido a refletir e superar visões e práticas; encontrar formas de abordagem que mobilizem corações e mentes; indiquem pertencimentos; revolva as crostas e os anteparos que impedem a liberação de energias e sua canalização para gerar movimentos conscientes e unificados. Imbuído desse espírito e esperançoso diante das atuais perspectivas políticas e dos feitos heroicos de resistência do nosso povo, participo desse debate, a partir de lutas desenvolvidas, leituras correlatas e vivências como militante comunista negro, no desejo de contribuir de alguma forma.
A luta antirracismo tem caráter estratégico em nosso país por razões históricas, sociais, econômicas e culturais. Ela não só ganha mais força material e solução com um poder capaz de edificar um projeto de nação soberano, popular, democrático e desenvolvido, mas fazendo parte efetiva da conquista desse poder como elemento importante na luta de classes.
O capitalismo e seus asseclas locais, ao substituir o sistema escravista, relegaram os negros e os povos originários de forma genocida, abandonando à desgraça, negando terras aos primeiros, e dizimando os segundos.
A realidade brasileira, após 135 anos de abolição da escravatura e de a nação estar entre as dez maiores do mundo, manifesta o destino de pária em todos os sentidos da grande maioria da população, que por coincidência é não branca, com as degradantes moradias e empregos, com os piores salários e atendimentos de serviços; suspeitos número um, alvos preferidos de assassinatos e estupros, primeiro lugar na ocupação de cárceres e últimos no ranque de direitos humanos e sociais.
É indiscutível que sob o atual sistema não há soluções plausíveis e perenes para essa situação concreta, como não é uma questão apenas específica que diga respeito só aos negros e indígenas. Se as relações de classe e a superestrutura têm, grosso modo, recorte racial, de gênero, geracional, com desigualdades e injustiças gritantes, a luta pelo Socialismo exige formulação e prática que considere essa particularidade nacional.
*Membro da Comissão Política do Comitê Estadual do PCdoB/Pará. Graduado em Geografia pela UFPA